V de Verdade

Hoje encerro a série de sete artigos sobre a mobilização cidadã recentemente ocorrida em nosso país (os outros textos estão na seção de Opinião do www.portaldenoticias.com.brou em www.souzaguerreiro.com).

“Não pagar pra ver a verdade a ver navios, onde já se viu?” – Humberto Gessinger.

Verdade, eis o que as pessoas foram para a rua pedir em junho. Uma sociedade de verdade onde, por exemplo, jovens não morram sufocados numa câmara de gás que deveria ser uma boate, onde uma menina não morra envenenada com vaselina injetada na veia num local que deveria ser um hospital. Coisas assim. Verdade!

Verdade que foi justamente o que se buscou no movimento pela saúde, no início do ano, em Charqueadas, onde o povo, em sua maioria gente jovem, mobilizou-se motivado por um caso específico de inverdade que provocou a interrupção da gravidez de uma moça. Para quem prestou atenção, tudo o que aconteceu no Junho Brasileiro teve uma prévia no Abril Charqueadense, com exceção dos atos de vandalismo: o mesmo ativismo descentralizado, o mesmo protagonismo jovem, a mesma insatisfação com a classe política em geral, a mesma incompreensão por parte da velha sociedade.

A base dessa busca pela verdade vem de mais longe, vem do ainda vivo século passado. Vem de jovens tecnólogos e empresários como Bill Gates, Steve Jobs e, mais recentemente, de Mark Zuckerberg e de seu Facebook. A tecnologia virtual e social, a ferramenta. Hoje vemos ativistas como Julian Assange, Aaron Swartz (foto acima) e Edward Snowden que, a partir das possibilidades democráticas dessa nova ferramenta de interação social, trouxeram a verdade à tona, sem reservas ou mediações.

Todos eles sofreram e ainda sofrem com isso. A verdade à solta incomodou demais o poder da inverdade, o mundo das meias-verdades e aparências. Assange está acuado numa embaixada, Snowden sitiado num aeroporto e Swartz se suicidou, pois não suportou o terrorismo jurídico de estado a que foi, tal qual os outros dois, submetido. O crime de Swartz? Copiar e divulgar na internet trabalhos acadêmicos em nome da liberdade do saber. Uma vítima da violência simbólica da qual Pierre Bourdieu falou. Um mártir da causa da verdade.

Verdade que, em junho, desmascarou o falso antagonismo entre policiais e manifestantes, os mariscos no processo de significação ideológica da grande mídia contra o governo federal; que demonstrou o equívoco político da tática do vandalismo inspirada no e simbolizada pela máscara do filme V de Vingança (nesses dias, por exemplo, milhões de pessoas foram ao RJ ver o Papa e não ocorreram distúrbios); verdade que estava no Occupy Wall Street, na Primavera Árabe, na Grécia, nos Indignados espanhóis e em outros movimentos dessa época de redes sociais virtuais; verdade dos pelados de Porto Alegre (e de Woodstock, do Fórum Social Mundial 2003 e das ativistas do Femen).

[Aliás, interessante o Maio de 1968 e Woodstock ressurgirem nas análises sobre os movimentos de junho no Brasil. Também visavam estudantes e bichos grilos de antanho a verdade, busca que agora é retomada. Interessante como a sociedade evolui no processo histórico, não é mesmo?]

“O sol amanhece todo dia sem pedir licença”, dizia a frase no cartaz da manifestante. Um velho e saudoso amigo ensinou-me certa vez: “João, a verdade é como uma rolha num tanque de lavar roupa, por mais que a segurem lá no fundo, um dia vão ter de soltá-la e, daí, ela virá à tona”. A nova geração está imbuída desse espírito.

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia” - Chico Buarque, pois “o novo sempre vem” -Belchior.

Texto publicado na seção de opinião do Jornal Portal de Notícias: http://www.portaldenoticias.com.br