Diferenças marcantes entre plebiscito e referendo

Prólogo

Juro com as mãos juntas, com o corpo encurvado para acentuar meus efusivos respeitos à instituição OAB, que eu não queria escrever sobre os termos PLEBISCITO e REFERENDO.

Contudo, ao receber hoje uma mensagem da eclética e competentíssima Equipe Superinformativo, informando sobre o fato da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que, por sua Ouvidoria Nacional, externou como resultado da maior consulta popular já realizada no país a opção oposta à manifestada nas urnas, utilizando o erro, inclusive, para respaldar sua postura diante do tema consultado... Não resisti e resolvi esclarecer aos meus inúmeros e notáveis leitores as diferenças marcantes entre plebiscito e referendo.

O “referendo” e o “plebiscito” são formas de consulta popular. Os governantes podem se valer destes mecanismos para consultar a população acerca de uma “lei” ou de uma “decisão administrativa”: oferece-se ao povo a possibilidade de manifestar concretamente posição sobre determinadas decisões político-governamentais.

No referendo e no plebiscito o povo opina sobre decisões políticas que os “governantes” (representantes) já tomaram ou pretendem tomar.

HISTÓRICO RESUMIDO

Desde 1988, quando foi promulgado o atual documento constitucional, o povo brasileiro vivenciou quatro processos democráticos envolvendo plebiscitos ou referendos de abrangência nacional, isto é, nos quais poderia/deveria participar a totalidade dos eleitores brasileiros.

Em 1993, realizou-se um plebiscito para que a população pudesse escolher a forma (Monarquia ou República) e o sistema (Parlamentarismo ou Presidencialismo) de Governo do Brasil: votou-se majoritariamente pelo presidencialismo republicano.

Em 2005, realizou-se o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogos e munições no Brasil. Na ocasião, se a maioria dos eleitores tivesse respondido “sim” à pergunta colocada (“O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”), deveria entrar em vigor o já elaborado artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). O resultado final revelou 64% de eleitores que optaram pelo “não”.

Em 2010, foi realizado, somente no estado do Acre, referendo acerca do fuso horário a ser adotado naquele estado. À época, juntamente com a eleição de segundo turno para presidente, a população local decidiu por voltar ao fuso de duas horas a menos em relação à Brasília, rejeitando, assim, a legislação então em prática, que determinava que o horário local marcasse apenas uma hora a menos em relação à capital federal.

Por fim, em 2011, realizou-se no Pará um plebiscito acerca da divisão do Estado em três: Pará, Tapajós e Carajás. O eleitor paraense respondeu então a duas perguntas: “Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Carajás?” e “Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?”. O “não” triunfou nas duas questões, com mais de 65% dos votos.

Na medida em que se trata de decisões que o povo pode/deve tomar, mostra-se relevante oferecer informações que possibilitem que as concretas escolhas sejam realizadas num cenário em que os sujeitos – cidadãos brasileiros – estejam em condições de compreender as consequências e os significados de sua decisão: o que são plebiscitos e referendos e como funcionam?

EXPLICANDO MELHOR O TEMA EM COMENTO

Quais as diferenças mais marcantes entre “plebiscito” e “referendo”?

A principal diferença normativa entre “plebiscito” e “referendo” é simples. O referendo deve ser realizado nas hipóteses em que uma “lei” ou “ato administrativo” já foram emanados, isto é, já estão prontos, sendo a população convocada apenas para dizer se os aprova ou não.

O referendo se realiza, portanto, posteriormente à concreta tomada de uma decisão política pelos governantes, isto é, depois da emanação de lei ou ato administrativo, sobre os quais o povo é chamado a se manifestar. Ora, se o povo decidir em seu favor, ou seja, contrário à vontade governamental, pressupõe-se que essa vontade deve ser respeitada e facilitada para a consecução dos melhores propósitos da lei ou do ato administrativo.

Infelizmente isto nem sempre ocorre. Como exemplo cito a lei do desarmamento que, por referendo, a sociedade disse um sonoro "NÃO" à proibição das armas de fogo e munições no Brasil. Ressabiado, o governo acatou a vontade do povo, mas ostensivamente burocratizou de forma tão medonha, excessiva e vergonhosamente (Vide Art. 4º e seus incisos da lei 10.826/03), que desmotiva e inviabiliza, de forma lícita, o homem de bem para a aquisição de uma arma de fogo e sua respectiva munição.

Resta o desconforto da aquisição de armas e munições na trilha da ilegalidade! O governo deseja isso? Talvez... Caso contrário facilitaria não apenas a compra de armas de fogo por quem se mostrasse capaz de possuí-las e manuseá-las com maestria e responsabilidade, mas também o controle dessas aquisições pelo incentivo e facilidades nos respectivos registros junto ao Sistema Nacional de Armas – Sinarm (armas de fogo de uso permitido) e o Comando do Exército (armas de fogo de uso restrito).

O plebiscito, por sua vez, deve ser realizado antes da elaboração e aprovação da “lei” ou “ato administrativo”: se a população consentir com o tratamento legislativo ou administrativo de determinada questão/problema, só então deverão os poderes públicos constituídos elaborar as diretrizes normativas (leis, decretos, portais…) pertinentes.

RESUMO DAS DIFERENÇAS ENTRE PLEBISCITO E REFERENDO

Plebiscito

Consulta que acontece ANTES do ato do Poder Publico (legislativo ou administrativo). Tem por finalidade aprovação ou reprovação do ato que se pretende tomar (a possibilidade da prática do ato é tema da consulta).

Referendo

Consulta que acontece APÓS a prática do ato do Poder Público (legislativo ou administrativo). Tem por finalidade a confirmação ou a rejeição do ato.

CONCLUSÃO

Assunto do momento entre juristas e políticos, diante da possibilidade de plebiscito para reforma política, os debates sobre as consultas populares no Brasil demonstram que essa forma de sufrágio não é de fácil compreensão até mesmo para entidades que com ela deveriam manter profunda familiaridade e conhecimento inconteste.

A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB na berlinda

A OAB errou resultado de referendo sobre desarmamento! O fato ocorreu em resposta a uma mensagem enviada à entidade por um cidadão, através da qual parabenizava a OAB pela defesa do direito ao porte de arma para os advogados e, ao mesmo tempo, tecia crítica à postura de apoio da Ordem ao desarmamento civil.

Ao retornar a mensagem ao seu autor, a OAB, através de sua Ouvidoria, justificou seu posicionamento ponderando que “a proibição (à posse ao porte de arma) foi decidida por meio de plebiscito (sic), a forma mais democrática possível de exercício de poder popular, por meio do qual a população optou pelo desarmamento”.

Sem dúvida, foi louvável a postura da OAB ao defender a expressão democrática das urnas. A questão é que, espantosamente, a entidade demonstra desconhecer o resultado daquela consulta popular, na qual, através de referendo (e não plebiscito), a tese central de desarmamento foi rejeitada pela população, com um percentual de 63,94% do eleitorado, contra apenas 36,06% a favor da proibição às armas.

Em número de eleitores, foram quase sessenta milhões de votantes pelo “não” ao desarmamento, marca ainda não alcançada em nenhuma eleição majoritária. Infelizmente a lei 10.826/2003 burocratiza em demasia essa “vitória” da sociedade ao conseguir por meio do referendo o direito (Já assegurado pela atual Carta Magna em vigor) a autodefesa. Sobre o assunto sugiro aos diletos leitores acessar o texto: “A lei do desarmamento é inconstitucional?” pelo link:

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4354471

O fato é de extrema gravidade. A OAB é uma entidade de histórica e marcante atuação em favor da democracia, talvez a mais expressiva delas, e por isso causa espanto quando dá uma demonstração tão latente de distanciamento do maior exemplo de manifestação popular pelo voto na história recente brasileira.

Tão preocupante quanto desconhecer o resultado do referendo é pautar sua postura institucional na opção contrária àquela decidida pela população, admitindo como vencedora a opção que foi maciçamente derrotada. Diante do exposto podemos parodiar Boris Casoy (Casoi?) com as frases-bordão, tais como: "Isto é uma vergonha" ou "É preciso passar o Brasil a limpo".

OBSERVAÇÃO PERTINENTE: Boris Casoy (São Paulo, 13 de fevereiro de 1941) é um jornalista brasileiro. Atualmente apresenta o Jornal da Noite, na Band, além de ser um dos âncoras da rádio BandNews FM.

Em uma época de crise das instituições e crescentes manifestações de insatisfação popular, ver a OAB se distanciar de seu glorioso passado de luta pela democracia retira um pouco da esperança por melhorias significativas no país. Afinal, se nem a OAB identifica o clamor das ruas, mesmo quando manifestado nas urnas, quem o fará?

MESMO COM O RISCO DE PERDER A CAUSA ASSUMO A DEFESA DA OAB

Talvez eu seja comparado ao “Advogado do Diabo” ao sair em defesa da OAB por tão crasso erro. Ora, ora, ora... Como acreditar que a OAB não saiba diferenciar plebiscito de referendo? Não teria esse lapso sido cometido por um estagiário? Afinal de contas, a frase é do procurador de justiça Lênio Luiz Streck: "os estagiários dão sentenças, fazem acórdãos, pareceres, prendem, soltam, elaboram contratos de licitação, revisam processos...".

Lênio Luiz Streck foi atrevido, talvez infeliz com a ilação ou inferência supracitada. Fui estagiário por um longo tempo — aprendi muito sobre as áreas Cível, Criminal, Trabalhista e Previdenciária — e posso afirmar sem receio de errar: Estagiários minutam sentenças ou acórdãos, pareceres, mandados de busca e apreensão, mandados de prisões, alvarás de soltura e outros, contratos etc. Tudo com a supervisão dos seus superiores (Juízes e/ou de quem lhes confiou tão nobre e fiel missão).

Escrita, em um artigo, há quase dois anos (setembro de 2011), a afirmativa, retirando os excessos, continua rigorosamente atual. Na semana passada, numa rede social — num grupo que se intitula "comissão de assessores e estagiários" — duas dentre as dezenas de mensagens, sobre o assunto, que circularam na web foram instigantes.

"Daqui da minha mesa vislumbro a colega auxiliar de juiz atarefada e preocupada com algumas dezenas de decisões por fazer. Especialmente aquelas que a Corregedoria Geral da Justiça procurou, com um click em seu sistema, relembrar-nos que os processos estão conclusos há mais de 90 dias" — relatou uma assessora.

Logo um jovem estagiário repicou: "eu fiquei aliviado, já que nesta lista da CGJ não constavam processos conclusos para sentença há mais de um ano, pois, se houvesse, o atucanado seria eu". Como já arrematara o procurador Streck, "os estagiários ainda não assumiram o poder porque não estão bem organizados. Deveriam aderir à CUT. Em alguns anos, chegariam lá".

O vaticínio final dele é de que “um dia desses veremos os muros pichados com a frase ‘todo o poder aos estagiários’”. (A estagiariocracia Por Lênio Luiz Streck, procurador de Justiça).

MINHA DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO

Discordo do procurador de justiça Streck! Não é demais lembrar que estagiário não tem o condão que lhe é atribuído pelo simples fato de ser ele um aprendiz. Irresponsável é o chefe ou superior hierárquico que assina sem a devida cautela, sem revisar uma minuta elaborada ou sugerida por um assessor ou estagiário.

Vou mais além de minha insólita defesa em favor da OAB. Há operadores de direito, em todos os níveis que considera mero erro material as trocas de Luís por Luiz, Meneses por Menezes, Cavalcante por Cavalcanti, Carmem por Carmen, Luzia por Lusia, Isabel por Izabel, Rosa Maria por Maria Rosa, Teresa por Tereza, Wilson por Uilson e tantas outras trocas de nomes e/ou números de documentos e assemelhados.

Para mim, simples autodidata, um eterno aprendiz e ex-estagiário, uma diferença por menor que seja em um nome ou prenome, em uma numeração de um documento, caso não haja uma confirmação por comparação com outros documentos, poderá ensejar um erro judicial inominável e irreparável.

No caso do erro da OAB ouso acreditar: Houve um erro material ou um lapso de alguém não qualificado para emitir um parecer ou opinião demasiada simples. Plebiscito e Referendo são tão diferentes quanto “ex nunc” e “ex tunc”.

“Ex nunc” = A partir de agora, do presente, sem efeito retroativo. Exemplo: decisão ‘ex nunc’ do Supremo Tribunal Federal.

“Ex tunc” = Com efeito retroativo, valendo portanto também para o passado. Exemplo: A revogação em causa produziu efeitos ‘ex tunc’.

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NOTAS REFERENCIADAS

— Ação Direta de Inconstitucionalidade 2650 (ADI 2650);

— Constituição Federal Brasileira de 05 de outubro de 1988;

— Lei 10.826/2003;

— Projeto de Lei 4.718/2004;

— Equipe Direito Direto;

— A estagiariocracia Por Lênio Luiz Streck, procurador de Justiça;

— Anotações avulsas, notas de aulas do autor — Curso de Pós-Graduação e Preparação à Magistratura.