Para a geração dos "Caras-pintadas" e das "Diretas Já!"
Quem viveu a glória dos movimentos de enfrentamento da ditadura e pela deposição do Presidente Collor, certamente sente um incômodo compreensível ante ao aparente caos e falta de rumo das atuais manifestações.
No entanto, peço que considere a condição dos jovens e adultos que empreenderam os protestos naquela época. Uma geração que, não obstante a repressão que sofria, em contrapartida gozava de uma maior liberdade intelectual. Tinha cativas as mãos e a voz, mas a mente e as ideologias em franca expansão.
Uma geração politizada, embalada por movimentos culturais, sobretudo no âmbito musical, que tinham algo a dizer, dotados de inteligência, profundidade, que instigava com sabedoria e propriedade o sentimento de rebeldia e clamor contido no âmago das vítimas daquele quadro infeliz.
Hoje, o que nossos jovens tem? Uma pseudoliberdade! Podem "ouvir o que querem", "assistir o que querem", "ir para onde querem", "dizer o que querem"... Mas, ouvir o que? Assistir o que? Ir para onde? Dizer o que?
Uma geração regida sob a batuta dos monopólios da alienação, que aprenderam direitinho a receita para conferir liberdade ao corpo enquanto mantém cativa aquilo que realmente importa - a mente!
Uma geração que escuta músicas de duplo sentido, que ri de programas de humor de inteligência e gosto duvidoso, que se mantém informada através de programas de jornalismo que exploram as misérias humanas, que testa seus conhecimentos através de exames com roteiros dignos de grotescas comédias-pastelão ... O que poderíamos esperar?
No entanto, essa geração aparentemente PERDIDA, desorganizada e caótica, não perdeu, como nenhum ser humano criado por Deus é capaz de perder, a sensação de inconformismo e rebeldia diante de tantos desmandos.
A chama que impulsiona a mudança, ainda que essa mudança esteja aparentemente sem um rumo bem definido, é fruto do cansaço diante de um acúmulo de absurdos que é difícil até enumerar (como relatou bem um manifestante através dum cartaz que trazia a frase: "é tanta coisa errada que não cabe num cartaz!"). E a forma meio "bagunçada" e "desordenada" em que a revolta se manifesta é o fruto da forma em que essa geração se encontra completamente À DERIVA nesse país.
No entanto, ainda que essa geração não demonstre qualquer PREPARO, não quer dizer que deva permanecer confinada nos limites da sua ignorância. O LEVANTE, por si só, é LEGÍTIMO! O impulso é muito melhor do que a inércia.
À essa geração de um passado recente que lutou por ideais tão nobres de maneira tão sublime e que, através de sua luta, me garantiu o direito de hoje me expressar, de votar nos meus governantes (embora, lamentavelmente as opções de que disponho não sejam das melhores), peço que dê um crédito à geração de hoje, pois a sua geração gloriosa lutou contra o mesmo inimigo.
A organização, o caráter da manifestação e dos manifestantes, a situação, o nível intelectual poderiam até ser bem diferentes de hoje, mas no final das contas, o INIMIGO É O MESMO. E nessas horas, creio que vale o ditado: o INIMIGO DO MEU INIMIGO, É MEU AMIGO!
Por tudo isso, peço que reconsiderem. Não materializem os versos da canção, quando diz "Você diz que depois dele, não apareceu mais ninguém...", porque isso, sim, seria sinal de derrota. Que a sua inegável experiência possa, neste momento, agir de forma útil e abnegada, desprovida de um orgulho natural, e contribuir com esclarecimentos e orientação, pois eles serão valiosíssimos num momento como esse.
Obrigada por tudo que foram capazes de proporcionar a GERAÇÃO Y. Infelizmente, talvez tão cedo não nos seja possível corresponder à altura os seus sacrifícios. Mas mais do que tempo ao tempo, nos conceda de bom grado e insistentemente, o vosso conhecimento. E, quem sabe, até a honra de sua presença. Um dia, quem sabe, caminhando meio sem rumo, a gente chegue lá!