Jovens perdidos: O prazer de matar
Apesar de encontrar adolescentes vindos das classes médias envolvidos com a criminalidade, em sua maioria, eles são oriundos da periferia e pertencentes às classes trabalhadoras mais pobres. Contudo, o sociólogo Spagnol faz uma observação: “ocorre que nessa mesma periferia, encontramos adolescentes, submetidos às mesmas condições sociais, que em nenhum momento de sua vida envolvem-se com o mundo do crime” (Spagnol, 2008, p. 24). Pelo contrário, possuem um discurso que nega essa prática, procurando estes uma normalidade na vida através do binômio escola-trabalho.
Segundo Spagnol, os jovens delinquentes que concedem entrevistas – apesar de demonstrarem ser uma ameaça – mais parecem jovens perdidos em um mundo caótico; onde acabam reagindo a ele através do uso da violência. Dessa maneira, muitos dos assassinatos brutais, não assumem a forma de um aspecto particularista, ou seja, o ataque não é desferido contra o individuo em si. Na verdade, no mundo moderno, há um predomínio da indiferença no relacionamento humano.
Diferente da modernidade, a violência ao longo da história esteve relacionada à questão da honra e vingança. Com o processo civilizador esses códigos de honra foram sendo transformados. A consolidação dessa mudança ocorreu através do monopólio do uso legitimo da violência e pelo monopólio fiscal exercido através do Estado. “Pois quando não existe qualquer monopólio militar ou policial e quando, por conseguinte, a insegurança é constante, a violência individual, a agressividade é uma necessidade vital” (Lipovetsky, 199{.}:177).
O processo do individualismo foi diluindo a postura da vingança. Esses tipos de ofensas passaram a ser tido pela maioria como algo de menor relevância. O resultado disso é que o Estado moderno criou um individuo mais ausente na relação com os seus semelhantes. Isso gerou uma lógica hiper-individualista. Os atores sociais, procuram efetivar a maximização dos seus interesses através da constante busca material ou até mesmo de uma maior autonomia, seja por meios legais ou através de meios ilícitos como o uso da violência.
Com isso, perde-se a confiança no outro, pois aqueles próximos são potenciais competidores, ou até mesmo um inimigo ou um obstáculo a ser superado e vencido. Com isso, por mais que o indivíduo viva e interaja com outros indivíduos, nem sempre existe um vínculo afetivo entre eles. Esse campo passa a ser predominado pela indiferença e pela solidão.
Spagnol, além disso, analisa a relação entre o erotismo e a violência através do uso de outras fontes bibliográficas. “Atirar em alguém, esfaquear um corpo, cortar partes dele, esmagar a carne parece envolver toda uma sensualidade recheada de significados.” (Spagnol, 2008, p.172).
Na concepção do autor, fazer o mal está sempre relacionado a prejudicar o outro, ou seja, fazê-lo sofrer. Quando se trata de um crime brutal que choca a opinião pública, esse mal passa a ser repudiado. Por outro lado, esse mesmo mal também assume a forma de uma vingança que acaba sendo travestida por um discurso de justiça por parte da população.
As maiorias desses jovens que dão entrevistas acabam agindo através de uma postura de resignação. No geral, eles não ficam revoltados com essa situação, aceitam o destino como se fosse uma providência divina. Além disso, esses jovens entrevistados também demonstram certo grau de horror por seus atos. O indivíduo mata sem tentar morrer, através de uma violência sem projeto partilhada pela busca de uma lógica em um processo de personalização.
Mas será que é possível vislumbrar um futuro para esses jovens? Atualmente, não se sustenta a idéia de que a inserção no mercado de trabalho por si só é suficiente para uma modificação favorável. Portanto, para uma transformação de fato, é necessário ser estabelecido o resgate da cidadania.
Esse resgate deve vir no sentido de inseri-los em novos meios sociais dando um sentido a sua existência. Contudo, essa inserção social não deve se restringir as propostas da classe média. Resgatar a cidadania não se limita apenas a questão de adquirir um emprego formal ou informal.
Esses jovens não reconhecem esse sentido de inclusão, mesmo porque muitos desses programas não propiciam dignidade em suas novas relações. Na ausência dessa cidadania, eles não têm nenhum tipo de participação frente à sociedade. Já no caso do tráfico, ele pode ser visto como uma maneira de resgate, chegando até mesmo a trazer benefícios imediatos para muitos desses jovens. Há uma necessidade de resgate através de medidas efetivas como o melhoramento da autoestima desses jovens, a reurbanização das periferias e até mesmo mudanças estruturais profundas que os retirem da vida degradante e os levem para um novo patamar social.