O enigma da violência no Brasil
No capítulo 4, Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil do livro A história da vida privada, a antropóloga Alba Zaluar, tráz algumas questões pertinentes para a compreensão do quadro sócio-histórico atual, tendo como enfoque a violência na sociedade brasileira contemporânea.
Na primeira República, 86% porcento das prisões registradas eram por “vadiagem”, “embriagues” e “desordem”. Os que realmente tinham cometido crimes representavam algo em torno de 14% da população. A urbanização acelerada (década de 50) fora mudando todo o quadro do pais. A partir de 90 os crimes começaram a surgir de forma vertiginosa. Segundo Zaluar, enquanto o povo comemorava a transição para a democracia na década de 80, não imaginava que outros graves problemas estavam prestes a tomar proporções imensas.
Traçando um panorama do contexto social e político, Zaluar aponta alguns dos principais motivos do surgimento ou agravamento da violência urbana no país:
A principio, é notado pela autora que se a divulgação e o acesso à informação tem se tornado cada vez dinâmico, por outro lado a vulgarização da notícia, mais confunde a população do que esclarece. As notícias de violência tornam-se mercadorias. o caráter ideológico nos discursos midiáticos serve para estereotipar certos setores da sociedade como pretensa ameaça Entre muitos jovens bandidos, a forma de matar registrada na capa de jornal é comemorado como a saída do anonimato.
O crime violento passa a ser cada vez mais presente nos processos globais econômicos e socioculturais. As políticas de segurança pública, tem se mostrado pouco eficaz. O efeito acumulativo do desconhecimento e de estratégias políticas gera e reforça o imaginário do medo e os preconceitos sociais.
Diversas estatísticas demonstram que o número de homicídios triplicou de 1980 para 1990, atingindo mais adolescentes, jovens, negros e pobres do sexo masculino. Nas metrópoles, os bairros mais pobres são os mais afligidos, onde os moradores vivenciam situações de riscos cotidianos.
Outra questão que tem ganhado notoriedade é quanto à indústria do medo, que por sua vez gera o vigilantismo. No Brasil existem milhares de empresa e mais de 400 mil homens armados. Cada vez mais, investe-se em equipamentos de segurança como: câmeras, muros altos, cercas eletrificadas, blindagens, cães de guarda, e até mesmo quartos do pânico.
Quanto o trabalho infantil, este passa a ser explorado como forma para lidar com a inflação que assolou o país, tornando essas crianças mais vulneráveis diante de organizações criminosas. O desemprego também contribui para o processo de degradação de diversos setores da sociedade. A chance de uma saída para o desemprego, pode propiciar empreendimentos criminosos. Segundo a autora, os efeitos da pobreza e da urbanização não podem ser entendidos sem uma análise das instituições informais que através de redes criam crimes-negócios.
Outro dado relevante é o aumento vertiginoso do tráfico de cocaína. Atualmente é fato que alguns usuários para pagarem sua divida com o traficante, assaltam e matam. Muitas vezes o narcotráfico está vinculado a grupos terroristas.
Atualmente, o crime de sangue ficou em segundo plano e os crimes passaram a ser cometidos em lugares públicos por pessoas que muitas vezes, mal se conhecem. Podemos afirmar que existe um modo guerreiro (ethos guerreiro) que sente a alegria de competir, vencer e destruir o seu adversário. Nesse aspecto, também está presente o sujeito homem, que em função da sua masculinidade tem que auto-afirmar constantemente o seu valor, partindo muitas vezes para uma violência de gênero, infligida principalmente contra a mulher. Por fim, a cultura política e cívica, cuja dimensão central é a liberdade individual é maior do que a igualdade ou solidariedade, o que favorece a brutalização da vida.
Como observou Zaluar, tais “enigmas da violência” brasileira estão amplamente relacionado às transformações no final do milênio vinculadas diretamente com o processo de globalização econômica e com as transformações do capitalismo, em especial do neoliberalismo.
A autora afirma que, “é imprescindível à recuperação das redes e espaços de sociabilidade e o fortalecimento das organizações, com a participação ativa de moradores no espaço público, buscando o resgate de uma cidadania ampla diante dos excluídos e que não seja unicamente voltada para o consumo, assim como no processo recente de decisão sobre a urbanização de favelas, sobre a distribuição dos serviços e recursos do Estado”.