Polêmicas à parte, casamento gay é sancionado no Brasil
Era uma vez João e José. Ambos na casa dos seus 35 anos, moram juntos mas não são irmãos, nem primos, nem colegas de trabalho dividindo um apê... Desde que se conheceram, há oito anos, eles começaram um relacionamento amoroso e decidiram juntar as escovas de dente. Para os dois, eram namorados; para toda a sociedade, “parceiros”, “companheiros”, “amigados”... Depois de três anos, descobriram que não poderiam um viver sem o outro: trocaram alianças. Para os dois, passaram a ser noivos; mas para toda a sociedade, continuavam a ser “parceiros”, “companheiros”, “amigados”...
O amor seguia crescendo. Foi então que, em 2011, com a aprovação da lei que reconhecia a união estável homoafetiva, decidiram que estava na hora de todos também os reconhecerem como casal. Para os dois, se tornaram cônjuges; mas ainda para toda essa sociedade permaneciam sendo “parceiros”, “companheiros”, “amigados”... e também “sócios (?)”. Ainda não era o que queriam. Eis que, ao ler uma notícia na primeira página de um jornal, o coração de João disparou: a partir daquele dia, 16 de maio de 2013, ele e José estariam em consonância com um direito que passaria a ser coletivo. Para os dois e também para toda a sociedade, seriam CASADOS.
Todos somos diferentes em nossas opiniões e ideais. Se já existem inúmeras divergências dentro de uma única família, que dirá em uma sociedade formada por milhões de pessoas, cada qual com suas verdades? Isso é natural e válido. O que não parece natural tampouco válido ocorre quando as opiniões e ideais de (uma dita) maioria proíbem outras partes ou grupos da sociedade de assistirem aos seus direitos, que são considerados impróprios.
Por esse viés, conceder aos casais homossexuais a possibilidade do casamento civil vai além de um (simples) direito. É deixá-los livres para que possam escolher que rumo almejam dar a seus relacionamentos e vidas. É propiciar-lhes o livre-arbítrio, que é justamente aquilo que configura uma nação como democrática. Talvez se não tivesse encontrado José, nunca teria passado pela cabeça de João se casar. Então, se hoje estivesse solteiro, o singelo fato de não querer mas um dia poder lhe garantiria cidadania plena. Isso não seria muito mais justo que querer e não poder? (Se é que há alguma justiça nesta condição retrograda...) Mas, tendo José em sua vida, João tanto quer como agora pode.
Muito se discute sobre homossexualidade, e ainda muitas pessoas não aceitam essa condição – que não é orientação e tampouco opção – de vida. Porém, é inegável que os gays viviam numa espécie de ditadura, posto que suas relações amorosas não eram vistas como legítimas pela Lei. E o que há de ilegítimo em amar, quando não se faz mal ao outro? Nada. E boa parte da sociedade já percebeu isso. Portanto, essa nova vitória não é somente mérito dos ativistas que por ela ainda continuam lutando: é o reflexo de uma nova sociedade mais consciente, aberta e justa, e de uma geração que cada vez se liga menos em rótulos e estigmas. A vitória é de todos aqueles que veem o seu semelhante como igual, independendo do seu crédulo, cor, poder aquisitivo, sexualidade e outros afins.
Haverá resistência? É claro que sim! Não sejamos tolos. Ainda são muitos os hipócritas que dizem aceitar os gays mas não o casamento entre eles. E uma coisa anula a outra? É claro... que não! A maioria dos gays já não se esconde mais, dá a cara ao tapa, assume para toda a sociedade sua condição e seus relacionamentos, e geralmente é bem-aceita. Continuar sendo contra esse casamento não fará o “problema” desaparecer: não é nada além de tapar o sol com a peneira. E se a questão forem dogmas religiosos, vivemos em um país constitucionalmente laico. Nenhum crédulo deve se sobrepor aos outros. Nenhum indivíduo deve ter concessão de direitos em nome de um bem-estar maior de um grupo ou denominação religiosa. As palavras e doutrinas do seu deus não devem ser soberanas às do(s) deus(es) do outro, se este outro sequer crer em alguma coisa. Ou seja: aos olhos da Lei, nossa nação deve ser agnóstica.
Enfim, existe muito a ser discutido, como, principalmente, a questão da adoção ou da barriga de aluguel para casais homoafetivos. Portugal, por exemplo, proibiu essas possibilidades. Se a postura sexual dos pais influenciasse os filhos, não haveria homossexuais, visto que fomos gerados a partir de uma relação (ao menos) socialmente heterossexual. Mas isso parece difícil demais para que as pessoas entendam. Sexualidade não é apertar um botãozinho de “sim” ou de “não” – portanto não é opção. Não é ler em um manual de instruções aquilo que se quer ser – portanto não é orientação. É uma condição, por estarmos subjugados a desejos e estímulos maiores que nossas vontades. Enquanto não começarmos a ver desta forma, a questão da adoção será sempre considerada um empecilho para a contemplação de uma família formada por casais homoafetivos.
Que o dia 16 de maio de 2013 entre para a História como uma linha divisória entre o antes e o depois, naquilo que diz respeito à aceitação e valorização do gay na sociedade. Que isso aconteça com todos os grupos igualmente vistos como minorias. Que os guetos sociais sejam fechados. Acredito que a partir desta data uma nova consciência começará a brotar. A flor não nasce de uma hora para outra. Mas o que encanta os nossos sonhos não é poder vislumbrá-la ao final?
E que possamos escrever um novo conto de fadas: que João e José vivam, casados e felizes, para sempre...