Para que serve um Serviço Funeral?
Quando a morte chega de assalto, do ponto de vista espiritual, não há consenso sobre para onde vamos. Já do ponto de vista físico, não resta dúvidas: o destino é sob a terra. Como cinzas, como carne, voltaremos ao barro.
A morte, embora um evento natural, ainda é triste, feia... Vivemos na tentativa de suavizar, despistar, esquecer que ela um dia chegará até todos nós e até aqueles que nos são caros. E quando isso ocorre, recorremos ao serviço funeral que não faz outra coisa a não ser “embelezar” - seja por rituais, seja por paramentos - a feiura que é o limiar da existência. O tom solene que é impresso garante certo conforto, RESPEITO, necessário para amparar amigos e familiares no início e desesperador processo de luto. Ainda que acreditemos em vida após a morte, ainda que sustentemos que o corpo não passa de invólucro material, mesmo assim, PRECISAMOS deste conforto, porque naquele corpo está a projeção mais marcante do ser que amamos em vida.
Recentemente, um rapaz com que compartilhei casual e esporádico contato em ambiente de trabalho, faleceu num acidente de moto. Chamava-se Ronaldo e era apaixonado por velocidade. Com o velocímetro marcando quase 230 km, perdeu o controle e foi arremessado contra um poste, tendo seu corpo partido ao meio instantaneamente.
Quando soube da notícia da morte, lamentei bastante, sobretudo pela juventude e energia que exalava de sua personalidade. E, é claro, acima de tudo, pela forma como se deu essa partida, marcada por um ato de imprudência.
Já não bastassem os sentimentos que um acontecimento assim desperta em TODOS nós, que ficamos tocados e sensibilizados com a tragédia, imaginem, então, quando vira palco de um Circo de Horrores?
Logo que o acidente aconteceu, um amigo no Facebook postou a notícia sobre o ocorrido. Eu ainda não sabia que se tratava do Ronaldo. Mas fiquei chocada pela descrição. Mais chocada ainda fiquei quando, segundos depois após a postagem, um rapaz comentou: “Já tem as fotinhas?”.
Como assim? “Fotinhas”? Por um momento achei que tinha entendido errado. Ou que ELE talvez houvesse entendido errado. Porque as vezes em que vi alguém citar “fotinhas” se referia a eventos festivos: uma festa, uma “baladinha”... Ou até a expressão exibicionista de uma garota voluptuosa que faz um book provocante em frente ao espelho... Tudo, menos em relação a uma TRAGÉDIA.
Pensei – “Deve ser algum sem noção. Vou dar um desconto. As pessoas não são assim.” Mas, ora vejam só, ELAS SÃO!
Pouquíssimas horas depois, vídeos viralizaram em minha rede de contatos, compartilhando e mostrando, sem reservas, todos os pormenores do fato.
Não assisti. E nem vou assistir. Mas quem viu, atestou o horror das cenas, o que não é pra menos!
Daí eu pensei: será possível que essas pessoas não tem mãe? Pai? Filhos? Irmãos? Cônjuge? Será que nem por um momento sequer elas cogitam a possibilidade da dor que ver a imagem de um ente querido partido ao meio, pode representar na vida dessas pessoas? Já não é suficiente a dor da perda tão precoce e cruel?
Há quem defenda que a exibição visa alertar aos imprudentes. E eu pergunto: será essa mesma a intenção? Afinal, ainda que as estatísticas sobre acidentes sejam alarmantes e presenciemos dezenas deles em nosso caminho diário, os imprudentes continuam sendo imprudentes!
Para mim, essa exacerbação não passa de exploração da desgraça alheia. É o eco do Homem das Cavernas ainda dentro de nós! É o mesmo motivo que leva uma parcela significativa da população a assegurar a respeitável audiência de programas “mundo-cão” em pleno horário da REFEIÇÃO!!! No que a vulgarização e banalização da violência na mídia poderiam assegurar à sociedade em termos de segurança pública? Assegura, sim, o emprego de apresentadores sensacionalistas e, por tabela, uma vaga em alguma Câmara Legislativa. Reduzir as estatísticas ou garantir mais segurança para nós e nossas famílias, isso nunca!
Sei que cada um é dono de seu perfil social e compartilha o que bem entender. E eu, é claro, vejo aquilo que bem entender. Mas não posso deixar de me sentir, no mínimo, incomodada e, diria, até transtornada ao presenciar a absoluta falta de tato, consideração, respeito e humanidade das pessoas ao exibir, em cores gritantes, as marcas dessa tragédia. Não tanto por mim, não por outro alguém que nem sabe quem era este rapaz. Mas pela sua esposa, suas filhas, seus amigos, irmãos, por seu PAI e sua MÃE!
Se fosse possível a cada um parar um minutinho só para pensar no quão é desnecessário o acréscimo da dor a quem DE FATO mais saiu perdendo nessa história, talvez desistíssemos de atender aos impulsos cruéis de nossa natureza ainda nefasta, e optássemos em não compartilhar essas imagens.
Talvez nossa Timeline fique menos interessante. Talvez não chamemos tanto a atenção para nosso perfil (a custa da desgraça dos outros). Mas sei lá! De repente PENSAR antes de agir, nos distancie um pouco mais da condição animalesca e nos lembre de que somos, apesar de tudo, SERES HUMANOS.