Resumo do Artigo: O paisano, a política e a “comunidade”: a polícia na encruzilhada.
Jaime Vital Maciejewski
O artigo traz questões relacionadas a política de uma polícia que ainda não sabe o seu lugar, isto é se deve estar junto a comunidade local ou se continua cumprindo as atividades de mando do governo, contem ainda observações da atividade policial, com entrevistas e até desabafos de oficiais e praças, que foram recolhidas desde o ano de 1997 quando a PM do Estado de Minas Gerais durante 10 dias esteve paralisada por movimento grevista.
O trabalho se divide em dois na primeira parte norteia o que é o policiamento comunitário e qual o impacto que esta filosofia trouxe as bases da polícia militar, e na segunda parte retrata as mudanças diárias enfrentadas pelos policiais na década de 90 com o aparecimento de diretrizes no intuito de se formar um policiamento comunitário com aproximação do mundo policial com o mundo civil.
Ao final dos anos 80 a opinião publica já começava a questionar a respeito das políticas públicas de educação e saúde, sobre suas funções e relação com os serviços prestados perante a sociedade para o desenvolvimento brasileiro. Mesmo com o aumento da criminalidade desde final dos anos 70 somente no final dos anos 90 em diante é que a segurança publica também passa a ser questionada através de debates públicos quanto ao seu papel repressor a favor do Estado, principalmente a Polícia Militar.
“Para que serve a polícia”? A pergunta trouxe a tona dois grupos distintos o primeiro como defensor de uma política pública de conteúdo repressivo onde o aparato policial deve ser enérgico brutal e violento contra a criminalidade, a violência e a desordem pública, baseada em códigos e regras mas longe de um controle sendo indispensável para manter a ordem e a diminuição da criminalidade, enquanto que o segundo grupo defende que não e só função da polícia combater a criminalidade, mas em conjunto com a participação da comunidade pois as questões da violência e da criminalidade urbana são fenômenos normais e que se pense nas causas como forma de resolver o problema. Tanto o primeiro como o segundo grupo tem presente grandes formadores de opinião compostas de autoridades públicas inclusive do judiciário, mas é com a chegada do pleito eleitoral ou quando a violência toma proporções maiores ou com a descoberta de crimes do colarinho branco ou crime organizado ou em caso de algum tipo de excesso de uma ação policial que os debates esquentam e tomam proporções maiores. Longe destas discussões o crime já se tornou um problema publico estando relacionado as questões sociais e de acordo com estudos acadêmicos o período democrático implantado após o regime autoritário trouxe um cenário de desconfiança popular as instituições repressoras principalmente a polícia militar que está mais perto e visível aos olhos da população. Pode-se afirmar que a crise institucional e política que assolou as policias militares tiveram maior êxito após eventos dramáticos e desastrosos realizados pela polícia, fazendo aumentar a atenção dos formadores de opinião em relação ao assunto principalmente em relação aos que receberam maior ênfase e maior repercussão na mídia como massacres chacinas e espancamentos além de outros acontecimentos como casos de corrupção.
A demissão de um secretário de segurança por denunciar a banda podre da polícia em um dos estados brasileiros e o período de greve das policias militares que tiveram inicio em 1997, foram questões que trouxeram uma maior desconfiança da sociedade e questões democráticas que estavam longe do militarismo implantado nas policias vieram a tona, como profissionalização, qualificação treinamento e qual o verdadeiro papel da polícia para com a população como garantidora dos direitos humanos e sua competência em atuar contra a criminalidade, a desordem e a violência.
As autoridades políticas de princípios democráticos caminham para modificar e dar prioridade e importância aos órgão do judiciário. Enquanto que as policias militares de vários estados implantaram o chamado Policiamento Comunitário onde as primeiras experiências tiveram inicio em final dos anos 80 com o conhecimento do trabalho realizado pelo Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira (assassinado em 14 de Setembro de 1999) através de um livro dedicado em sua memória, que traz experiências e concepções fazendo referencia ao momento que o país atravessava e inclusive a polícia em sua problemática, de se transformar e da capacidade em modificar.
O policiamento interativo teve inicio no Estado do Espirito Santo na década de 80, no Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 90 e se iniciou-se em 1993 em Belo horizonte, que inicialmente não lograram êxito tanto pelo despreparo como pela resistência da população, e continua a enfrentar problemas pela falta de confiança e o desconhecimento das autoridades e ainda das dificuldades em atingir as populações de baixa renda e outros fatores como falta de recursos materiais e humanos para que a filosofia do policiamento comunitário se torne viável. A distancia histórica que separa o policial do cidadão “paisano”,a desconfiança em relação ao controle externo realizado por instituições e comunidade, a resistência de alguns escalões e policiais de ponta em atuar mais de modo preventivo que reativo, e a dificuldade em deixar de lado o apego aos princípios do militarismo, e a alta rotatividade de policiais, são obstáculos devem ser observados de forma separada.
Quando a situação é vista das bases (chão do Batalhão) verifica-se que muitos outros são os fatores que não permitem o assentamento do programa, e como exemplo a fala de policiais da polícia militar de minas gerais que dizem não saber o significado do policiamento voltado para a sociedade e alguns só ouviram dizer a respeito e outros deram atenção no dia da instrução e vários outros souberam pela televisão, enquanto a maioria soube “porque o Comando Mandou” que fosse colocado em prática, mas só se houve falar mesmo nas companhias onde funciona de modo precário. De fato mesmo o policiamento comunitário teve inicio em Belo Horizonte em 1993 ganhando força em 1997 transformando-se em diretriz básica para a polícia em 2002 onde de forma a colocar a comunidade de forma primordial o comando da PMMG inicialmente criou 25 conselhos Comunitários de Segurança publica (CONCEP) tendo como metas:
Treinar comandantes e oficiais subalternos; cadastrar pessoas de boa índole para a participação dos CONCEP; desenvolver e implantar os CONCEP; sistema de coleta; analise e utilização de avaliações periódicas dos serviços pelos cidadãos atendidos pela PMMG; reclamações e sugestões; promover eventos comunitários com o intuito de fortalecer os vínculos da polícia com a comunidade; desenvolver e implantar programas de instrução e divulgação de acoes de autodefesa às comunidades; desenvolver programas de atendimento a problemas sociais persistentes com implicações policiais.
O empenho foi grande e também os gastos ocorridos, contou-se com a participação de vários órgãos governamentais e de ensino que formaram 400 pessoas na primeira turma de lideranças comunitárias e por determinação do comando cinco companhias de um batalhão criaram seus CONCEP, sendo que numa pesquisa posterior foi verificado que em três destas companhias o conselho funcionava de forma precária e com muitos conflitos entre policiais e comunidade sobre a atuação das lideranças, a pesquisa mostrou haver a necessidade de se amadurecer a ideia de forma a tirar dos policiais o imaginário criado pela presença da comunidade nestes conselhos. Seguindo as observações também pelo batalhão pode ser observado o mundo das relações sociais existentes entre o Comando e os seus Comandados, explicando melhor, o programa de policiamento comunitário chega em forma de determinação isto é chega rápido nos policiais de ponta e estes por sua vez tratam o assunto com pouca ou nenhuma atenção, ou quando tem interesse as informações não chegam e ficam muitas vezes nos corredores do quartel entre policiais que efetuam os cursos, compram a ideia mas não aplicam. Foi observado ainda que entre alguns policiais da ponta que fizeram o curso e outros que ficaram sabendo do programa acreditam que não compete a comunidade auxiliar a polícia.
Assim foi verificado existir neste grupo o imaginário de que existe mais uma política sendo feita e logo chegara outra para substituir esta, para confirmar esta situação foram feitas entrevistas com oficiais que destacam que a coisa foi feita ou melhor determinada que acontecesse só que de forma precipitada e precária dizem que os conselhos foram criados do dia para a noite e não houve tempo para a ideia ser digerida, e que algumas pessoas se utilizaram da situação para fazer política se achando no direito de mandarem na polícia. Mesmo os que acreditam no programa relatam que a ideia partiu do comando-geral como forma de se fazer alguma coisa para a credibilidade da polícia, pois era necessário que se fizesse algo após a transição democrática e o policiamento comunitário foi uma das ideias que ganharam vida nesse novo jogo institucional em que a polícia foi obrigada a se inserir.
A ideia de polícia comunitária teve seu inicio no Japão onde os policiais moravam em mínis quarteis que funcionavam nos bairros e consequentemente conheciam a comunidade local, já a polícia comunitária na versão mineira segundo policiais entrevistados termina em uma versão pedinte onde vive de favores dos comerciantes locais, e que a comunidade não sabe o verdadeiro papel da polícia, mas quando estes policiais se recordam do trabalho realizado a pelo menos uma década atrás trazem lembranças do bom trabalho prestado e dos resultados alcançados.
No Brasil muitas das pesquisas e trabalhos sobre a filosofia de policiamento voltado para a comunidade partiram do autor Robert Trajanowicz (1994) onde dita dez princípios que devem fazer parte das políticas, procedimentos e práticas do policiamento comunitário:
filosofia e estratégia organizacional, onde a polícia e comunidade trabalham juntas para diminuírem a criminalidade;
Comprometimento com a concessão de Poder á comunidade, se concentra na resolução de problemas da sociedade aumentando o grau de comprometimento e autonomia e consequentemente um maior respeito as ideias policiais;
Policiamento descentralizado e personalizado, mais investimentos e maior interação com a comunidade e menos chamadas via rádio;
Resolução preventiva de problemas, acurto e longo prazo, o policial deve buscar e explorar novas soluções criativas com a ajuda da comunidade pois é o elo junto as instituições públicas e privadas;
Ética, responsabilidade e confiança, a partir do respeito mutuo e confiança os cidadãos serão estimulados a cuidarem dos problemas menores liberando a polícia para as outras atividades;
Extensão do mandado policial, a polícia de repressiva passa a ser preventiva, e por atuar diuturnamente o seu raio de ação se amplia;
Ajuda para as pessoas com necessidade específica, objetivo de prevenir o crime e valorizar as relações com a comunidade através das minorias mais carentes.
Criatividade e apoio básico; fazer uso das novas tecnologias além dos recursos humanos como a sabedoria, confiança e experiência adquirida.
Mudança interna; passar as informações para o seu departamento para a solução de problemas e contar com o apoio da comunidade nos objetivos do departamento.
Construção do futuro, no policiamento comunitário a polícia não da ordens a comunidade e sim encoraja as pessoas a pensarem o quanto a polícia é uma ferramenta útil na solução de problemas.
Durante os estudos é seguida uma bifurcação no intuito de compreender os problemas enfrentados pelas policias, na primeira se encontra o policiamento tradicional marcado pela burocratização e rotina das atividades com regras e padronização do serviço e o crime é o principal fenômeno a ser combatido e que os problemas da criminalidade, violência e a manutenção da ordem são de exclusividade da polícia resolver. Na segunda se encontra o policiamento voltado a comunidade, onde as pesquisas e os estudos demonstram haver maior flexibilidade na administração, desburocratização e um trabalho mais descentralizado com a ajuda de civis nas atividades trazendo uma liberação dos policiais para que atuem mais na atividade fim e menos na atividade meio e não como os únicos responsáveis no combate a criminalidade e a violência. Os modelos apresentados nas pesquisas como uma descoberta para a solução do problema já estão há muito tempo interiorizado no perfil de policiais onde eles próprios afirmam que este trabalho já vem sendo trabalhado, principalmente no interior onde o policial traz a proximidade e trabalha junto a comunidade e que a verdadeira resistência dos variados graus hierárquicos da polícia esta relacionada ao perfil da sociedade existente que temos, onde a política é dominada pelos ladrões do colarinho branco, a justiça está podre, a polícia civil é corrupta não tem hierarquia nem disciplina e que a sociedade que aqui se entende por comunidade quer mandar na polícia.
Os Estudos apontam que existe o transporte de mecanismos, regras, preceitos organizacionais e normas do exercito que fazem parte da constituição da polícia militar responsáveis pela distancia encontrada entre o militarismo da polícia e a sociedade. A polícia está mais parecida e próxima do exercito do que para proteger a sociedade, recebe e passa por treinamentos de combate que estão muito próximos dos recebidos no exercito e longe dos acontecimentos urbanos da criminalidade. Muitos oficias acreditam que com as novas técnicas de abordagens, treinamentos e debates sobre direitos humanos haverá a construção de uma forma diferente de fazer policiamento, mas a respeito da separação entre paisano e militar persistem entre os policiais que estão no piso dos batalhões. Outras questões encontradas estão relacionadas aos policiais quando não estão fardados e vivem o medo imaginário da violência, alguns se sentem perseguidos, não andam desarmados, tem poucos amigos inclusive no meio policial (chamados de comportamentos paranoicos), desconfiam de tudo e de todos quando estão no meio civil. “O inimigo pode estar próximo”, existem ainda as manias coletivas de perseguição onde os superiores passam informações sobre episódios ocorridos em outras localidades e nos horários de lazer a conversa é a mesma sempre envolvendo policiais que foram perseguidos ou tiveram casas arrombadas por bandidos.
Outro fator de destaque que invadiu as organizações militares é a nova política de segurança publica que através do IGESP (integração da Gestão em Segurança Publica) integra a polícia ostensiva com a polícia de investigação. Os policiais militares dizem não confiar na polícia civil pois sabem que a qualquer momento tanto a arma como o marginal estará rapidamente nas ruas e ainda já perceberam que as prisões nunca funcionam, e mesmo assim se deve pensar na polícia como parte da comunidade.
Para os policiais a sociedade não tem reconhecido o seu papel e são essas indignações configuradas como episódios dentro e fora dos quarteis que precisam ser inseridas nos projetos que tentam aproximar a polícia do paisano como forma de aproximar desiguais ou atores de mundos distantes. Relatos e observações mostram um grupo de pessoas que está a procura do inimigo (marginal), desigual e não cumpridor das regras da sociedade e a polícia deve dar conta e fazer o controle das ações destes indivíduos que vivem num mundo sem respeito as regras, ao próximo e a Pátria.
A polícia militar do passado sempre foi utilizada para proteger os interesses do Estado como braço armado na luta contra as guerrilhas e outras situações de repressão, o contexto nacional mudou, a polícia está mudando, mas após tantos anos os treinamentos e a formação poucas mudanças sofreram e continua militar. Não existe uma política de segurança publica adequada, enquanto isso as fardas prevalecem como elementos de diferença e a cultura de normas e regras que a muito tempo são aceitas e da resistência de fazer parte da desorganização do mundo civil, estas normas informais cristalizam uma certa razão de ser policial desse modo a transformação chamada pelos administradores de polícia como de um novo conceito de ser e fazer polícia ostensiva implantar novas formas de policiamento está longe da realidade se não houver vontade política nas mudanças em tempos de democracia.
A polícia comunitária da cidade de Belo horizonte é chamada pelos seus policiais de “polícia esmolitária”, pois segundo depoimentos vai se pedindo por onde passa, pede-se tudo desde pneu para viatura até cafezinho e isto deixa os policiais serem chamados de pedintes pela comunidade, para eles é um verdadeiro vexame esta humilhação que passam e assim o desabafo de alguns que acham que policiamento comunitário não é para pedir esmolas a população mas para prestar serviço, e se não bastasse alguns policiais que participam dos conselhos são chamados de “baba ovos”, pois se renderam ao que é obrigação do Estado fazer. Os policiais se lembram sobre o 22° batalhão e dizem que a polícia militar fez sua parte mas o Estado, Prefeitura Ministério Público e Polícia Civil não deram sua parcela de contribuição de forma efetiva para o programa. Os policiais entrevistados são unânimes em reclamar que não foi por acaso a greve de 1997, pois o governador Eduardo Azeredo cortou muitos recurso para a PM e a questão salarial foi deixada de lado, além de falta de equipamentos, viaturas e de um plano de segurança publica fizeram parte deste governo. No caso do policiamento pedinte foi preciso que o Tribunal de contas resolvesse a situação, pois como relatado por vários policiais já era hora pois a população pagava seus impostos e ainda tinha de pagar pela segurança pois o Estado cruzou os braços. A polícia passou a ser particularizada, só estava presente nos locais onde a comunidade tinha condições de manter a viatura rodando, só tinha policiamento quem podia pagar, foi com a intercessão do Tribunal de contas que se deu um basta na situação trazendo a tona que policiamento é para todos.
Durante as eleições de 2002 os CONCEP passaram a servir de trampolim político assim os policiais passaram a desacreditar ainda mais no projeto que mais se parecia com tantos outros que se foram, tanto nas trocas de comando como nos que fazem política no governo estadual, eles vão e a polícia fica e sofre com os desmandos e as mudanças políticas cometidas pelas autoridades eleitas. A polícia não muda drasticamente de forma rápida é preciso tempo para que todos inclusive as praças possam absorver as ideias e a longo prazo sejam aceitas ao menos pela maioria.
Portanto o assunto em relação a polícia comunitária deixa muitas duvidas a respeito de quem é quem, como deve ser, como deve ser feito e quem deve fazer o que, e pelas entrevistas e relatos dos policiais a polícia militar sempre fez a parte que lhe coube, mas de acordo com os estudiosos a sociedade não a vê com bons olhos pelo lado da cultura militar e pelos anos de ditadura no país e os políticos eleitos a usam como braço armado do Estado ou fazem políticas as custas da segurança publica com políticas passageiras, assim é difícil sair desta bifurcação que se encontra a polícia, entre a política a comunidade e o paisano. Segundo os estudos a grande dificuldade em conceituar o policiamento comunitário é pelo fato da complexidade do conceito de comunidade que no mundo policial é percebida como sociedade, população, mundo do paisano e do civil, sendo estas nomenclaturas chamadas de obstáculos pelos administradores de polícia
REFERÊNCIAS
BARROS, Lúcio Alves de. Versão reduzida do quinto capítulo da tese de doutoramento apresentada ao Programa de pós-graduação – Sociologia e Política – da UFMG – Revista Brasileira de Segurança Pública/ Ano 3 Edição 5 Ago/Set 2009.