A fé é somente o que nos resta
“Não se preocupe que não agimos com violência, fique calma que só queremos levar tudo o que você tem de valor na sua casa”.
Mais ou menos com essa frase iniciou o dia da minha amiga, as oito da matina quando saía para uma reunião de trabalho, ela e a filha. Não bastasse ter que trabalhar no final de semana, ao sair da garagem a inusitada surpresa: marginais muito bem vestidos à espera para lhe render com armas na cabeça e tocar o terror, MUITO GENTILMENTE, dentro da sua casa. Como se toda amabilidade numa hora dessas pudesse suplantar o pavor de estar sob a mira de revólveres e ver seu lar devassado por jovens inescrupulosos que querem ter tudo da maneira mais fácil. TVs, computador, notebook, celulares, roupas, joias, objetos de valor, eletrodomésticos, simplesmente jogados no porta-malas do carro (da vítima, diga-se de passagem) e levados na maior tranquilidade. Sem testemunhas, sem alarde, como se tudo estivesse na mais absoluta ordem.
Não sei se podemos dizer que a pseudo amabilidade desses jovens nos intimida menos do que a escancarada violência física, pois há uma linha muito tênue prestes a se romper ao menor sinal de desagrado, ao menor gesto por eles interpretado. O que sei é que a impotência de ficarmos sob a mira de uma arma nos deixa desesperançados e com muita raiva desses governantes que não fazem nada para nos dar segurança. Pagamos impostos altíssimos para a polícia andar nos seus carros com ar condicionado, para os governantes terem suas vidas blindadas por seguranças e, para caminharmos em corda bamba, pois não sabemos se seremos a próxima vítima. A polícia diz: mude a rotina, dê uma volta no quarteirão, não ande com valores, observe ao redor da sua residência, blá, blá,blá,blá... Fácil! Sair do trabalho, enfrentar o caótico trânsito da cidade do Natal, chegar em casa não sei quanto tempo depois e ainda ter que ficar rodando pelas ruas para ver se tem alguém à espreita. E quando o marginal não parece um marginal? A presença de jovens, bem vestidos, aparentemente inofensivos conversando na calçada em frente ou mesmo dentro de um carro não é indicativa de que sejam assaltantes. Poderia ser qualquer um, difícil rotular, difícil reconhecer. Impossível compreender.
Andamos sob o impacto da violência, do medo e da insegurança. Já não nos bata trabalhar, viver, queremos ser feliz, queremos poder andar na rua e ter a nossa integridade física garantida. Queremos respostas, precisamos de respostas. Queremos soluções, precisamos delas.
A fé é somente o que nos resta, rezar para que não aconteça com você e sua família, rezar para se (ou quando?) acontecer seja o menos traumático possível. Dar graças a Deus por levarem apenas bens materiais, afinal ainda lhe resta crediário para comprar tudo outra vez. Enfim, vão-se os anéis e fiquem os dedos. Não sei até quando teremos estes para denunciar tanta crueldade.