O desafio de Francisco
O DESAFIO DE FRANCISCO
O verbo reconstruir aponta para a necessidade de melhorar alguma coisa que sofreu alguma avaria. É sinônimo de restaurar e reformar. Certa vez São Francisco orava quando escutou, vinda do crucifixo, uma voz que lhe disse “Francisco, reconstrói a minha igreja!”. Imediatamente o santo se pôs a reformar a pequena capela da Porciúncula, que permanece de pé até hoje, situada atualmente dentro da basílica de Santa Maria dos Anjos, em Assis. Mais tarde ele descobriu que o que precisava ser reconstruído era a Igreja, que se achava em vias de ruptura por conta da falta de fé, corrupção, culto desmedido ao poder e às riquezas. Reconstruir é agir em favor, é dar sequência à obra da criação. Quando Francisco e seus irmãos foram a Roma pedir o placet do papa Inocêncio III para sua congregação este recordou um sonho que tivera, onde um homem simples (Francisco) ajudava a suster colunas da basílica (a Igreja) que ameaçava cair.
Hoje, as mesmas coisas ameaçam internamente a nossa Igreja; o laxismo, a indiferença, o excesso de hierarquia (poder), a corrupção (apego às riquezas), o corporativismo, a incapacidade de dialogar, os deslizes morais e as vacilações de fé de alguns padres, etc. Tudo isto inflete contra a fé do povo, a perseverança dos fiéis e sua inserção no apostolado.
Há tempos fui a um encontro elesial onde escutei de uma religiosa, inserida em lutas feministas, que era preciso desconstruir a idéia – segundo ela, machista – de um Deus, homem, pai e todo-poderoso. Ora, desconstruir é o oposto de construir, um juízo mais aproximado de destruir do que criar. Ora, quando se escuta afirmações desse jaez, somadas a atitudes e fatos, aqui e acolá, onde certos descaminhos da cúria romana e os luxos das cortes vaticanas revelam que é preciso um outro Francisco para efetuar uma reforma para a reconstrução da Igreja.
Pois, de repente, um novo Pentecostes começa a soprar sobre a nossa Igreja, com a eleição do cardeal argentino Jorge Mário Bergóglio que, sintomaticamente adotou o nome de Francisco, em homenagem ao poverello reformador de Assis.
Ao que parece, o sopro renovador do Espírito, o mesmo que escolheu Bergóglio para o cargo máximo da Igreja, murmurou nos ouvidos do cardeal argentino, o mesmo que disse ao santo: “Francisco, reconstrói a minha Igreja!”
Ao novo papa ficam vários desafios: Há questões morais como o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a eutanásia e o uso de células embrionárias que são inegociáveis. Mas há outros temas, como celibato do clero, aproveitamento de padres casados, novo papel da mulher na Igreja e reforma da liturgia que, por estruturais, comportam um diálogo e uma busca de melhores soluções.
De fato, constata-se que há um desafio muito grande, com muita coisa a reconstruir...
O autor é Escritor, Filósofo e Doutor em Teologia Moral