Sobre Ciúmes e Arrependimento

O que é o ciúmes? É possuir pensamentos incoerentes sobre a pessoa amada e conduzir-se da mesma forma. Se o mais seguro dos homens quiser conhecer o ciúmes, que reflita sobre este empréstimo que tomei de Roland Barthes em meu livro - O Que dizem os Santos: “Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúmes prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”.

O ciúmes é para a razão uma doença que impede-nos de pensar e de agir com justiça. Quando não controlado, se não puder gerir seus sintomas, as suas ações são proibidas. Se não puder ser convincente, será excluído. Se for perigoso, será encarcerado; se furioso, amarrado. Algumas vezes será curado com o perdão da pessoa vitimada, em outros, corrigido através de difíceis exercícios de auto-reflexão.

O ciumento nem sempre está privado de razões, às vezes está de posse da verdade como todos os outros envolvidos e pode até ser gerido por sentidos claros e ideias distintas, entretanto nunca julga corretamente. Vê objetos que não veria em plena razão, escuta vozes e sons em pleno sono, tem sentido e tato de percepções que em outro estado de animo não experimentaria. Esse tipo de sentimento, diríamos, não pode deixar de reunir extravagâncias e estragos. Junto dele sempre vem o arrependimento.

O arrependimento que atinge o culpado geralmente se parece com a culpa, muitas vezes a retratação é plena de corrupção e de mácula; sua ideia de correção, confusa; sua penitência, enfermiça, quase tanto quanto o pecado. Alguns doutos dizem que o ciumento não merece perdão, mas os amantes, por estarem colados a tal vício com uma cola natural, ou por longa convivência, não lhe percebem mais a feiúra.

Há ciúmes impetuosos, momentâneos e súbitos; deixemo-los de lado. Mas há outros que tantas vezes repetidos e por tão longo tempo em um mesmo coração, que acreditamos serem seu arrependimento um artifício difícil de imaginar e confuso de conceber. Fazendo tudo ao contrário dos preceitos estóicos, que nos mandam corrigir as imperfeições e os vícios que reconhecemos em nós, esse tipo de ciúmes, por mostrar tão poucos sinais de purificação e limpeza, não podem ser ciúmes, mas possessão: o que é loucura.

Estou zangado com alguns psicólogos que escreveram um manual de receitas para os ciumentos, um deles diz que cura-se o ciúmes tomando-se excrescências. Eis ai receitas divertidas. Até parecem inventadas por possessivos. Mas que dizem ser o arrependimento filho da culpa, não parece. No nosso caso, ciúmes e possessão não são a mesma coisa e o arrependimento não é fruto da culpa do ciumento, mas um desejo de correção.

Quantas metamorfoses vejo causar o ciúmes em muitos casais, meus conhecidos! É uma doença poderosa e que se insinua de modo natural e imperceptível. É preciso grande atenção e diligência e grande precaução para evitar as imperfeições causadas pelos ciúmes. Para atenuar o avanço do meu, sinto que, não obstante todas as minhas barreiras, venho avançando passo a passo, impondo sobre mim uma auto-correção. Penso que o mérito da cura não seja ir longe, e sim ordenadamente. Resisto tanto quanto posso. Mas não sei por fim aonde esse sentimento me levará. Em todo caso, fico contente que saibam de onde terei caído caso morra solitário.

Bara
Enviado por Bara em 25/03/2013
Reeditado em 25/03/2013
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