“Quebrando o Tabu”: As drogas por outro ângulo
As drogas são um problema que vem se agravando cada vez mais na sociedade. Os governos investem quantidades absurdas de dinheiro em armamentos e vigilância policial, e nada parece adiantar. Os Estados Unidos declarou Guerra Às Drogas em 1971 e até hoje estamos guerreando por uma causa que parece perdida. O fato é que o sonho de um mundo sem drogas é pura utopia. Um mundo sem drogas jamais existiu.
O maior problema que as drogas causam é o narcotráfico. O narcotráfico cria uma enorme rede de crimes, delitos paralelos ao uso e à venda de drogas, entre os quais se incluem roubo, sequestro e homicídio.
Grande parte do dinheiro adquirido pelo narcotráfico é empregada na compra de armas. Essas armas, geralmente, são adquiridas legalmente nos Estados Unidos e em outros países, para depois serem repassadas às gangues criminosas. A partir daí, não se sabe mais quem tem posse da arma e não se tem mais controle sobre como ela será utilizada.
A globalização tem acentuado o problema. Isso porque o mercado está muito mais acessível, graças aos mais eficientes meios de comunicação que temos disponíveis. Com acesso à Internet, você aprende a produzir cocaína em casa, da mesma forma que se aprende a fazer um bolo.
As relações do narcotráfico se ampliaram a nível internacional. É o que acontece, por exemplo, entre Estados Unidos e México. Os Estados Unidos tem dupla responsabilidade no que diz respeito ao narcotráfico, por causa dos problemas do México. Afinal, os Estados Unidos é um dos grandes países consumidores, e ainda tem liberdade de produção para determinados tipos de arma de fogo.
Ernesto Zedillo, ex-presidente do México aponta outro problema das redes criminais causadas pelo narcotráfico: “a criminalização da política e a politização do crime caminham juntos”, diz. Isso significa que existem cada vez mais políticos envolvidos em crimes, e cada vez mais criminosos, de muito dinheiro e poder, que se envolvem com politica, que se tornam políticos.
A primeira tentativa de contenção do mercado de drogas foi a proibição da produção e venda. Criaram-se leis de proibição ao consumo de drogas, como, por exemplo, a lei antialcoólica dos Estados Unidos, em 1920. O resultado foi um grande fracasso. Proibir a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas gerou uma grande revolta, e gerou ainda mais consumidores, que por ingerirem bebidas não fiscalizadas, muitas vezes acabavam envenenados por bebidas ilegais.
A proibição da produção de coca, por sua vez, também não foi bem sucedida. Isso porque ela acaba esbarrando no uso de caráter pessoal e privado, como os rituais sagrados de cartas tribos indígenas, em que se mastiga a folha da coca. A Colômbia usa aviões fumigadores para o extermínio das plantações de coca. Entretanto, acaba-se atingindo plantações de alimentos e agredindo o solo, fazendo do extermínio uma experiência bastante traumática para a população. Além disso, no início desse processo apenas 8 estados apresentavam plantações de coca, sendo que, hoje, esse número mais que triplicou. Agora as plantações de coca são menores e estão mais escondidas, são difíceis de achar entra plantações de alimentos.
As ações militares também têm falhado. No Brasil, o consumo de drogas é descriminalizado, mas o tráfico é ilegal. Porém, muitos usuários acabam presos também. O problema é que o tráfico existe, e com grande intensidade, na cadeia. Não existe cadeia no mundo onde não exista droga. Os próprios presidiários costumam dizer que, se entra um viciado na cadeia, lá dentro ele “se especializa”. E mesmo os que estão lá por outros motivos acabam se viciando. O contato com as drogas é muito maior dentro do que fora das cadeias.
Além do que, apreensão em cadeias causa revolta e destrói famílias, criando futuros marginais, que odeiam a polícia e as leis que destruíram se lar.
Outro ponto importante é que ex-presidiários dificilmente conseguem emprego. Por isso, acabam recorrendo ao tráfico ou à prostituição, que são as formas mais fáceis de ganhar dinheiro. Mas isso só acontece com presidiários da classe baixa. As penas aplicadas aos ricos são muito mais brandas e remediáveis. A própria lei tem suas discriminações.
Por isso, em busca de uma solução para o problema das drogas, o mundo começa a fazer uma análise por outro ângulo. A descriminalização passa a ser analisada como uma possível solução.
É importante observar que “descriminalizar” não significa “legalizar”. “Legalizar” significa “aprovar”, enquanto “descriminalizar” significa “revogar a punição para determinado ato”. Portanto, não se trata de aprovar o uso de drogas, e sim de evitaria punições que, como vemos, não causam efeito algum, além de efeitos negativos.
Pode parecer uma ideia absurda, mas temos exemplos de países que foram bem sucedidos nessa prática de combate pacífico às drogas.
A Holanda é um desses exemplos. Os Cofee Shops são lojas legalizadas que vendem drogas, respeitando a determinadas proibições, como a de fazer propagandas, de vender drogas “pesadas”, de efetuar vendas a menores de 18 anos e de vender mais do 5g de maconha por dia. E, por mais incrível que possa parecer, não houve um aumento tão significativo de usuários de maconha, mas houve uma diminuição do tráfico, já agora ela pode ser adquirida legalmente.
Em Amsterdã, existem as chamadas Salas de Consumo, que são locais propícios para a aplicação de drogas. Elas são frequentadas por dependentes de heroína, que, se ficarem sem a droga acabam doentes por abstinência. Eles não são tratados como criminosos, e sim como doentes. São assistidos por um médico durante todo o processo, para evitar overdoses e a transmissão de doenças como o HIV, reduzindo, assim, os danos causados pelo consumo da droga.
A ideia é aproximar os dependentes do governo e dos médicos, para que esses não tenham mais medo de pedir ajuda. Assim, eles evitam o contato com o traficante, que só quer explorá-lo para ganhar dinheiro, para buscarem o apoio de um médico que quer curá-lo. Muitos dos usuários acabam conseguindo se libertar devido a esse sistema.
Mas vale a pena lembrar que fornecer heroína a um dependente não é o mesmo que fornecer bebida a um alcoólatra. Depois de certo tempo de uso, a heroína já não faz mais tanto efeito, e o dependente acaba por usá-la apenas para não se sentir mal.
O número de mortes por overdose e HIV nos países que usam esse sistema reduziu muito, e o tráfico também diminuiu.
A Suíça, inicialmente, ao tentar uma solução diferente, acabou falhando. O governo tentou restringir o uso e o tráfico de drogas a locais determinados – praças em que a polícia fazia “vista grossa”. Isso só aumentou o uso de drogas ilícitas e a transmissão de doenças. Uma segunda atitude teve um melhor resultado: afastar os usuários dos traficantes e aproximá-los dos médicos.
Alguns governos até fornecem as drogas aos usuários, em quantidades recomendadas por médicos. Isso porque um traficante nunca vende um único tipo de droga, e ele sempre vai induzir seus clientes a comprarem outros tipos de drogas, que causam maior dependência.
A China, por sua vez, utiliza um sistema de tratamento por substituição de substâncias, para que os usuários possam se libertar das drogas ilícitas.
Também é necessário um investimento em informação e conscientização da sociedade.
Houve uma época em que o tabaco ganhou o significado de status e glamour. Todos os heróis e heroínas de filmes fumavam. Isso gerou um significativo aumento no consumo de tabaco. Por isso desenvolveu-se um trabalho de proibição do uso dessa imagem “glamorosa” do tabaco e a conscientização da população quanto aos danos causados pela droga, o que diminuiu o seu consumo em diversos países, inclusive no Brasil.
Porém, nossos exageros e apelações mentirosos quanto aos danos causados pelas drogas nos tem feito cair em descrédito perante a população, perante os jovens, principalmente.
Os jovens questionam as propagandas antidrogas de visão moralista, pois quem cria essas campanhas nunca usou droga, não sabe como é. Ou seja, se os pais, que nunca experimentaram drogas, dizem aos filhos que droga mata, e a criança acaba conhecendo alguém que usa e não morreu, ela não vai acreditar nos pais, mas no amigo usuário, que logo vai estar lhe oferecendo a droga.
A persuasão deve ter outro foco. O maior problema não é a droga em si, mas a dependência dela. A dependência da droga tira aquilo que temos de mais precioso, o que nos diferencia dos animais: a racionalidade, a capacidade de decisão. Essa é a pior morte que a droga pode causar: a morte da racionalidade. É a partir daí que o dependente começa a se envolver com outros delitos. Porque a única coisa que importa para ele, agora, é a droga.
Atacar a oferta não tem dado resultado. Portanto, devemos focar em diminuir a demanda. A circulação de informações e de aconselhamentos pode ser considerada um ataque à demanda. E mesmo a descriminalização também pode ser considerada um ato contra a demanda. Isso porque os jovens se recusam a se adaptar à sociedade, fazendo o que é proibido. Se não fosse proibido não lhes interessaria tanto.
Entretanto, talvez o método de descriminalização não possa ser aplicado a todas as drogas. Drogas com alta capacidade de causar dependência, como a heroína, precisariam de cuidados maiores. E mesmo a descriminalização das drogas mais “leves”, como a maconha, deve ser acompanhada da inserção de um eficiente sistema de apoio e tratamento médico, coisa que no Brasil nós estamos longe de alcançar.
Não é algo que se possa fazer de um dia para o outro. Exige um preparo muito bem planejado antes de se colocar em prática.
Pelo menos já estamos começando a entender que a solução não está nos extremos – liberdade total ou proibição total. A ampliação da nossa visão dos meios-termos como opção já é um grande avanço para a sociedade. Ainda temos a esperança de um mundo melhor.
Baseado no documentário "Quebrando o Tabu", de 2006