Sobre velhos e jovens

Somos todos melhores do que pensamos; porém nos educam para a superação de si e de outros e essa busca habitua-nos ao apego às coisas materiais, ao medo de perdê-las e ao determinismo. Em coisa alguma as mulheres e principalmente os homens sabem deter-se no limite de suas condições, idade e necessidades. Acho que em matéria de envelhecimento ocorre o mesmo: E neste assunto o Papa Bento XVI tem razão em censurar em si um apetite de poder muito fogoso nos velhos. Examinando-se com olhos atentos, observou em sua vasta idade, as coisas próprias de um velho, que tem muito de vanidade e fraqueza. Num gesto de grandeza, renunciou ao seu papado e fez um bem que, como os outros bens, tem muito de polêmico, e de alto custo.

Ao contrário da velhice a juventude não se prostitui por baixo preço. As ações raras e exemplares nem sempre as temos de velhos, mas as ações corajosas e inovadoras; só as temos de jovens. É próprio de um velho a companhia de uma multidão de manias e inumeráveis ações rotineiras. O cotidiano que exalta os velhos; mata os jovens. É certo que a juventude não acompanha toda boa ação. Temos muitos exemplos de excessos juvenis que combinam com a volúpia. Já na velhice, pelo menos por prudência, essa sede, baixa e suplicante, que faz alguns jovens se perderem a toda espécie de vícios, parece mais amena, mas, não porém, extinta.

Os jovens tendem a contrariar as regras e isso lhes desperta vigor e evita que seu espírito mofe e afrouxe. Já os velhos, no entanto, determinam-se fixando mais em certas formas de viver e no costume, imprimindo-se certas marcas que já não mais conseguem desistir delas sem sofrimento. É difícil para um velho dormir sem fechar as janelas, não rotar depois das refeições, almoçar sem lavar as mãos, fazer filhos de pé, dormir suado, beber água gelada ou vinho no bico; sentar-se de pernas abertas, mudar o corte de cabelo todo mês, tomar banho depois de jantar, assinar um desquite, correr em volta de um jardim. É difícil fazer tudo isso a certa idade e não há problemas em não fazê-lo, mas, punir os mais jovens pela avareza, pela vaidade e pela inveja já é um vício deplorável.

Passei boa parte de minha vida em perfeita e total saúde, isso me fez esquecer que estou envelhecendo, quero dizer não apenas totalmente, mas, lenta e parcialmente. Esse estado, numa vida plena e agitada como a minha, agora a pouco, causou-me uma reflexão:

Durante meus tempos de Universidade Católica, por quatro anos fui convocado para a seleção principal de futebol daquela agremiação. Por ser um jogador rápido com chute forte, em minha posição, sempre fui titular respeitado. Tendo agora entrado na Polícia, já aos trinta e cinco anos, contagem esta que os atletas sentem o peso da idade, tive a surpresa de ser convocado para a seleção de futebol da Academia de Policia, mas dessa vez deram-me um numero de reservas e junto com a minha lisonja veio a frustração. Por vaidade, temendo perder minha posição para um jogador mais jovem: recusei o convite.

No dia seguinte, tendo ido jogar no time do meu departamento, julgando estar em total segurança, não usei equipagem adequada, e escolhi para mim um calçado pouco firme. No início do jogo, tendo se apresentado uma ocasião súbita, um de meus adversários, grande e forte, descansado e vigoroso, para fazer-se de ousado e ultrapassar-me, jogou a bola em minha frente como quem apostasse corrida, sem impelir-me as rédeas, pus-me a correr quando meus joelhos vacilaram e como um colosso, desabei no chão duro, fulminado com meu peso sobre o rosto, arremessado por mim mesmo ao chão, desmaiado, estendido de gatão, o rosto todo amassado, sem movimento nem percepção; não mais vi o que aconteceu.

Essa recordação, trago-a agora, fortemente, escrevendo com uma das mãos enquanto a outra segura uma compressa de gelo sobre o rosto inchado. Quanto às reflexões que tiro, elas nasceram na mesma progressão que medito sobre juventude e velhice. Creio que é nesse mesmo estado que se encontram os que vemos desfalecendo de fraqueza na agonia do tempo, e afirmo que os lamentos não são sem motivo, julgamos que sejam agitados os afazeres e deveres de um jovem, contra a opinião de muitos, que, dizem ser uma morte deixar de fazer coisas próprias dos jovens. Não imagino para mim nenhum estado tão insuportável e horrível como o de ter a alma apegada e aflita, sem meio de se desapegar das coisas que estão aquém de minha idade natural.

Quando seminarista, aprendi a levar na mão uma bengala de meu pai. Procurando elegância e postura refinada: encontrei-me assim em alguns lugares. Muitos me advertiram de que um dia a idade transformaria esse capricho em necessidade. Tranquilo não dei ouvidos. Agora, eis aqui a lembrança dessa bengala, que me fez sair de meu assunto; mas a troca foi proveitosa.

Bara
Enviado por Bara em 03/03/2013
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