Tragédia de Santa Maria/RS: Sou Réu confesso
O Brasil está comovido e de luto com a tragédia na Boate Kiss em Santa Maria/RS. Não poderia ser diferente, uma vez que, naquele incêndio, pelo menos, 235 pessoas já morreram e outras tantas ficaram feridas.
Nos noticiários, não se fala em outra coisa. A repercussão internacional levou até a cidade um aparato institucional poucas vezes vista na história do país; Presidente da República, Ministros de Estado, Governador, Secretários, Prefeitos, o Comando do Corpo de Bombeiro, Ministério Público, enfim, não será por falta de “autoridade” que as circunstâncias do ocorrido deixarão de ser esclarecidas.
A imprensa vem, minuto a minuto, divulgando informações sobre as causas do acidente e, por via de consequência, seus respectivos culpados.
Os “bodes expiatórios” desta vez serão os donos da Casa de Show que não renovaram, em tempo hábil, o habite-se/alvará para funcionamento do estabelecimento, ou ainda, quem sabe, o músico que acionou o artefato pirotécnico.
Digo expiatórios porque, se analisarmos friamente o episódio, podemos chegar à conclusão que, não só os donos daquele empreendimento tiveram sua parcela de culpa (a maior parte), mas também as autoridades que ali se encontravam reunidas, e ainda toda a sociedade brasileira, na qual me incluo.
Admito que me encontro em uma luta interna na qual duas partes de mim se digladiam entre assumir parte da responsabilidade pela tragédia e outra - apenas comovida e cautelosa – em assistir aos noticiários à espera, quem sabe, da condenação de algum responsável – é um duelo de titãs; e é dessa batalha interior entre o inconformismo e o comodismo que advém algumas indagações/afirmações, que iremos presenciar ao longo deste texto.
Todavia, como posso ser também responsável por uma tragédia que ocorreu há quase 4.200 km de distância de minha residência, em um Estado que não conheço em uma cidade que nunca ouvi nem mesmo falar, e também uma boate que nunca freqüentei na minha vida?
Simples, é pelo fato de nós sermos brasileiros, e vivermos no país da omissão, do jeitinho, da mamata, dos tolos e também dos mais espertos e, nunca cobrarmos a efetiva aplicação e fiscalização das leis( que, diga-se de passagem, são muitas) que temos uma parcela de responsabilidade naquela tragédia. Talvez o Brasil seja o único país no mundo que tem instituído em seu ordenamento jurídico a figura da lei que “não pega”, ou seja, a lei que ninguém cumpre.
Na verdade, estamos acostumados a reivindicarmos e lutarmos com muita garra, somente pelo carnaval, pela mulata ou pela musa (do carnaval, da CPI, da copa), pela cerveja do fim de semana, pelo ponto facultativo quando próximo a um feriado, pelo futebol, pela copa do mundo, pela vaquejada, pelos bois bumbás, pela festa junina, pela Oktoberfest, uma vez que lutar por estes “ideais” é muito prazeroso e nos dá a (falsa) sensação de felicidade.
Entretanto, é muito chato cobrar o cumprimento das leis, a melhoria na educação, na saúde, a diminuição da carga tributária, a reforma política (o que é isso mesmo?), a reforma previdenciária, a implementação de políticas públicas voltadas à juventude, como também medidas enérgicas que impeçam a entrada de entorpecentes por nossas fronteiras.
Há, mais isso já tem muita gente fazendo!
Quem são?
Ninguém! Ou para não cometer injustiças, digamos que, são poucos.
Mas, deveria ser eu, você, nós, toda a nação unida, haja vista que nossos representantes só sabem conjugar um único verbo: “omitir” (tanto no sentido da inércia, quanto no sentido de ocultar seus verdadeiros anseios e “ideais franciscanos”)
E olha que a culpa não é só deles, nós também só aprendemos a conjugá-lo. A palavra omissão soa como música em nossos ouvidos.
Para quem não se lembra o Brasil, há quase 39 (trinta e nove) anos, foi palco de um drama parecido e que levou a morte de, pelo menos, 187 pessoas. A tragédia ocorreu no edifício conhecido como Joelma, atualmente denominado edifício Praça da Bandeira em São Paulo.
Tanto lá quanto cá, pode-se constatar uma sucessão de erros, de omissões, de despreparos, e que como não poderia ser diferente, resultaram na morte de centenas de pessoas.
Naquela oportunidade, a ausência de uma escada de incêndio impediu o salvamento de muita gente; hoje a ausência de uma saída de emergência foi o fator predominante para o elevado número de mortos.
“Está tudo como dantes no quartel d´Abrantes” .
Talvez, se tivéssemos aprendido a lição, ou seja, cobrar a aplicação das leis e o Estado fizesse a sua parte em fiscalizar, certamente projetos como o da casa de espetáculos não chegassem sequer a serem aprovados pela vistoria dos órgãos (in) competentes.
Em Santa Maria o jogo de ping-pong já começou, a Prefeitura atribui a omissão aos Bombeiros e estes, por sua vez, a Prefeitura. É sempre assim.
No país, todos os anos somos expectadores de dramas parecidos como as enchentes do Sul/Sudeste e a Seca do Nordeste, sem que ao menos as autoridades tomem às medidas necessárias a solução da problemática.
Aqui no Rio Grande do Norte, tragédias anunciadas destacam-se aos montes, um exemplo é a Ponte de Igapó (Ponte Presidente Costa e Silva), que há anos encontra-se sem a devida manutenção e como de costume, as tradicionais autoridades, só tomarão providencias quando algo de muito grave ocorrer.
É impressionante, mas o brasileiro não consegue aprender com seus próprios erros, não conseguimos nem realizar tarefas simples como escolher bem nossos governantes, quiçá cobrar o cumprimento fiel dos dispositivos normativos.
Ademais, nossa mente funciona desta maneira: “não posso cobrar demais desta ou daquela autoridade, pois amanhã, ou posso estar em seu lugar ou quem sabe, estar precisando dela”.
O pior é que nunca passa por nossas mentes a idéia de que temos que cobrar resultados, punições, justiça, perseguir o verdadeiro Estado Democrático de Direito, até porque, nós ou algum de nossos entes queridos, poderão ter o mesmo destino daqueles jovens – a morte- vitima da omissão de muitos.
Por outro lado penso: Mas que nada!
Tudo isso é balela, e não podemos esquecer: Deus é brasileiro!
E quer saber, são muitos os nossos problemas, temos mais é que esquecer tudo isto, assim como fizemos com tantas outras, até por que o carnaval está bem próximo, e curtir será o melhor remédio para apagar toda esta história. Temos que votarmos no vilão do Big Brother, da Fazenda, e ainda torcer para que os mocinhos das novelas das seis, das sete e das nove, ganhem dos bandidos, afinal o bem sempre vence o mal.
Pensar nestas coisas nos deixa fadigado e, com essas prioridades, não sobra tempo para lances do tipo, secundários.
E é, por tais razões que, no Brasil, nada funciona, nada se modifica nada melhora, e tragédias como estas servem, tão somente, para encherem ainda mais os bolsos de alguns, que dela tiram proveito; gerarem dividendos políticos para outros e, quem sabe, transformar um cidadão e/ou autoridade - que resgatou três ou quatro pessoas e que tem a obrigação de ajudar o próximo - em herói.
É triste, mas é nossa realidade!
Por fim, posso dizer que venceu o conformismo e assim como destaquei no início, por minha grande omissão confesso: Sou réu e, como tal, sou também responsável pela morte de 235 jovens em Santa Maria/RS.
Que Deus possa perdoar minha falha.
Natal 30 de janeiro de 2013
Werbert Benigno de Oliveira Moura
Cidadão acomodado