Santa Maria: um convite à reflexão
Eu não perdi ninguém em Santa Maria. Não tinha parentes, nem amigos, nem conhecidos, nem amigo do amigo. Mas, mesmo assim não tem como ficar de braços cruzados diante de uma tragédia como essa. Esse país parece que não aprende nunca. Em 2001 já tinha acontecido um acidente parecido, em Minas Gerais. Foi usado material pirotécnico em lugar fechado. E o que foi feito? Nada. Lá, foram “apenas” 7 mortes. E de quem? E em Santa Maria? Quem morreu? Mais de 230 jovens, estudantes de universidade federal. Ou seja, pessoas mantidas pelo governo. Que custavam para os cofres públicos federais, nas universidades federais. Será por isso que agora resolveram fazer alguma coisa? Se essa tragédia fosse no interior do sertão, com 230 pessoas comuns, que não estudavam, teria a mesma repercussão, en? Sim, teríamos a mesma dor, a mesma comoção, afinal somos brasileiros, e graças a Deus, solidários. Mas, e o governo federal? Estaria tão preocupado, tão presente? É revoltante, mas é de se pensar.
Existem teorias de segurança, aplicada geralmente nas empresas, que diz basicamente o seguinte: antes de acontecer um acidente, já aconteceram muitos desvios e vários quase acidentes. Então, para prevenir um acidente grave, você precisa corrigir os desvios, tratar os quase acidentes. Quantos menos desvios, menos quase acidente, e consequentemente, menos acidentes. Tenho acompanhado hora a hora as notícias da tragédia e encontrei depoimentos de pessoas dizendo que era comum na boate ser usado material pirotécnico nos aniversários, por exemplo. Então, com certeza, tivemos naquele local, vários desvios e alguns quase acidentes. Alguém que quase deixou cair um material pirotécnico, alguém que quase encostou aquilo numa toalha, numa roupa, numa parede. Vários quase. Até chegar à desgraça.
E quem tem culpa? Os donos que colocaram espuma tóxica no teto sem autorização e permitiram a super lotação da casa? O corpo de bombeiro e a Defesa Civil que não fiscalizaram? A Prefeitura que deu alvará? Os seguranças que fecharam a porta no início do incêndio? A banda que estupidamente usou material pirotécnico para ambientes abertos em um ambiente fechado? Todos tem a sua parcela. Todos cometeram desvios. Todos vão se defender. O julgamento vai demorar anos. E anos. E como a gente tem uma legislação ultrapassada e um sistema lento, ficamos com essa coisa de impunidade. Temos a sensação de que ninguém aqui é punido. Todos aqueles jovens e suas famílias foram vítimas de descaso, da imprudência, da irresponsabilidade, da falta de consciência e de “vergonha na cara” desse país.
Então, depois de ler todas essas notícias, fiz uma reflexão: O que eu posso fazer pra mudar isso? Já passei por algo parecido? Quantos desvios eu já vi? Por exemplo: quantas vezes eu fui em algum lugar e tive a sensação de que estava super lotado? E o que fiz? Eu já estive numa boate super lotada em São Paulo, em 2005. Eu não conseguia me mexer. Demorava quase 30 minutos pra conseguir chegar ao banheiro. E o que eu fiz? Fui embora, porque fiquei com medo. E hoje, analisando essa tragédia, eu penso que eu apenas me protegi. Eu tinha que ter saído, sim, mas eu tinha que ter denunciado. Eu tinha que ter ligado pra polícia, pra defesa civil, pro bombeiro, pra imprensa, pro papa!!! Porque se tivesse acontecido um incêndio ali, ia morrer todo mundo. E eu percebi o perigo e não fiz nada por aquelas pessoas, a não ser salvar a mim mesma.
Se a gente quer mudar, vamos começar fazendo o que está ao nosso alcance. Se os donos dos estabelecimentos não tem escrúpulos e só visam lucro, se o nosso governo não funciona como deveria, se há falta de educação e conscientização, se não há fiscalização, se há propina rolando, o que nos cabe é denunciar uma, duas, três, mil vezes. Filmar, chamar a polícia, a imprensa, publicar nas redes sociais, documentar. Até que um dia, de tanto TODOS “encherem o saco”, talvez as coisas comecem a funcionar. Mas, tem que ser TODO MUNDO. Vai dar trabalho, mas é a única coisa que podemos fazer. Não podemos mudar o governo todo. Não podemos colocar educação em quem não tem. Não podemos autuar ninguém. Mas, podemos e devemos ser os olhos do povo, fiscalizando e denunciando. E esteja você no sul, no sudeste, no norte, no nordeste ou no centro-oeste, seja a sua cidade grande, importante, pequena, esquecida, seja você estudante de uma federal, de uma particular ou analfabeto: DENUNCIE, PUBLIQUE. Alguém vai ouvir. Uma hora vai cair no ouvido de alguém consciente. Vamos dar trabalho, fazer essas pessoas que ganham muito e não fazem nada, trabalhar de verdade. Se ninguém cuida de nós, cuidemos nós mesmos.
Infelizmente, assim como muitos, eu só fiz essa reflexão depois dessa tragédia. Se tivéssemos feito antes, nos conscientizado antes... Não adianta agora ficar dizendo “Que esses jovens estejam em paz...” Eles tinham o direito de VIVER em paz. Todos temos. Quero que daqui 16 anos, quando a minha filha estiver frequentando esses lugares, ela aproveite em PAZ. Então, fica o apelo para que façamos aquilo que pudermos.
Eu não perdi ninguém em Santa Maria. Mas, junto com a morte de cada jovem dessa tragédia, morreu em mim, um pouco de esperança nesse país. Mas, junto com cada vela que se acende para eles, acende em mim também a vontade de mudar e de exigir, de denunciar, de botar a boca no trombone e de JAMAIS deixar passar em branco qualquer coisa errada que aparecer na minha frente. Que essa vontade se acenda em cada brasileiro.