BALAS PERDIDAS NUMA SOCIEDADE PERDIDA:

Já faz muito tempo que a VIOLÊNCIA SOCIAL nos assola a ponto de hoje em dia já ser encarada como um sério problema de saúde pública.

Paralelamente ao cenário de violência urbana em crescente, a própria situação cada vez mais decrescente da estruturação e principalmente da gestão da saúde pública brasileira, também nos reverte em violência no que tange à precariedade dos atendimentos, cada vez mais não otimizados, o que em última análise se configura em sérios transtornos ao atendimento dos "casos" de saúde pública, que culminam inclusive como "casos" de polícia.

Complicado pela redundância do círculo vicioso? Eu vou tentar explicar.

Recentemente, mais precisamente na noite da véspera do Natal de 2012, uma criança de dez anos, dentre tantas a engrossar a estatística de mais uma das vítimas das bala perdidas no Rio de Janeiro, foi ao óbito por aguardar oito horas por uma neurocirurgia que não aconteceu em virtude da ausência do Neurocirurgião responsável pelo plantão daquela noite.

Submetida à cirurgia posteriormente, acabou evoluindo para morte cerebral. De fato, um caso triste e muito lamentável.

Consta a notícia recente de que o médico faltoso foi indiciado por omissão de socorro.

Ocorre, a meu ver, que a situação foge em demasia da resolução tão simplista como querem fazer parecer, ou seja, focar apenas a ausência do profissional sem atentar para o fato de que parece ser do interesse dos gestores, inclusive dos gestores públicos, se esquivarem da responsabilidade solidária civil ao caso em questão, ao se verem na impossibilidade de responderem adequadamente às tantas contingências sérias que ultimamente ocorrem na saúde pública brasileira e que espocam a toda hora na mídia. Diante da demanda explosiva, da fragilidade social crescente e do sucateamento do serviço público, nenhum profissional consegue trabalhar sozinho por mais boa vontade e compromisso que tenha.

Caso da garota a parte, pois esse em especial foi o que caiu na mídia, ninguém informa a população de que, no serviço público, há alguns especialistas cujas especialidades hoje são procuradas com "lupas de aumento", e a neurocirurgia é uma delas , mesmo em equipados centros de atendimentos de referência do serviço público, os considerados "de ponta" pelo pais inteiro. Casos como o da garota Adriely, decerto que ocorrem todos os dias...por ali e por aqui...como ocorrem todos os dias as balas perdidas pelas grandes cidades, que também são de responsabilidade do SOCORRO do poder público.

Se aquele médico, seja por quais motivos forem, não estava no seu plantão, por que não lhe havia um substituto? Existe equipe de um só?

E nas férias e nas doenças dos profissionais dos plantões, nas "dores de barriga" de quem também é "gente", quem responde pelo absenteísmo do profissional? A resposta é: ninguém, absolutamente ninguém responde porque não há recursos humanos suficientes na área da saúde simplesmente porque não há gestão eficiente.

Quiçá falta de compromisso mesmo, também por parte do Estado.

O déficit de pessoal é tão dramático que em casos de grandes catástrofes sociais, há que se priorizar não apenas os atendimentos de pessoas em estados críticos , como inclusive priorizar os leitos das escassas UTIs, deficitárias nas grandes cidades como São Paulo, inclusive. Não é raro que os pronto-socorros brasileiros pareçam cenários de guerra...mas faltam soldados e comandantes para as grandes batalhas pelas tantas vidas...perdidas.

As gestões públicas que existem, na sua grande maioria são feitas por leigos em saúde, gestores que caem de páraquedas com indicações meramente políticas. Só falta se brincar médico em algumas situações de gestão. Mas isso ninguém conta, nem a imprensa que por tudo busca, todavia, nem a tudo vê.

Assim, fica tecnicamente impossível atender a população com seriedade e qualidade.

Mas o foco principal é o médico, um funcionário peão das portas de urgência que a tudo tenta resolver como qualquer outro príncipe de gabinete que ultimamente pouco, para não dizer nada, resolve.

A situação, acreditem, é muito triste. E as pessoas estão pagando com a vida!

Hoje portanto, brasileiros também configuramos mais uma das nossas tragédias, a do caos na gestão (em todos os níveis) da nossa saúde pública brasileira, resultado cumulativo de muitos anos de descaso nas políticas de saúde pública, com escassez de concursos públicos, déficits salariais assustadores, desvalorização profissional e mão de obra desqualificada, em todas as áreas da saúde, principalmente no setor de emergência que , a priori, nunca poderia esperar, tampouco parar.

E as balas perdidas estão por aí. Quantas se perderam enquanto escrevi meu artigo? Não sei lhes dizer.

Só sei que enquanto sociedade estamos sem rumo, tão perdidos quanto elas, às inúmeras balas perdidas que nos atingem a todos, todos os dias, a quem o Estado faz questão de nos omitir o devido e JUSTO SOCORRO.

Existe a figura jurídica de omissão de socorro do Estado? Aquele socorro pelo qual todos nós pagamos bem caro?

Se existe, qual seria a penalidade?

Fica aqui a minha leiga pergunta para os doutos em Direito.

Termino com a minha total indignação e solidariedade ao tudo, em especial à garotinha Adrielly vítima e atora da tragédia tão triste, em mais uma cena da nossa total e tão dramática perdição social.