A Liberdade
O que será efetivamente a liberdade? Fazermos exata e indefinidamente tudo o que quisermos? A reposta tenderá a ser negativa. Não haverá tal momento de liberdade. Ela nunca poderá ser inteira. Ou irrestrita. Até porque não pode ou não se compreende que interfira com a liberdade dos outros. Todos teremos então limites a serem respeitados. Ou teríamos uma bagunça generalizada. Mais comumente identificada como anarquia.
Isso é perfeitamente compreensível no plano da ação, da operacionalidade das ações. Quando de fato podemos interferir diretamente com o próximo. Às vezes de forma irreversível, quando ocorre a eliminação física. Na medida em que o que fizermos poderá prejudicar ou atentar contra direitos que também reivindicaríamos como nossos. No caso da reciprocidade.
E no plano da expressão, da verbalização do que pensamos? Até que ponto poderíamos atuar contra alguém com atitudes que seriam irreversíveis? A partir da exteriorização do nosso pensamento? Ou atentarmos contra direitos que também reivindicaríamos como nossos?
No plano da ação, muitas vezes torna-se difícil a possibilidade de defesa. A não ser com uma reação contrária, com a mesma intensidade ou maior. No plano da expressão, existe a Justiça dos homens – muitas vezes, como já vimos, uma das instituições mais injustas criadas pelos seres humanos –, com seus tribunais e instâncias, que, apesar de cega, pode nos oferecer condições de nos defendermos. Com chances de nos acharmos diante de uma peleja civilizada, dentro do conjunto de procedimentos que chamamos de democracia.
Uma luta, portanto, no plano das ideias não implicaria necessariamente no desrespeito às integridades físicas de seus integrantes. Só que não é bem assim. Se falo mal de você e você de mim, podemos deixar que a justiça decida quem tem razão. Ou podemos ter a liberdade de achar que uma luta corporal decidiria a questão. Daí à eliminação física de um ou de outro é um pulo. Como do pensamento à ação também é.
Torna-se desse modo plausível considerarmos que, assim como a liberdade de ação é restrita, o mesmo acontece com a de expressão. Podendo ficar, por conseguinte, limitada/monitorada por nós mesmos a de pensamento. Como posso verbalizar aquilo que com toda certeza acarretará danos materiais, morais e até físicos contra mim? É melhor então nem pensar. Quanto mais, falar.
Há poucos dias ouço no rádio comentários a respeito da relação patrão/empregado. Com base em determinada pesquisa, dizia o radialista que empregados que reclamam e falam mal da empresa, além de não serem bem sucedidos quanto a postos de comando na organização, acabam sendo demitidos. A sua liberdade de expressão fica então restrita à necessidade que você tem de manter seu emprego.
O mesmo acontece com artistas, escritores, donos de agências de publicidade, empresários, etc. Sobretudo com aqueles que ainda não são consagrados ou conhecidos nacional ou internacionalmente. O que pode acontecer com um profissional de imprensa que, trabalhando na Rede Record, ousar fazer críticas contundentes contra a Igreja do Reino de Deus ou outras seitas evangélicas? Ainda que eventualmente tenha alguma razão? Qual é a opinião do Vaticano sobre o premiado escritor José Saramago, sobretudo depois de ele ter publicado o seu O Evangelho Segundo Jesus Cristo? Exemplo não muito oportuno, porque Saramago, que não foi receber o Prêmio Nobel de Literatura, já era um escritor consagrado mundialmente à época do citado livro. Mas qual o progresso que terá uma atriz iniciante que, sendo defensora da causa palestina, pretender encenar um filme cuja produção seja israelense? Que chances terá ela de se deparar com o seu nome em manchetes da mídia internacional?
Não é por isso que devemos deixar de lado a defesa da liberdade de pensamento e expressão. E até mesmo a liberdade de agirmos de acordo com a nossa consciência, sempre tendo em conta que os direitos do próximo estão sendo preservados.
E isso sempre irá acontecer, ou não teríamos os inúmeros heróis de que já tivemos notícia, a começar pelo próprio Jesus Cristo, que ousou questionar a ordem estabelecida e acabou crucificado; Joana D’Arc, assassinada pela Inquisição da Igreja Católica por ter cometido a “heresia” de afirmar que tinha conversado com deus; São Francisco de Assis, considerado maluco por ter jogado todos os bens da família pela janela e ter ido morar com os pobres e leprosos; Gandhi, uma das principais figuras no processo de independência da Índia, marcado pelas injustiças cometidas pelo implacável colonizador britânico, assassinado em 1948 pela sua luta a favor da pacificação entre mulçumanos e hindus; Chico Mendes, defensor da floresta e dos direitos dos seringueiros, acusado de subversão e por isso torturado secretamente pela ditadura militar, sendo finalmente assassinado em 22 de dezembro de 1988, em Xapuri, no Acre, logicamente por toda a sua história de lutas a favor das causas ambientalistas; e muitos outros.
Só que, e é preciso que fique bem claro, que essas pessoas (e muitas outras que virão) não devem ter perdido muito tempo diante da eventual opção entre acabarem como “um covarde vivo ou um herói morto”.
Maricá, 06/01/2013