Dia Internacional da eliminação da violência contra a mulher

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (1º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas).

O mito da “família idealizada” leva-nos a pensá-la como o lugar dos afetos e da expressividade, ou seja, a imagem romântica da família como refúgio. Esta idealização associada à dimensão conflitual, traduzida muitas vezes em violência, sobretudo sobre as crianças, as mulheres, os idosos, mas também sobre os homens. Outros mitos, nomeadamente o de que a violência doméstica constitui um comportamento relativamente raro; que ocorre apenas em famílias ditas anormais ou de classe socioeconómica mais baixa; que é praticada por indivíduos com perturbações psíquicas ou com problemas aditivos e sobretudo de que este é um problema eminentemente privado, devendo ser vivido no seio familiar. Todos estes mitos são responsáveis pela negligência da sociedade acerca da gravidade da violência doméstica, pois muitos consideram-na uma componente necessária ao relacionamento conjugal e a certas interações familiares.

De facto, a violência doméstica constitui um fenómeno de longa data. Se olharmos para as diversas sociedades existentes, deparamo-nos que estão repletas de atos cruéis cometidos contra as crianças e as mulheres. Em Portugal, apesar de se supor que é um fenómeno que afeta inúmeras famílias; apesar de não constituir um problema novo, só recentemente, nos anos 80, se transformou e ganhou visibilidade como sendo um problema social. A violência contra as mulheres é um crime contra os direitos humanos. Os direitos humanos são mais do que um conjunto de leis e obrigações, pois incorpora a ideia de que todos temos direito aos mesmos direitos. A violência contra as mulheres constitui assim uma profunda brecha a esta conceção, põe em causa a ideia fundamental dos direitos da pessoa humana, segundo a qual, todos os seres humanos têm igual valor e dignidade.

Do ponto de vista sociológico, a violência tem recortes de desigualdade económica, política, social e cultural, o que me leva a equacioná-la como um fenómeno de desigualdade de género, historicamente construída e culturalmente enraizada nos vários segmentos da sociedade portuguesa. O problema da violência doméstica é um dos maiores flagelos que se vive no mundo e Portugal não foge à regra.

Não é por acaso que o termo Homem designa o ser humano. A mulher foi historicamente entendida como uma coisa, uma propriedade e não como uma pessoa: era a procriadora e não a esposa ou a mãe. Nas sociedades patriarcais, as mulheres são associadas à natureza e à vida privada, opostas à cultura, à vida pública e ao poder. Por isso, a agressividade é reprimida nas mulheres, visto ser uma característica masculina. As mulheres eram vistas como auxiliares ou ajudantes dos seus maridos, nos momentos complexos e devotas aos filhos. Estavam escondidas no anonimato, eram vistas como românticas, idealistas e sem educação para a “vida prática” remetidas ao silêncio do lar. Assim, a mulher era vista como sendo inferior, passiva, insuficiente, complementar, auxiliar e indefesa.

Todos os anos, a sociedade é confrontada com os números divulgados por associações de apoio à vítima. E todos os anos, sentimo-nos chocados com o facto de haver ainda mulheres que continuam a morrer nos braços de um cônjuge violento. Todos os anos, ouve-se dizer que a violência não é só física – importa frisar que a violência doméstica não inclui “apenas” a violência física, pelo que, não raras vezes, a forma de violência a que estas pessoas são sujeitas é, sobretudo psicológica – mas ainda assim, estas relações marcadas pelos maus-tratos, continuam a existir e as campanhas de informação parecem chegar apenas àqueles que não precisam delas.

Um dos motivos por detrás destes números divulgados ano após ano está relacionado com a falta de autoconfiança e de autoestima destas mulheres. Este problema é transversal a todas as camadas sociais e mesmo por detrás de carreiras de sucesso e imagens bem cuidadas estão, muitas vezes, feridas emocionais profundas, que perduram no tempo e as impedem de fazer o que tem de ser feito.

Os fatores são praticamente sempre os mesmos em cada história. Por incrível que possa parecer, os agressores são quase sempre pessoas inseguras, carentes, desconfiadas, ciumentas, controladoras e incapazes de assumir a culpa e/ou a responsabilidade. O agressor tem a necessidade constante de exercer poder, de controlar tudo. A vítima, essa, normalmente reage às críticas ou acusações tentando explicar-se, como se o agressor estivesse interessado em ouvi-la. A realidade é que não está. A vítima procura dar respostas a estas discussões, tentando acalmar o agressor mas isso não resulta.

Os episódios de violência têm várias fases, obedecem a um padrão, tornando-se num ciclo. Numa primeira fase, a irritabilidade do homem vai aumentando, sem razão aparente ou compreensível, intensificam-se as discussões por questões completamente irrelevantes. Numa segunda fase, o homem descontrola-se e concretiza atos violentos: insulta, atira e parte objetos, bate com as portas, esmurra o volante ou pontapeia cadeiras, embebeda-se, permanece calado vários dias e agride emocionalmente e fisicamente. Ou seja, trata-se de demonstrar a sua superioridade em relação à mulher. Após as agressões inicia-se um período de “lua-de-mel”. A meu ver, este não será o termo mais correto pois ele “decide” quando começa e quando termina. Penso seria mais correto denominar este período como “manipulação afetiva” pois o agressor sente-se contrariado, sentindo remorsos pelas suas atitudes. Pede perdão, chora, promete mudar, ser amável, bom marido e bom pai. Como o agressor se sente culpado, esta costuma ser uma atitude convincente. Quanto à vítima, esta tende a acreditar na mudança. Uma vez perdoado, recomeça o ciclo, daí denomina-lo de ciclo vicioso.

Em 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas designou o dia 25 de Novembro como o Dia Internacional da eliminação da violência contra a mulher. Apesar disso, gostaria de deixar uma leve abordagem à violência que afeta muitos homens. Neste caso, é claramente diferente, pois a sociedade desvaloriza e resigna-se ao facto de o sexo masculino ser fisicamente mais forte. Em relação às vítimas, a vergonha suplanta sempre a vontade de pedir ajuda ou a partilhar o problema vivido. Quanto às agressoras, estas usam o jogo psicológico, que inclui humilhações, ameaças e a “certeza” de que ninguém acreditará num homem que se diz agredido por uma mulher.

É preciso que todos: pais, irmãos, amigos, conhecidos ajudem e divulgar e combater este flagelo que se instalou e se invista numa perspetiva fraterna e respeitosa entre homens e mulheres.

25 Novembro 2012

Larissas
Enviado por Larissas em 15/12/2012
Reeditado em 15/04/2013
Código do texto: T4037458
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