Dia do Irmão
Até há bem pouco tempo atrás – duas ou três gerações – o filho único sofria uma espécie de estigma social, que praticamente conduzia toda a sua vida. Era visto como um ser humano diferente. Esperava-se que a criança sem irmãos tivesse de ser tímida, reservada, introvertida, egoísta e mimada. Ser filho único indicava propensão a um determinado tipo de comportamento: fragilidade, timidez ou dificuldade de adaptação na sociedade.
As bases culturais e sociais transformaram-se, o mundo evoluiu e isso trouxe uma grande mudança nos parâmetros. As acusações de que os filhos únicos são egoístas e mimados estão cada vez mais ultrapassadas. Cada vez mais, as mães trabalham fora e a atenção dos pais passa a não ser exclusiva do filho, sendo este obrigado, desde cedo, a aprender a dividir. Além disso, se antes as crianças só se deparavam com a escola com seis anos de idade, hoje em dia, tornou-se bastante comum frequentarem as creches.
No entanto, longe das salas de aula são as atitudes dos pais que têm o poder de determinar se vai haver espaço para o egoísmo e para o mimo. Os pais devem estar atentos para não dar a falsa ilusão de “eu posso tudo” já que no mundo, ele será apenas mais um. Não falo apenas dos filhos únicos, pois os filhos sejam eles únicos ou não, devem sempre ser pensados individualmente: cada um com a sua personalidade, preferências, habilidades e dificuldades.
O que é afinal ser filho único?
Ser filho único é ter toda a atenção dos pais, é não ter de repartir os brinquedos, o quarto ou os CD’s. É não ser comparado com o irmão que nunca faz birras ou com a irmã que arranjou uma posição importante na empresa. Ser filho único é ter o banco de trás do carro inteiramente à sua disposição e ser sempre o primeiro a andar nos carrocéis.
No entanto, ser filho único também é ter de aprender a brincar sozinho e a fazer da parede os seus interlocutores. É não ter quem o defenda na escola porque os amigos só se arriscam pelos próprios irmãos. Ser filho único é não poder roubar os brinquedos do irmão nem ter com quem conversar baixinho à noite quando o sono não chega. Ser filho único é não conhecer o mistério da relação fraternal.
Os irmãos são um dos elementos mais importantes no desenvolvimento da criança como ser social. A função primordial de um irmão prende-se com a ajuda recíproca, a colaboração, a assistência (num nível de igualdade) e a defesa: funciona como um modelo de identificação, diferente da dos pais. Os irmãos aprendem as coisas da vida e do mundo, adquirem elementos de linguagem, desenvolvem a criatividade através de jogos e brincadeiras. O vínculo fraternal desempenha também um papel importante no suporte do equilíbrio familiar em situações de crise, tais como, separação dos pais, doença ou morte.
O vínculo fraterno não é um simples derivado do vínculo com os pais pois tem vida própria. Os irmãos são muito importantes uns para os outros na construção das suas personalidades. Muitas vezes, os irmãos têm um conhecimento recíproco, consciente (e outras vezes inconsciente) do funcionamento psíquico uns dos outros, por terem vivenciado juntos sentimentos e conflitos no seio da vida familiar. Em cada irmão perdurará uma memória, mesmo que, ao crescer, cada um siga um caminho distinto. A experiência e a partilha deixarão a sua marca no inconsciente de cada um deles, continuando a ser um ponto de referência para a sua própria identidade.
A função fraterna não é exclusiva dos irmãos. Isto porque, por exemplo, um pai pode exercer a função fraterna com o seu filho ao jogarem futebol ou ensinando a andar de bicicleta, uma vez que ambos estarão em situação de paridade nesse momento. Da mesma forma, os primos e os amigos podem estabelecer modelos com características de vínculo fraterno. Muitas vezes, constata-se que os valores fraternos são deslocados para os amigos – os irmãos escolhidos.
05 Setembro 2012