Herança e herdeiro desaparecido

Prólogo

Sucessão é o fenômeno de transferência de patrimônio (direitos e obrigações) de uma pessoa a outra. A sucessão pode ocorrer: 1) a título universal, em que se transmite a totalidade do patrimônio ao sucessor; e 2) a título singular, em que se transfere um direito, um bem, ou mesmo uma fração patrimonial. Pode ocorrer ainda:

a) inter vivos; e b) causa mortis. No que interessa ao presente texto, é importante sublinhar que, em decorrência da morte de uma pessoa, a sucessão hereditária (causa mortis — em razão da morte), meio pelo qual se adquire, a título singular ou coletivo, bens e direitos que migram do patrimônio da pessoa que falece aos que, legalmente, o sucedem, pode ser, segundo a existência de instrumento de manifestação de vontade ou não do falecido, legítima ou testamentária.

Por meio do meu “link” de contato no Recanto das Letras recebi uma mensagem de um leitor que, depois de se identificar, fez uma pergunta para a satisfação de sua necessidade ou conflito de anseio.

TRANSCRIÇÃO DA MENSAGEM DO LEITOR

“Leio muito as suas matérias. São simples e objetivas. Tenho um inventário com um herdeiro desaparecido, e agora ele irá figurar no Formal de Partilha. Fui citado por edital na fase do inventário. Herdeiros apenas colaterais. Não consigo encontrar uma matéria que me fundamente, em uma ação de Declaração de Ausência, para poder vender um único imóvel com a parte dele incluída, a utilização do novo artigo 7 do CC. Tem alguma matéria para me indicar, ou mesmo uma posição sobre o assunto?” – (SIC).

MINHA RESPOSTA

O simpático leitor poderá, se quiser, ter uma melhor resposta e conferir na internet por meio de um excelente trabalho escrito por Lílian Castro – Estudante de Direito. Todavia, não me é lícito deixar de responder a questão. Claro que se trata, o assunto em comento, de uma dúvida de outras centenas de milhares de leitores. Por essa razão será de muito bom grado esta publicação no Recanto das Letras e a pesquisa em outros blogs e notas referenciadas.

Para esclarecer os trâmites do processo de sucessão de ausentes, explico nas três fases que se seguem: 1. Curadoria do ausente, 2. Sucessão Provisória e 3. Sucessão Definitiva.

OBSERVAÇÃO PERTINENTE: Resolvi publicar minha resposta, aqui mesmo no Recanto das Letras, depois de encaminhar o meu entendimento para o “e-mail” do consulente e ter recebido de volta com o aviso de erro por não existência de endereço ou incorreção na informação fornecida pelo educado leitor.

Provavelmente minha resposta encontrará eco positivo entre os demais leitores, advogados, estudantes, autodidatas, curiosos e assemelhados.

Em atenção à consulta eis como me posiciono sob a ótica do que entendo e fundamentado na lei (Código Civil de 2002, Livro I, Capítulo I, Art. 22 e seguintes.). O leitor consulente faz referencia, em sua mensagem, ao artigo 7º, Inciso I, do Código Civil ora em vigor. Podemos observar o quão é cristalino esse artigo quando preestabelece:

“Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

“I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida”.

Salvo outro juízo o supracitado artigo 7º, do CC, é um extremismo e não se aplica ao caso concreto. Além do mais a utilização desse instituto certamente iria prolongar uma situação jurídica em andamento. Entendo que a melhor solução para o caso em comento, isto é, HERDEIRO DESAPARECIDO, é a declaração de ausência seguindo os trâmites legais.

Denomina-se Inventário orfanológico havendo herdeiro menor, interdito, ausente ou desconhecido. No caso do herdeiro ausente, igual ao herdeiro incapaz, o inventariante deverá requerer ao juiz da causa sucessória um curador especial.

No caso em comento o juiz, por despacho, determinará que se publiquem editais no sentido de localizar o herdeiro ausente. Depois do prazo legal, não sendo encontrado o herdeiro desaparecido, o inventariante solicitará que se declare a morte presumida com os devidos trâmites legais.

Venosa explica que existe jacência quando em síntese não se sabe de herdeiros: ou porque não existem, ou porque não se sabe de sua existência, ou porque os herdeiros eventualmente conhecidos renunciaram à herança.

Importante ressaltar acerca da petição de herança, procedimento este, para quando sobrevier herdeiro, que havido fora do casamento, não era à época do inventário e partilha conhecido, sendo que a relação de paternidade não havia sido declarada judicialmente. Poderá este, requerer seu direito na sucessão por meio da petição de herança, que possui um prazo prescricional de 20 anos, vide sumula 149 STF.

Ora, se uma pessoa desaparece, sem deixar notícias de seu paradeiro, o cônjuge, herdeiros e o Ministério Público podem pedir ao juiz a declaração da ausência do desaparecido para que haja a sucessão dos bens. Declarado ausente, haverá o levantamento e administração dos bens deixados. Posteriormente abre-se a sucessão provisória, na qual será feita partilha e os bens serão provisoriamente transferidos.

Nesta fase, reaparecendo o ausente, terá de volta seus bens ou será devidamente indenizado caso não puderem mais ser devolvidos. Como ato final tem-se a sucessão definitiva, e os bens partilhados são adquiridos de forma definitiva. Todavia a lei ainda resguarda o direito do ausente, pois, reaparecendo, ainda terá direito a reaver seus bens no estado que se encontrarem. Vejamos o que preestabelece a lei nesse sentido:

Código Civil - Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002

Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.

MELHOR EXPLICANDO

Normalmente a abertura da sucessão dá-se com a morte, fenômeno em decorrência do qual termina a existência da pessoa natural. Mas nem toda morte é certa e provada, com o propósito de contornar o grave problema da ausência de uma pessoa, o sistema jurídico concebe a morte presumida, como se cessasse a existência da pessoa natural.

Presume-se que a ausência significa, pelo menos temporariamente, a morte, que justifica a abertura da sucessão, primeiro a provisória e, depois, a definitiva, à medida que envelhece o fato do desaparecimento da pessoa, de cujo paradeiro nada se sabe.

No sentido jurídico a que nos reporta esse tema, ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio, sem que dela haja notícias, e sem deixar representante ou procurador, ou deixando, este não queira ou não possa continuar exercendo o mandato ou administrando os bens daquele. Assim prescrevem o Código Civil e o de Processo Civil Brasileiros, ao tratarem da Curadoria dos bens do ausente, arrecadação e sucessão dos bens daquele, respectivamente.

Desaparecido alguém nas condições acima assinaladas, presume-se ausente referida pessoa. Para que esse fato tenha efeitos jurídicos, necessário se faz a provocação do Judiciário pelo interessado ou pelo Ministério Público, para que seja declarada ausência e nomeado um curador para administrar os bens do ausente.

1. CURADORIA DOS BENS DO AUSENTE

A curadoria dos bens do ausente é a primeira fase do processo de sucessão de ausentes. Nessa fase o ordenamento jurídico procura preservar os bens deixados pelo ausente, para hipótese de seu eventual retorno. Arrecadam-se os bens do ausente, providência que o juiz pode determinar de ofício. Após a arrecadação dos bens será nomeado um curador, pessoa responsável para cuidar do patrimônio do ausente.

Será nomeado curador: a) o cônjuge, desde que não separado judicialmente ou, de fato, por mais de dois anos; b) em sua falta, o pai, a mãe ou os descendentes, nessa ordem, precedendo os mais próximos os mais remotos; c) na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.

A sentença deve ser registrada no Registro Civil de Pessoas Naturais, no cartório do domicílio anterior do ausente, produzindo os mesmos efeitos do registro de interdição. Feita a arrecadação, publicam-se editais, reproduzidos de dois em dois meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens.

A curadoria cessa, por sentença averbada no livro de emancipação, interdições e ausência: a) comparecendo o ausente, seu procurador ou quem o represente; b) sobrevindo certeza da morte do ausente; c) sendo aberta a sucessão provisória.

2. SUCESSÃO PROVISÓRIA

Prolongando-se a ausência o legislador passará a se preocupar com o interesse dos sucessores, a situação jurídica do patrimônio do ausente já não pode mais permanecer apenas sob a transitoriedade da curadoria, fazendo-se necessária a abertura da sucessão provisória. É a segunda fase do processo de sucessão de ausentes. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou três anos, havendo ele deixado representante ou procurador, podem os interessados, requerer a abertura da sucessão provisória.

Consideram-se interessados, as pessoas a quem se confere legitimidade para requerer a abertura da sucessão provisória: a) o cônjuge não separado judicialmente; b) os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários; c) os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte; e d) os credores de obrigações vencidas e não pagas.

Decorridos os prazos acima citados e não havendo interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requere-la ao juízo competente. Requerida a abertura da sucessão provisória, citam-se pessoalmente os herdeiros presentes na comarca, bem como o curador e, por edital, os demais. Também devem ser citados o cônjuge e o Ministério Público. A citação dos herdeiros faz-se para que ofereçam artigos de habilitação, isto é, para que comprovem sua qualidade de sucessores do ausente.

Passada em julgado a sentença que determinou a abertura da sucessão provisória, procede-se à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens. Não comparecendo herdeiro ou interessado que requeira o inventário, a herança será considerada jacente (Herança jacente é aquela cujos herdeiros ainda não são conhecidos, ou, se conhecidos, renunciaram à herança, não havendo outros.).

Ainda que concluído antes o inventário, os bens somente são entregues ao herdeiro cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa a sentença que determinou a abertura da sucessão provisória, em reforço da segurança jurídica; cuida-se de condição suspensiva, somente a partir de cuja ocorrência a sentença transita em julgado. A sentença deve ser averbada no Registro Civil, no assento de ausência, com referência especial ao testamento do ausente, se houver, e indicação de seus herdeiros habilitados.

É bastante provável que, no acervo do ausente, figurem alguns bens móveis sujeitos ao perecimento ou ao extravio, situação mediante a qual o juiz, reputando conveniente, determinará sua conversão em bens imóveis ou em títulos garantidos pela União.

Cumpre aos herdeiros, imitidos na posse dos bens do ausente, em caráter provisório e condicional, prestar garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos. Se não o fizerem, não serão imitidos na posse, ficando os respectivos quinhões sob a administração do curador ou de outro herdeiro designado pelo juiz e que preste dita garantia, trata-se de uma medida de segurança jurídica, inibidora de manifestações de prováveis atos de má-fé dos herdeiros quando na administração de suas respectivas cotas-parte, haja vista que os seus patrimônios é que suportarão os prejuízos materiais porventura gerados ao ausente.

São, porém, dispensados de prestar essa garantia os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, uma vez provado a sua qualidade de herdeiros. O descendente, o ascendente ou o cônjuge que for sucessor provisório do ausente fará seu todos os frutos e rendimentos dos bens que couberem a este, já os outros sucessores deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos. Se o ausente aparecer, ficando provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos.

Empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão representando ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que de futuro àquele forem movidas. Se durante a posse provisória o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, cessarão as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando estes obrigados a tomar medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono; porém se durante a posse provisória se provar a época exata do falecimento do ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos herdeiros, que o eram àquele tempo.

A sucessão provisória cessará, se houver o comparecimento do ausente, ou converter-se-á em sucessão definitiva.

3. SUCESSÃO DEFINITIVA

Após um longo período de ausência é autorizada, pelo ordenamento jurídico nacional, a abertura da sucessão definitiva. Essa é a terceira fase no processo de sucessão de ausentes. Poderá a sucessão provisória converte-se em definitiva se satisfeitas as seguintes condições:

a) quando houver certeza da morte do ausente;

b) a requerimento dos interessados, dez (10) anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da sucessão provisória, com o levantamento das cauções prestadas;

c) provando-se que o ausente conta 80 (oitenta) anos de nascido, e que de 5 (cinco) datam as últimas notícias suas, note-se que a disposição não tem natureza alternativa, de modo que as duas exigências — o ausente contabilizar 80 (oitenta) anos e suas últimas notícias datarem de cinco anos — devem figurar simultaneamente para a incidência do comando legal.

Autorizada a abertura da sucessão definitiva, presume-se a morte do ausente, porém a conversão não é desde logo tão definitiva quanto a denominação dá a entender. O nosso ordenamento jurídico encara a ausência como fenômeno transitório, embora capaz de deflagrar a sucessão provisória e, em sequência, a sucessão definitiva.

A abertura da sucessão definitiva e a consequente entrega do patrimônio do ausente aos interessados não implicam, necessariamente, o perdimento ou a transferência irreversível do patrimônio do suposto morto para os sucessores.

Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão somente os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.

Há, porém um limite temporal de dez anos a essa reversibilidade, em homenagem à segurança e a certeza das relações que se consolidaram ao longo do período da ausência. O regresso do ausente, após os dez anos subsequentes à abertura da sucessão provisória, não lhe conserva o acervo patrimonial, porque agora a transferência dos seus bens que se operou, está definitivamente consolidada e coberta pela intangibilidade, por força da decadência, isto é, extinção de um direito por haver decorrido o prazo legal prefixado para o seu exercício.

Se, entretanto, o ausente não regressar nesses dez anos, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do município ou do Distrito Federal, a depender de sua localização, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal.

CONCLUSÃO

Ausência é a situação da pessoa natural que desaparece de seu domicílio, sem deixar representante, provocando incerteza jurídica sobre sua existência. Os elementos necessários para confirmar a ausência são: desaparecimento de domicilio, dúvidas sobre a existência da pessoa natural e a sentença judicial.

A declaração de ausência tem a finalidade de proteger os bens do ausente, os credores e até próprio Estado. Divide-se em três fases:

1. Curadoria dos Bens do Ausente - legitimados, nomeação de curador (a função do curador é a prestação de contas, arrecadação dos bens e publicação de editais).

2. Sucessão Provisória: legitimados, pagamento dos credores, distribuição provisória da herança. Os administradores desta fase podem ser: Cônjuge, se não estiver separado judicialmente ou há mais de dois anos da data da ausência, os pais e os descentes, nessa ordem. Todos esses não prestam caução, ou seja, possuem total benefício, 100% dos lucros.

Outros: prestam caução, todo fruto adquirido, 50% é aplicado, para segurança dos bens do ausente caso ele retorne. Se o ausente retornar, ao longo da 2ª fase e justificar sua ausência ele recebe toda aplicação dos frutos feita pelo administrador. Não fazendo uma justificativa adequada, toda fruto aplicado passará para o administrador.

3. Sucessão definitiva: com 10 anos de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, os interessados podem requerer a distribuição definitiva da herança, pois o ausente é considerado morto presumido. Porém se o ausente retornar, em até 10 anos da sucessão definitiva, ele recebe os seus bens de volta do jeito que este se encontrar.

E se os interessados não promoverem a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal.

Não espero, com esse trabalho, ter esgotado o tema, que se mostra muito mais profundo do que o explicitado acima. Espero, porém, ter alcançado o meu objetivo que era escrever um texto básico e sucinto em resposta à questão proposta sobre o assunto.

____________________________

NOTAS REFERENCIADAS

– RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, V.1, Parte Geral, 32° ed., São Paulo, Saraiva, 2002;

– VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, V. 1, Parte Geral, 2°ed., São Paulo, Atlas, 2002;

– GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil, V. 1, Parte Geral, 10° ed., São Paulo, Saraiva, 2003;

– Wikipédia, a enciclopédia livre;

– Trabalho de Lílian Castro – Estudante de Direito;

– Art. 22, Código Civil;

– Art. 24 e art. 25 do Codigo Civil;

– Art. 30 e art. 33 do Codigo Civil;

– Art. 6° do Codigo Civil;

– Art. 7° do Codigo Civil;

– Papéis avulsos e outros rabiscos do Autor.