PROJETO DE LEI PARA COMBATER NA RAÍZ O ÁLCOOL AO VOLANTE - INTRODUÇÃO

Vejo a sociedade tentando combater a combinação álcool e direção de forma nada inteligente e, dessa forma, mão conseguindo resultados efetivos, prova é que o índice de motoristas alcoolizados, de acidentes provocados por condutores sob efeito alcoólico e mortes resultantes dessa combinação somente crescem. E, apesar desses indicadores, a sociedade insiste no presente método retaliatório de combate ao álcool na direção, haja vista que nossa atuação no combate a esse mal tem se concentrado unicamente no sintoma, esperando primeiro a perda de uma ou mais vidas, produzindo um criminoso, para então ter alguém a quem combater, em vez de combater o problema, que é o álcool, o alcoolismo.

Em nenhum momento no Brasil nossos métodos têm atacado a origem do problema, que está na cultura alcoólica de todas as etnias e nações. E temos agido nessa cultura cúmplice e esquiva, porque mesmo muitos dos próprios parentes de vítimas de motoristas embriagados são afeitos ao álcool e incentivadores de seu consumo, não querendo de nenhuma forma que seu uso livre e indiscriminado seja combatido. Por isso, ao perderem seus amados, eles clamam por justiça contra o motorista embriagado, jamais contra o álcool e a sociedade culturalmente alcoólatra que os inclui e ensina a beber.

O álcool faz parte de nossa cultura, visto que mesmo quem não bebe preocupa-se em prover bebidas alcoólicas nas festas que promove. E outras tantas pessoas (entre elas, religiosos) faturam fortuna vendendo bebidas alcoólicas em seus bares, lancherias, restaurantes e supermercados. Muitos pais, ao sair com a família para o almoço de domingo, ensinam aos filhos de todas as idades a cultura da bebida alcoólica, que vem embalada em charmosas garrafas de vinho, champanhe, uísque, vodka, tequila, caninha, etc., envelhecidas com requintados métodos e muitos anos de aprimoramento, seguidos de refinadas histórias de dedicação, cuidado e persistência de pessoas, cujo louvável amor pela arte de produzir tradição e qualidade produz os melhores néctares. Muitos pais e mães, tios, avós, primos, etc., alguns deles policiais, juízes, médicos, professores, autoridades políticas, governamentais, religiosas e tudo o mais, ensinam seus filhos a menosprezar os efeitos e riscos do álcool combinado com casamento, família, sociedade, profissão e, especialmente, direção, quando introduzem a bebida alcoólica no exporte para o qual os convidam, nas pescarias que os ensinam a cultivar, nos churrascos, no refinado banquete, na conversa informal, no evento social e tudo o mais. E a grande maioria deles faz isso sem ao menos sussurrar: “faça o que eu digo, mas não façam o que eu faço”.

Muitos desses incentivam seus convivas (até mesmo seus irmãos, filhos, sobrinhos) a tomar umas cervejas no almoço de domingo (até bebem com eles) e depois caem de pau sobre eles (ou sobre o parente do desconhecido) quando, depois de cometerem acidentes e até matarem pessoas, se vêem sozinhos e acuados num canto de delegacia de polícia esmagados sob o peso do dedo acusador, melindrado e vingativo da sociedade a chamá-los de criminosos. O que os torna diferente deles, porém, é unicamente a sorte que ainda não permitiu que fossem eles os bodes expiatórios da vez.

Num momento eles estão fazendo bonito para uma sociedade que propagandeia que é bonito beber até virar esqueleto de tão antigo na bebida, pois quem bebe se dá bem com as mulheres, com os amigos, etc., e é bacana e no outro momento eles são um pedaço de carne pronto para ser devorados pelas feras mais vorazes e vingativas da sociedade.

Parece que nossa sociedade não se incomoda de produzir criminosos de seus próprios filhos, preocupando-se apenas em não ser quem será qualificado como a bola da vez. Somos hipócritas, deveríamos ser solidários com nossos motoristas embriagados também no momento de colher os maus frutos do dirigir embriagado. Ao contrário, o que parece é que achamos que podemos “amarrar o cachorro com lingüiças” e depois responsabilizá-lo severamente por tê-las comido e se soltado e causado danos.

Nossa sociedade (todos nós, cada um por sua vez) precisa assumir a própria responsabilidade quanto ao álcool e seus efeitos danosos aos indivíduos, as famílias e a sociedade. Precisamos reconhecer que o álcool precisa ser combatido e não acariciado, tampouco ser tido como inofensivo, como temos feito. Precisamos distinguir o álcool e seus efeitos das pessoas que sofrem seus efeitos, observando que as pessoas são diferentes sem o efeito do álcool, sendo elas mesmas nossos semelhantes, nossos irmãos, nossos amigos, nossos concidadãos, a quem devemos amar, tolerar, proteger e nos unir contra este sorrateiro inimigo comum, o álcool, não nos unirmos ao álcool para aniquilar nossos concidadãos, como temos feito com esse nosso método infrutífero de combate ao álcool ao volante, pois a maioria gosta de brincar com o álcool, embora sabendo dos seus riscos, mas esquiva-se na hora de assumir as consequências decorrentes desse vilão.

Precisamos nos dar conta de que o álcool (ou o alcoolismo) e seus efeitos é que precisam ser combatidos e não os alcoólatras, pois os alcoólatras são seres humanos. Precisamos parar de insistir nessa cultura de pisar na cabeça de quem, por sua impotência perante o álcool, já se atolou na dor e no remorso. Precisamos parar de adicionar dor sobre dor, pensando que o “aniquilar alguns bodes expiatórios” produzirá efeitos positivos contra a combinação álcool e direção, regenerando quem já perdeu o controle das próprias atitudes por causa dos danos que o álcool já produziu em seu cérebro.

A sociedade, que se entende por sóbria, equilibrada e sadia é que precisa demonstrar inteligência para lidar com o problema de daquele cuja mente já foi comprometida pelo álcool. O que estamos efetivamente fazendo com nosso método de combate a combinação álcool e direção é mostrar a crueldade de quem não se compadece de alguém cujas ações já o fizeram sofrer penas suficientemente doloridas. O que de fato fazemos com esse nosso modelo de combate a combinação álcool e direção é produzir criminosos, sem prevenir nenhuma morte de inocentes.

Temos atuado após a consumação do mal, depois que alguém já perdeu a vida por causa da bebedeira de outro, daí, raivosamente, descarregamos a dor e o sofrimento de quem perde um ente querido “inocente” sobre o motorista da vez como se esse ser humano fosse a causa de todo o mal da sociedade e como se ele também não tivesse valor, penalizando e prejudicando assim a sociedade duplamente, pois perdemos um membro e hostilizamos outro, sem contar seus familiares e todos os que o cercam.

Em outras palavras, temos pagado caro por uma lição que não ensina, visto que a severidade contra os infratores alcoólicos não tem servido para inibir os demais infratores. Na verdade, nossas leis somente têm servido para produzir infratores (no momento em que qualifica e enquadra os indivíduos) para depois descarregarmos nossa raiva social contra esses “bodes expiatórios da vez”. Temos sido mesmo muito cruéis e notadamente indiferentes para com os indivíduos, valorizando alguém somente depois de morto e demonstrando essa valorização ar pisar uma pessoa viva por causa da que já não pode sofrer nem desfrutar nada.

Wilson do Amaral