SEXO DENTRO DO CARRO É CRIME?
Prólogo
Ao conferir minhas correspondências escritas e eletrônicas vi (recebi) uma mensagem deveras interessante. Dizia o e-mail sem delonga:
“Oi, meu nome é Angélica e tenho lido seus artigos com voracidade. Gosto do seu estilo assim erudito, meio jocoso e bastante didático. Sempre que podemos fazemos, meu namorado e eu, amor no carro, em local de pouco movimento." – (SIC).
"Minha dúvida, creio, é a de muitos casais iguais a nós que já fez, faz ou gostaria de namorar fazendo carícias íntimas e sensuais ou fazer amor de modo prazeroso, espontâneo, dentro de um automóvel. Pergunto ao senhor: Sexo e outras intimidades dentro do carro é crime? Desde já agradeço sua resposta e atenção. Beijos. Angélica.”. – (SIC).
MINHA RESPOSTA RESPEITANDO ENTENDIMENTOS CONTRÁRIOS.
Minha resposta poderia ser curta e direta. Sim! Sexo dentro de um automóvel é ato ilícito à luz da lei e por interpretação de alguns iluminados (nem tanto) juízes. Não quero usar a palavra “crime” por ser demasiada forte para o caso em comento. O namoro no interior de automóvel pode causar constrangimentos aos que se aventuram na utilização de um motel disfarçado. Pode, também, se transformar em crime no caso de um assalto. Todavia, uma resposta desse naipe não satisfaria, certamente, à consulente.
Encontrei na internet uma história bastante comum onde o autor conta um caso – reforçado por um vídeo – que bem poderá servir de pano de fundo a uma resposta mais convincente e esclarecedora. Sob o tema “Motel Disfarçado” li no Blog “NETCINA”:
“um casal de “noivos” estava fazendo amor dentro de um carro, em um local ermo e escuro, quando a polícia flagra a cena. Os polícias resolvem por bem acabar com o “motel disfarçado”. E agora! É crime um casal de noivos fazer amor em um lugar escuro, tarde da noite, e dentro de um carro? (...). Fazer sexo no carro não é proibido. O que não pode é praticar ato obsceno em local público ou em local acessível ao público. Portanto, depende do lugar onde você se encontra. Se estiver dentro da garagem de sua casa ou em um Drive-in, não há problema algum. Agora, se estiver em um local público, a história é outra.” – (SIC).
EXPLICANDO O CASO SOB A ÓTICA DA LEI
Vejamos o que diz o artigo 233 do Código Penal Brasileiro:
Ato obsceno
Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Mas o leitor perspicaz pode questionar: “se estou dentro do meu carro não estou em um lugar público, certo?” – Errado! A Lei diz: "lugar público, ou aberto ou exposto ao público". Observe o que diz igualmente o § único do artigo 234 – Código Penal:
Art. 234 – Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem:
I – vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II – realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;
III – realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.
Logo, não importa se você está dentro do seu carro ou na varanda de sua casa (aberta ou exposta ao público). Praticar ato obsceno nesses locais, embora seja uma fantasia extremamente prazerosa, é ilícito!
CONCLUSÃO COM OUTRA HISTÓRIA ILUSTRATIVA
O Direito é complexo e depende muito do juízo de um juiz. Essa outra história ilustrativa teve um final diferente para um dos participantes (réus). Observem o enunciado culminante e divergente do caso anterior: "não ofende o pudor público a relação sexual dentro de um automóvel, somente perceptível com a aproximação junto ao veículo".
Sob o tema “Programa inoportuno” encontrei no site do Espaço Vital a trama que se segue: (Fonte: www.espacovital.com.br – Lei nº 9.610/98):
A paquera entre o advogado e a bacharel, ambos trabalhando numa grande banca de Advocacia – com feições de empresa – já durava mais de um mês, mas sem resultado prático. Até que combinaram se encontrar em badalada discoteca da avenida Goethe. Ali, após momentos e libação de epidérmico convívio, o novel par concluiu que o conveniente seria o rumo de um motel.
Avenidas Cristiano Fischer, Ipiranga, Cavalhada etc. foram varadas sem sucesso. Era madrugada de noite veranil, motéis lotados e – pior – ainda com meia dúzia de carros na fila.
– Eu não vou me expor, aguardando – sentenciou a bacharel.
Antevendo que a "presa" lhe escaparia, o advogado propôs:
– Conheço uma rua pequena, escurinha, com segurança, meu carro tem ar condicionado – claro que não é o motel que mereces, mas garanto que vai ser bom...
Ela topou e os excitados convivas tomaram o rumo do Partenon. Em minutos, passaram às preliminares e, após, às profundezas. Mas não contavam com o imprevisto: uma senhora, tripulando seu próprio carro, no rumo de sua casa próxima, por temor de assalto deu meia-volta e foi buscar dois soldados num quartel da Aparício Borges.
Cinco minutos depois – em pleno momento "x" do ato sexual – os PMs bateram com os cassetetes nos vidros do carro, um de cada lado. Transa interrompida!
Depois foi o vexame de um chá–de–banco na antessala do delegado gozador. E meses depois, o advogado e a bacharel viram-se processados pela prática de crime de ultraje público ao pudor. "Foi um ato sem explicação racional" – calcou o Ministério Público.
A constrangedora conjunção fez com que o advogado e bacharel quase se odiassem e o namoro não deslanchasse. Ela procurou emprego em outra banca advocatícia. Denunciados no Juizado Especial Criminal, ambos tiveram condenações.
Os defensores dos dois réus eram diferentes. O que defendia o jovem advogado se conformou, admitindo que a condenação (multa, de pequeno valor) era branda e, assim, liquidava o processo. A profissional que defendia a bacharel seguiu insistindo com a tese de que "em rua escura, no recôndito de um automóvel com os vidros fechados, manter discreta relação sexual com discrição não constitui ilícito penal". – (SIC).
ATENÇÃO! Aqui cabe um adendo: Observem que a advogada que fez a defesa da bacharela (Ré no infortúnio) escreveu em sua justificação: "... em rua escura, no recôndito de um automóvel com os vidros fechados, manter discreta relação sexual com discrição não constitui ilícito penal". As razões apresentadas são (foram) convincentes e, esse é, também, o meu entendimento. Claro que nem sempre é possível nos livrarmos dos abelhudos e desocupados que vivem a xeretar a vida dos outros.
CONTINUANDO A NARRATIVA
A Turma Recursal foi benigna quando sentenciou: "não ofende o pudor público a relação sexual dentro de um automóvel, somente perceptível com a aproximação junto ao veículo". O apelo foi provido para absolver a apelante e estender os efeitos ao corréu.
Os dois personagens são agora cordiais amigos. Sempre que se encontram, a bacharel dá uma alfinetada: "A mulher é um ser superior!" – (SIC).
RESUMO DA CONCLUSÃO
Essa "alfinetada" seria sempre se referindo a sua advogada que foi recalcitrante e convincente em sua apelação. Assim precisa ser um advogado: Insistente e batalhador incansável com o propósito de, em favor de seu cliente, conseguir um veredicto conforme à razão.
Namorar em locais exóticos é excelente! Namorei a digníssima Tia Fátima nas areias tépidas e águas límpidas de Fernando de Noronha. Foi naquela paradisíaca plaga que uma estrela radiante foi concebida. Refiro-me a minha queridíssima filha Fabianne. Cometi esse prazeroso ilícito e cometeria tantas vezes quantas fossem necessárias para a concepção de tão ansiada candura.
Sobre a superioridade feminina posso afirmar sem receio de errar: Imagine um mundo sem mulher... Quanta tristeza! “Perceberás que esse mundo idealizado será vil, um ermo melancólico, insulso, trivial, sem cor... choro plangente, convulso, inconsolável pranto mudo onde os deleites serão apenas o prelúdio do abandono, desalento mórbido, tédio crescente, nefasto e do sofrido desamor.” (Texto: “Ode à mulher” – (Publicado no Recanto das Letras em 17/06/2007).
Nós que laboramos, trabalhamos nas lides forenses com sacrifício e perseverança, denodo e paciência (alguns nem tanto), sabemos que há jurisprudências e entendimentos para todos os gostos e desgostos. Isso faz o Direito (Ciências Jurídicas e Sociais) se tornar oblíquo (esconso), não reto, injusto, NÃO CONFIÁVEL e tampouco satisfatório para a maioria dos que buscam no manto da lei um abrigo para seus conflitos.
Vimos nas duas histórias contadas como exemplos que o sexo ou outras intimidades dentro de um carro poderá ser considerado crime (ilícito) ou não a depender dos iluminados (nem sempre) juízes julgadores das questões.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. É por esse motivo, dentre outros, que existe o duplo grau de jurisdição.
EXPLICAÇÃO TÉCNICA E OPORTUNA
Duplo grau de jurisdição é a possibilidade facultada a parte vencida em um processo judicial de ter o conflito reexaminado. Ou seja, é a possibilidade de apelar (recorrer) a fim de que o processo seja julgado por mais um juiz, a fim de garantir a idoneidade da decisão proferida e assegurar não ter havido proteção de interesses particulares quando da prestação da tutela jurisdicional pelo Juiz.
Nesse passo, da análise do artigo 593, do Código de Processo Penal – (CPP), chega-se à conclusão que a apelação é um recurso amplo pois permite a discussão de fatos e de direitos, tendo por isso um caráter genérico sendo cabível nas sentenças definitivas ou com forças de definitivas, bem como nas decisões do Júri, sendo, obrigatoriamente nesse caso, um recurso de fundamentação vinculada. Por motivos óbvios os juízes de 1º grau (1ª instância) não olham com bons olhos os advogados que recorrem (apelam) para os juízes de 2º grau (instância superior): desembargadores/ministros (colegiado).
Pelo sim ou pelo não e levando em consideração a violência banalizada e a ausência do Poder Estatal é melhor evitar os motéis disfarçados, improvisados; elevadores, banheiros públicos; pensões a céu aberto ou “calango”; viadutos, praias; lugares outros perigosos etc. Ademais, o constrangimento poderá ter um efeito muito desagradável e negativo nas vidas dos envolvidos no caso de um flagra.
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NOTAS REFERENCIADAS
– Fonte: www.espacovital.com.br – Lei nº 9.610/98;
– Blog NETCINA;
– Papéis avulsos, rabiscos, fragmentos e outros textos do Autor.