A Democracia na América
Resenha
A Democracia na América
ALEXIS DE TOQUEVILLE:
José Roberto dos Santos*
Toqueville, ao analisar a democracia, tinha uma preocupação específica: falar dela sem a determinação social. Nesta análise, parte da situação política da França, na sua época, da qual ela desconsidera a democracia, pois na França, a democracia fora implantada a partir de uma revolução, fato que deixava dúvidas quanto a sua estabilidade e a deixava constantemente em xeque. Quer entender se a democracia é viável, independente de um processo revolucionário; para isso viaja aos Estados Unidos das América (1831) para conhecer o caráter democrático ali.
Tocqueville descreve a democracia como um regime que repousa em dois pilares: a liberdade e a igualdade, uma democracia igualitária estaria mais próximo de um regime despótico. O que importa para Toqueville é a idéia, nascida da Revolução Francesa, de uma cidadania universal, livre de costumes enraizados em determinados locais; uma idéia de direitos e deveres independente de nacionalidade. O indivíduo, sendo senhor de sua consciência poderia expandir e acentuar a idéia de uma democracia cada vez mais permanente, a toda humanidade.
Há uma tensão permanente entre igualdade e liberdade. Anteriormente à Sociedade Moderna existia a estabilidade social, onde cada homem vivia no interior de sua classe sem a possibilidade de mobilidade além dela. Nesta sociedade a camada superior era a Aristocracia. Não almejavam mais nada, os privilégios proporcionados pelo sistema social vigente bastavam, pois não havia a idéia de acumulação de bens materiais.
Na modernidade, a sociedade Burguesa, o Capitalismo, rompe com esta estabilidade, torna o homem livre e, com esta liberdade, vem também a idéia de igualdade, o que faz com que os homens busquem incessantemente o bem estar baseado na riqueza, nos valores materiais, almejam eternamente estar no topo, se manter no topo, ocasionando, assim, uma permanente tensão entre liberdade e igualdade.
Na modernidade o homem é livre, portanto estará sempre disposto à conquistas materiais e igualdade. Porém esta fica no plano das possibilidades, não se concretiza.
Para Toqueville a democracia na França está para a democracia inglesa, se aproxima deste modelo, onde a revolução Burguesa traduziu-se politicamente em uma monarquia constitucional, diferente da americana. A burguesia inglesa deriva da aristocracia anterior.
A democracia francesa, a partir de sua implantação, parecia inclinar para uma monarquia constitucional, por não conseguir acabar de vez com idéias e práticas do antigo regime. Quem parecia caminhar para uma democracia verdadeira era a América, por ter herdado a cultura inglesa, desta forma na América também havia uma burguesia “aristocrática” e, uma sociedade que mantivesse uma aristocracia tenderia a ter um maior equilíbrio, pois sem uma aristocracia a liberdade estaria ameaçada, pela busca desenfreada de igualdade no topo da sociedade.
O absolutismo se apresentava como um poder centralizador. A Revolução Francesa quebra o absolutismo e potencializa a centralização administrativa (poder político). A liberdade concedida pela democracia não poderia ser plena, pois botaria em risco a própria democracia; ela deveria ser civil e política, porém nas conquistas sociais a liberdade ficaria no plano das possibilidades, numa igualdade de oportunidades. A igualdade, portanto, não é efetiva para todos, concreta, mas uma possibilidade, uma busca permanente. Toqueville viu isso na América, onde ele observou um ajuste entre liberdade e igualdade. Pela mobilidade social intensa deixava transparecer um equilíbrio perfeito entre liberdade e igualdade.
Para Toqueville o processo histórico da democracia, que nasce com o Estado moderno, deveria ser comandado por uma classe acostumada à dominação política, e não pela massa, os quais, na sua interpretação, não teriam experiência e preparo para a condução política e poderiam por em risco a democracia. Este pensamente faz de Toqueville um liberal, porém sem se desprender de um certo conservadorismo.
Toqueville se vale da experiência da democracia Americana, pois ali nasceu com a colonização um forte sentimento de comuna, isto é, de comunidade. Os ingleses que ali chegaram dividiam os mesmos problemas, inclusive a mesma religião (puritanos). Este sentimento, esta prática de comunidade se espalha no processo de colonização, tornando-se assim, este laço de comunidade, o germe da democracia Americana.
Toqueville busca um entendimento que possa esclarecer a construção da modernidade por vários pontos de partida. A modernidade tem início com a Revolução Burguesa, porém ela se dá de maneira diversa, diferente em cada sociedade .
O Estado americano se formou com a cultura cristalizada de que a sociabilidade particular, ou seja, as ações de comunidade, pode até mesmo substituir o poder centralizado, o próprio Estado. Esta cultura de comuna, herdada dos ingleses, vai fundamentar a implantação da democracia americana. A igualdade está explícita na idéia de que todos têm o mesmo direito, portanto as diferenças sociais existem.
Existem vários meios de produção capitalista. O meio de produção capitalista pela terra foi o primeiro deles. Posteriormente veio a indústria, a ciência, a educação, etc. Toqueville observou na América, a propriedade rural como reprodutora de capital, não somente como um símbolo de status para a nobreza, como era corrente na Europa, onde o nobre não precisava produzir nada, apenas deter a posse da terra para poder desfrutar os privilégios sociais que lhe cabiam. Nos EUA, a herança igual para todos os filhos apresentava o ideal de igualdade. Enfim, na América é possível maior harmonia entre liberdade e igualdade.
Outra cultura marcante verificada na América é o pragmatismo, ou seja, busca-se resposta aos problemas imediatos. Por ser uma sociedade em construção, dá-se valor à educação para fins práticos, rentáveis. Devido ao caráter comunitário da sociedade americana, dispensa-se um controle administrativo mais forte, ao contrário da Europa.
Toquevile separa a administração da política; por isso ele acha que, por ser uma sociedade em construção, os EUA, apesar de ter um poder central, tinha uma prática administrativa desmembrada, e que isso não afetaria o poder político central. A Constituição é sintética devido ao caráter de federação. Os juízes interpretam as leis do Estado considerando sempre a sua constitucionalidade. A atuação do judiciário é de respeito total à constituição, o que revela um caráter de relevância para a sustentação da democracia.
Os partidos políticos americanos se fortalecem nos períodos de crises sociais, de revolução; nos períodos de tranqüilidade social os partidos políticos são medíocres, os políticos são medíocres, assim como a própria sociedade N. Americana era medíocre. O candidato a presidente era uma pessoa muito igual a todos, o que revelava um equilíbrio social. Por serem muito iguais, a democracia americana apresentava contradições: ao mesmo tempo que se equilibrava socialmente, apresentava seus perigos por não haver alguém que se destaque, num possível descontrole das paixões. A Concepção política sob o liberalismo considera o indivíduo como particular, como cidadãos iguais. Não havia uma burocracia definida na administração Norte Americana por isso a administração mudava muito conforme mudava a política.
ASSOCIAÇÕES
Não há aristocracia nos EUA. O sistema de herança, que fragmenta as grandes riquezas particulares, impede o surgimento e a manutenção de uma aristocracia. As associações tinham força semelhante à aristocracia; eram elas as guardiãs do interesse privado frente ao poder público. Apesar de terem a força da aristocracia, não tinham o prestígio dessa. As associações tomam a iniciativa e substituem o Estado.
Na questão racial Toqueville vê a questão indígena como sendo de resistência ao branco europeu, o que poderia ser ruim ao próprio indígena, pois a cultura do branco poderia trazer desenvolvimento para todos. Para o negro era mais difícil se aproximar do branco devido a escravidão que devastou a sua cultura.
A democracia Norte Americana tem a tendência para uma democracia de massa. A sociedade se forjou democraticamente por isso não havia o perigo de um desequilíbrio social. Nesta análise da democracia Norte Americana e do próprio Estado Americano, há sempre uma contraposição de idéias. Toqueville aponta as benesses da sociedade N.A., porém aponta também seus perigos nas particularidades, perigos estes que poderiam levar a um poder despótico, a um desequilíbrio das forças. Até mesmo as forças armadas Americanas apresentam um caráter democrático, uma vez que um oficial daquela instituição poderia ser um homem vindo do povo. A busca pelas altas patentes nas forças armadas é um reflexo da democracia como regime, onde apresenta todos em busca do topo econômico, ascensão social. Ela apresentava ascendência meritória, traços de uma burocracia moderna.
A plena democracia só poderia se dar em uma sociedade de massa, já que democracia se traduz em soberania do povo. Porém aí está o perigo: a busca incessante (possibilidade) pela igualdade, se concretizado botaria em perigo o perfeito equilíbrio social, uma vez que a sociedade tende sempre a tirania.
-TOCQUEVILLE, A. A Democracia na América, Ed. Itatiaia, Belo Horizonte, 1998,