A dificil missão de julgar
Não é fácil julgar. Principalmente quando o alvo do julgamento é um ser humano. Gente de carne e osso, sangue, sentimentos e emoções.
Num extremo, se encontram os julgadores representando a força do Estado. Verdadeiros semideuses nas mãos de quem, ás vezes, é depositado o destino, a vida de milhares de homens que por uma fatalidade qualquer, ou mesmo uma falsa acusação, se veem nas teias da Justiça.
Na outra ponta vê-se o objeto do julgamento. O homem simples, com ou sem posses, que na grande maioria dos casos possui pouca ou nenhuma instrução, mas que assim como os julgadores, na condição de seres humanos, cometem erros e desacertos. Na condição de imperfeito o ser humano (julgador) nem sempre é justo.
Se o homem por sua natureza não é perfeito, e sendo as leis criadas por homens, logo as leis também não são perfeitas. Assim, a aplicação das leis nem sempre é feita com Justiça.
Já no século XVIII, em seu Dos Delitos e Das Penas, Cesare Beccaria pregava que o espírito de uma lei deve ser, pois, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou difícil, da debilidade do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com o ofendido... No mesmo raciocínio o insigne doutrinador assevera que se o juiz for obrigado a elaborar um raciocínio a mais ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro...
Júlio Clarus na sua Sentitiarum Receptarum Opus já dizia que a verdadeira Justiça é saber se o juiz compadeceu-se dos réus, sentenciando-os sem paixão, ódio ou amor, não atendendo ao poder da pobreza das partes, porque o juiz que julga com amor ou ódio está obrigado à restituição; faz sua, a causa, e por ela fica réu da divina Justiça.”
“Antes, mil vezes, absolver o culpado, do que uma só vez condenar o inocente” costumam argumentar os operadores do direito.
Quantos inocentes não são, cotidianamente, lançados ao cárcere por conta de juízos falhos motivados por paixões, ódio ou falsas interpretações dos fatos ou das leis? O agravante é que depois “do mal feito”, fica difícil um reparo já que uma condenação, justa ou não, termina por atingir todo o conjunto familiar e social dos sentenciados principalmente quando se trata de pessoas de boas relações.
Terminam, por tabela, sendo alvos da sentença os pais, mulher e filhos e os amigos mais próximos.
Recentemente no Maranhão uma sentença de 30 anos acabou por condenar á morte uma mãe que não suportou o peso da carga emocional ante ao fato de ver o filho condenado, no seu entendimento, injustamente.
O Pai, debilitado, também acabou morrendo ante a condenação do filho e depois a morte da companheira de 50 anos. Os filhos, os amigos e a igreja do ergastulado aguardaram que, a mesma Justiça que o sentenciou, reavaliasse o móvel da condenação e fizesse prevalecer a verdade e a verdadeira Justiça. E veio. Depois de todas esses danosos acontecimentos, a sentença acabou anulada.
Alguém um dia escreveu que condenar um homem a 30 anos de prisão é condená-lo à morte lenta, pior do que a pena capital, porque mata devagar, através da tortura dos anos.
O pior é quando o peso de uma sentença desse nível recai sobre um inocente. “O acusado só pode ser condenado quando a acusação ficou provada plenamente, porque só a prova plena é que pode gerar a certeza” a assertiva é do desembargador Inocêncio Borges da Rosa, em sua obra Dificuldade na Prática do Direito.
Situação difícil a dos julgadores na busca constante da aplicação da correta Justiça.
Como saber se estão sendo justos no cumprimento de seu mister? Como julgar sem se deixar levar pelas paixões ou influências alheias aos autos? Como ter certeza se os fatos contidos nos autos são verdadeiro ou não? Julgar sempre sob a égide da “letra fria da lei” ou se permitir, quando necessário, usar o senso próprio de Justiça? Difícil o ato de julgar.
Voltando ao sempre e atual Cesare Beccaria, do século XVIII, “ á proporção em que as penas forem mais suaves, quando as prisões deixarem de ser a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade adentrarem as celas, quando, finalmente, os executores implacáveis dos rigores da Justiça abrirem os corações á compaixão, as leis poderão satisfazer-se com provas mais fracas para pedirem a prisão...
Completa Beccaria no mesmo texto “Nossos costumes e nossas leis retrógradas estão muito distantes das luzes dos povos. Somos, ainda, subjugados pelos preconceitos bárbaros que recebemos como herança de nossos antepassados...”