Entrevistando um suposto alienado – 3ª Parte – (Última)

Prólogo

Fiódor Dostoiévski – Escritor russo – dizia que um homem inteligente é aquele que se chama de tolo pelo menos uma vez por mês. Henrique era um homem inteligente que não vivia desalentado porque não se entregava à rotina. Pelo menos uma vez por dia ele fazia questão de falar ou escrever uma tolice.

Dessa forma ele se igualava, de forma proposital, aos demais que compunham seu reduzidíssimo círculo de amizades e até os que entendiam ser seus superiores. No trabalho, nos negócios, entre os poucos e seletos amigos, com a família, Henrique marcava sua resplandecente presença pelas atitudes, disciplina e denodo. Jean Giono – foi um escritor francês – que dizia:

“Para que o carácter de um ser humano revele qualidades realmente excepcionais, é preciso ter a sorte de poder observar as suas ações ao longo de muitos anos. Se tais ações são desprovidas de todo o egoísmo, se o ideal que as dirige é de uma generosidade ímpar, se é absolutamente certo que não procuraram qualquer recompensa e se, além disso, deixaram marcas visíveis no mundo, estamos então, sem sombra de dúvida, perante um carácter inesquecível.” – Henrique se enquadrava nas palavras de Giono. Por isso e muito mais era (é) inesquecível e apenas os invejosos não entendiam ser ele muito inteligente!

INTELIGÊNCIAS DO ENTREVISTADO E ENTREVISTADOR EM FOCO

Enquanto os sucos escolhidos para a complementação do repasto eram preparados Henrique perguntou a Wilson: “Você concorda que a inteligência humana só é infalível quando decide sobre o que percebe distintamente?” – Antes que Eu respondesse ele complementou:

“Essa afirmação é atribuída a René Descartes que foi um filósofo, físico e matemático francês.” – Novamente tive a nítida impressão que estava sendo testado. Igual a Henrique também leio Descartes, Dostoiévski e outros escritores russos. Concordando ou discordando haveria de dizer algo satisfativo e convincente. Arrisquei dizendo:

"O óbvio não se discute. Como decidir sobre algo imperceptível e/ou surreal? No pensamento humano, muitas vezes, as coisas imaginadas, concebidas verdadeiras, tornam-se falsas quando se procura dar contorno colocando essa concepção no papel. Isto acontece pelo fato de não se ter conseguido uma real distinção do pensamento, da imaginação.".

– Para a minha surpresa Henrique retirou os óculos, levantou-se de sua poltrona cinza-grafite, estendeu-me a mão esquerda num cumprimento próprio dos canhotos, dizendo: “Quase nunca me fio nos primeiros pensamentos que me vêm à mente, mas você é muito inteligente. Gostei de sua resposta!”.

– Olhando-o firme estendi-lhe a mão esquerda e sua surpresa se acentuou. Certamente ele esperava que Eu aceitasse o seu cumprimento, da mão esquerda, com a mão direita, mas, de forma natural, não fiz isso. As mais variadas teorias tentam entender o canhotismo. Ainda bem: Igual a Henrique sou ambidestro!

Há não tanto tempo, definia-se que o "normal" era ser manidestro e que o canhotismo era resultado de um nascimento traumático. O resultado é que se fazia de tudo – e alguns ainda fazem – para tirar a criança do "mau caminho". Quando o bebê começava a pegar objetos com a mão esquerda, batia-se naquela mão e o objeto era colocado na mão direita. Levei muitas palmadas da mamãe Júlia por essa teimosia considerada diabólica.

Não assino o nome com a mão esquerda, mas todas as demais atividades (Escovar os dentes, colocar primeiro a perna direita ao vestir uma calça ou vestimenta semelhante; atirar, segurar uma xícara ou copo, talher, etc.) consideradas normais para os destros, executo-as com a mão esquerda. Ambidestria de nascença é bastante rara, entretanto ela pode ser aprendida. Muitos indivíduos ambidestros executam determinadas tarefas apenas com uma das mãos.

O grau de versatilidade com cada uma das mãos é geralmente o fator determinante para a ambidestria. Cada lado do cérebro controla o lado oposto do corpo. O ambidestro, em alguns casos, hesita ante a decisão de qual mão escolher para realizar determinada tarefa. Hoje em dia, é mais comum encontrar ambidestros entre as pessoas que nascem canhotas e são forçadas a executar tarefas utilizando a mão direita, principalmente durante a infância (Esse foi o meu caso).

– Henrique: O senhor é canhoto? Que coincidência! Sou ambidestro, mas assino e escrevo com a mão direita.

– Wilson: Eu também sou assim. Professores têm um histórico de repressão ao uso da mão esquerda. A criança canhota era obrigada a aprender a escrever com a mão direita. As canhotas autorizadas a usar a mão preferida eram corrigidas por escrever "torto", com o caderno inclinado à direita.

Material escolar é um problema para canhotos: a espiral atrapalha o punho, réguas têm a numeração da esquerda para direita (para canhotos o mais fácil é traçar uma linha no sentido contrário) e as tesouras impedem que vejam a linha sendo cortada.

Enquanto em países como o Reino Unido é possível encontrar produtos feitos para canhotos, no Brasil esses objetos são praticamente inexistentes. – A porta se abriu e Luana, esse era o nome da secretária do doutor Henrique, disse com a voz aflautada, quase inaudível: – “A promotora Lindianne mandou um mensageiro entregar este envelope.”.

– Um ar de riso desenhou-se na boca do entrevistado, que se apressou em abrir o envelope cor de rosa, com o desenho de duas crianças abraçadas no canto superior esquerdo. Sem se importar com minha presença Henrique abriu cuidadosamente o envelope onde pude ver um CD com o nome Enya e um diminuto bilhete azulado com dois períodos curtos escritos em letras grandes, redondas e inclinadas:

“Silencioso, entreabres minhas coxas e aninha-te no meu vértice sublime, relicário morno que asperge um cheiro alucinante, agradável e conhecido”. – Mais abaixo o outro período dizia: “E minha boca ávida segue tuas mãos fagueiras que me conduzem alegre e trêmula para o altar dos meus anseios.”.

CONCLUSÃO

Já não havia mais dúvidas. Eu estava entrevistando a mim mesmo! Sei que isso parece loucura, alienação. Alguns leitores vão dar risadas. Outros vão pensar e dirão: "Eita! Energúmeno, paspalhão". A deliciosa e bonita secretária Luana tinha o nome de “Analu” quase às avessas. Entre mim e o entrevistado existiam coincidências inexplicáveis. Ao escolhermos o lanche, optamos pelo mesmo suco, mesmo sanduíche.

Éramos advogados, ambidestros, gostávamos das músicas de Enya, dos clássicos literários; jogavamos xadrez (Na maioria das vezes sozinhos ou com o computador); tínhamos um colóquio íntimo com uma promotora federal de nome Lindianne. Os móveis do escritório de Henrique eram sóbrios. Mais admirável era o ambiente ser, igual ao meu local de trabalho, pouco iluminado. Tinhamos aversão ao excesso de luz (Fotofobia)!

Henrique e Eu éramos autodidatas, perfeccionistas, disciplinados. Nossas palavras eram consideradas magnéticas, licenciosas, às vezes, incompreendidas por ousarem mergulhar na corrente do rio que representa o ser em êxtase, inseguro de suas potencialidades; impetuosas por usurpar pensamentos complexos, pontos nevrálgicos, metas intransponíveis e a deixar no cúmplice leitor a inquieta ideia de perseguir aventura orgástica, impudica, talvez pervertida, revelada de forma simbólica, subliminal, mas satisfatória e lírica, pelo menos para nós mesmos.

MINHA DESPEDIDA E AGRADECIMENTO COM UM BILHETE ESCRITO EM UM SIMPLES GUARDANAPO – 13h52min

Não aceitei o convite para o almoço que seria servido às 14 horas. Considerei a entrevista um sucesso. Eu também havia marcado um almoço com Analu para àquele horário e certamente ela já estaria a minha espera no Campina Grill Restaurante e Chopperia onde degustaríamos uma pizza preparada em forno à lenha ou um prato especial composto de pernil e/ou lagosta, além de uma mesa de sobremesas com musses e tortas variadas.

Antes de sair escrevi um bilhete, às pressas, para entregar ao entrevistado e não chegar atrasado para o lauto almoço. Antes de receber o bilhete Henrique me segredou: "Estou indo almoçar no Campina Grill, situado no Jardim Tavares... Creio que já estou sem tempo...". – Pálido com estas últimas palavras do entrevistado entreguei-lhe o escrito:

“Muito obrigado meu amigo: Somos e estamos alienados, mas também acredito que, apesar da aparente loucura, somos a antítese do bem, da luz e do cheiro, do prazer e da esperança... Somos uma luz difusa que se autorregenera pela força da paz que acreditamos ser possível alcançar. Vivemos em eterna provação aceitável apenas porque, às vezes, cremos ter e ser a força divina da natureza em profusa festa.”.