+0,20 ou +200?
+0,20 ou +200?
Alo turista amigo, que estará transitando no Rio no meio do ano de 2012 para mais um “é vento” (já que as palestras nada produzem de útil) sobre a “sustentabilidade”. Na verdade, mais uma tentativa de “internacionalizar” (leilo-doar) nossas fontes produtoras. Estamos satisfeitos com os dólares que você está trazendo para cá e desejamos convida-lo para conhecer o outro lado da cidade (aquele que escondem dos convidados quando aqui chegam para eventos sérios internacionais). Na verdade, numa época em que a rede de computação penetra até nos arquivos secretos de uma quitanda do interior, com certeza você até já viu algumas imagens da pobreza que nos cerca e que empurraram para baixo do tapete (ou melhor, para além dos campos de peladas do aterro).
Você poderá desfrutar de belos dias de Sol na cidade. Sinceramente, gostaríamos de recebê-lo num dia de chuva. Bastam trinta minutos de água. Você vai pensar que desembarcou no meio do rio Amazonas ao transitar por 30 pontos da cidade.
Ao perceber certa “calmaria” nas ruas, não se iluda. Pela incapacidade de resolver os problemas de trânsito que nos afligem desde 1960, as autoridades optaram por criar “feriado escolar” de 3 dias bem como “ponto facultativo” em diversos serviços essenciais para a população, que por sua vez, pouco está se lixando para a educação dos filhos e atividades estagnadas devido à “burrocracia” propositalmente “insolúvel”. Contanto que não falte o Big Besta Brasil na TV contaminada, está tudo ótimo.
Você já sabe que evitam que nossos governantes trafeguem pela Linha Vermelha, uma via de alta velocidade para o tráfego. É para impedir que fique evidente à opinião geral que este trecho não está mais sob o comando da autoridade pública. Acharam por bem trafegar pela abandonada Avenida Brasil. Passe por lá também. Ao fim do trajeto, pergunte ao cicerone o que fazem com o gordo dinheiro arrecadado pela taxa rodoviária, postos de pedágio, selo de pedágio, IPTU, IPVA e outros menos votados. Se ele enrubescer e se engasgar na hora da inocente pergunta, pode ser alguma espinha entalada na garganta. Ou esquecimento da resposta que lhe mandaram dar, como por exemplo: “as verbas foram desviadas para melhorar a saúde”.
Passado o susto, o guia vai lhe anunciar a bela paisagem da lagoa após o grande túnel Rebouças. Peça-lhe para ver a "lagoa" antes do túnel: a da Praça da Bandeira. Pelo menos nesta, não há registro de mortandade de peixes por falta de oxigênio! Mas depois das chuvas será fácil encontrar ratos, cobras, sapos e assemelhados.
Quando o tempo melhorar, vão leva-lo ao Jardim Botânico. Diga que deseja visitar o Campo de São Cristóvão ou o “piscinão” de Ramos, pois está interessado em conhecer um pouco de nosso folclore. Você vai ficar dividido entre observar a natureza e vigiar os pivetes que estão de olho na sua moderna sacola com o nome de uma das mais conhecidas máquinas fotográficas.
Se o convidarem para banhar-se na praia particular do hotel (na verdade, o hotel se apossou do trecho), diga que prefere a praia do Flamengo, de onde você pode ver o Pão de Açúcar. Apenas um lembrete: não se aventure nas plácidas águas do local, pois além das areias movediças, você se arrisca a contrair o cólera e esbarrar nos “marinheiros” flutuantes. Na areia, os perigos são os "ratos". Sugerimos que você fique dentro do ônibus (com vidros fechados), tirando fotos da paisagem, que é um encanto. Não pense que as UPPs resolveram os problemas crônicos de violência que nos assolam há décadas. Só prenderam um chefe entre os mais de 25 que dominam as comunidades pobres. É apenas um projeto eleitoreiro temporário (até meados de 2016) para manter os traficantes mais assanhados distantes do município do Rio sem exibir seu poderoso arsenal. Eles não estão impedidos de continuar seu comércio através de seus “gerentes” regionais. Afinal, a cota semanal destinada aos lobos do poder precisa ser garantida para que tal comércio se mantenha sem maiores marolas. Por medida de precaução, não visite cidades periféricas sem escolta. Lugares aprazíveis como Niterói, Búzios, Petrópolis, Teresópolis e adjacências passaram a servir de base temporária aos facínoras que antes residiam nas mansões luxuosas no alto do morro.
Certamente vão leva-lo a um CIEPE ou CIAC, ainda cheirando a tinta. Diga que deseja fazer uma visita de surpresa à FUNABEM, para ver como é desenvolvido o programa de "recuperação" dos menores. Serve também o interior de uma escola pública além do Méier. Diga que deseja observar a alegria que deve estar estampada no rosto de cada professor bem remunerado. Se você não encontrar nenhum professor no local, das três, uma:
1- Estão de férias na Argentina gastando o polpudo salário.
2 - Estão fazendo greve só para derrubar o governo local.
3 - Estão fazendo bico como marreteiros (camelôs) para complementar o “alto” salário.
Após o bom almoço, não se meta a herói saindo para dar uma caminhada fora dos domínios do hotel. Você poderá ter complicações com a polícia no momento que um robusto "cidadão di menor" de 17 anos e 11 meses de vida tentar lhe roubar sua capanga. Caso você se atreva a defender seu patrimônio, dando um peteleco na cabeça deste inocente, será cercado por dezenas de policiais bem armados, que vão leva-lo à delegacia mais próxima para levantar sua ficha criminal. Os direitos humanos do cidadão agredido serão lidos até em árabe se preciso for. Dezenas de padres surgirão para defendê-lo contra você, elemento violento. A canivetada no seu braço, foi legitima defesa do "menor", é claro!
Se você tiver um mal estar após esta aventura, vão leva-lo a um desses postos de saúde cujo telefone é múltiplo de mil. Insista que seu estado não é tão grave e que dá para aguentar até chegar ao Hospital Getúlio Vargas. Dai em diante sim, você passa a correr perigo de contaminação. Não se esqueça de levar seu estojo particular de primeiros socorros pois no local deve estar faltando maca, gaze, esparadrapo, álcool, papel toalha e similares.
Também deverão leva-lo ao estádio para assistir a um Fla-Flu, sentado na tribuna de honra. Diga que não está enxergando bem e que prefere ficar nas arquibancadas, para sentir o calor das torcidas. Mas não se esqueça de antes, passar no banheiro, pois nos lá de baixo, você corre riscos de saúde e assaltos.
Seu hotel deve estar de frente para uma bela praia vista da janela. Sim, por que na própria, os vestígios das obras do emissário de Ipanema, deverão deixar uma herança inesquecível por uns 15 anos. Os dermatologistas vão faturar bem neste período. Peça para conhecer os barracos localizados nas cumeeiras (onde dizia o verso: a flor que no cume cheira – hoje em dia cheira mal) das montanhas que nos cercam.
Ao passar por algum banco onde haja uma extensa fila, provavelmente o guia vai lhe dizer que abriram concurso para caixa e que estão oferecendo ótimos salários e existem muitas vagas. Observe com atenção se 98 % dos membros da fila possuem cabelos brancos (ou nenhum cabelo), pele enrugada, pescoço curvado, boca com um mínimo de dentes, aspecto doentio e roupas esfoladas. São nossos aposentados que, após anos de contribuições, foram premiados com esta situação confortável, para receber às vezes, 40 % do que ganhavam durante a vida profissional e não recebem os medicamentos gratuitos a que têm direito.
Ao observar alguma passeata com faixas escritas: "abaixo IPTU alto", o seu guia vai lhe informar que são pessoas abastadas e sovinas (que moram em ruas de terra “asfaltadas” apenas nas guias de pagamento), que não querem contribuir com uma pequena taxa para permitir as obras sociais. É claro que ele não vai lhe dizer que o aumento acima da inflação está destinado a:
1 - patrocinar viagens de autoridades a Fernando de Noronha em aviões da FAB;
2 - pagar jetons para vereadores em sessões extras onde nem a metade comparece;
3 - pagar os aumentos destes mesmos, decididos nestas sessões noturnas e secretas;
4 – cobrir as despesas com este portentoso evento em detrimento de obras sociais.
Se o convidarem para alguma solenidade em algum local onde haja um grande número de autoridades, diga que prefere a segurança de uma gafieira da Lapa, onde você tem certeza de que não vai esbarrar em nenhum “representante do povo”.
Se você já está desistindo da palestra, lembre-se que nós, nativos da bela e adorada terra, passamos por isto todos os dias há dezenas de anos sem tomar uma atitude como vocês em seus países. Afinal, você não tem fôlego para uma semana neste inferno? Por acaso está pensando que nossa cidade possui esta segurança toda exibida na última semana? Fique certo de que quase 9000 homens foram mobilizados apenas para patrulhar e assegurar tranqüilidade nas ruas por onde as ricas comitivas circularam em cinco dias. No resto do ano, é difícil encontrar um policial após o jantar nos bairros da cidade.
Na verdade, é um evento similar ao que foi realizado há 20 anos, batizado de ECO-92. Naquela oportunidade, foi projetado com o intuito de promover políticos e servir de ponto de apoio para o faturamento de centenas de empresas, que passaram a se intitular defensoras do meio ambiental. Suas vendas aumentaram bastante, depois que passaram a desenhar arbustos verdes nos rótulos de alguns de seus venenosos produtos. Até derrubadores da Mata Atlântica se tornaram vigilantes das florestas. E muitas pessoas acreditaram nisto.
E desta vez não é diferente. Apenas aumentou o número de interessados em “apoiar” o evento, que por envolver economia, vai sensibilizar quase 98 % da nossa imprensa. E talvez causar um pouco de ciumeiras no grupo dos G7, nossos eternos credores. Ou dos “sinceros aliados” do grupo BRICA’s.
Depois de terminado o encontro, continuaremos com nossos problemas cotidianos (aumentados devido ao grande número de turistas que passaram alguns dias conosco entupindo as redes de esgotos).
E os espertos idealizadores começarão a bolar um novo grande evento, lá para perto de 2021.
Seja feliz e volte para sua terra natal com nosso lema vivo em sua mente:
Turista amigo viu a “+20”.
Os nativos verão “+200” anos de descaso pelos eleitores.
Haroldo P. Barboza – Vila Isabel / RJ
Autor dos livros: Brinque e cresça feliz / Sinuca de bico na cuca