Entrevistando um suposto alienado – 1ª Parte

Prólogo

Alienado = Diz-se de pessoa que não se interessa pelos acontecimentos do país ou do mundo, ou que não tem conhecimento da realidade social. Pessoa perturbada mentalmente e afastada da sociedade ou do convívio considerado normal. Aquele que não tem consciência da verdadeira natureza dos processos sociais e sua inserção nestes, ou dos conflitos entre classes e da exploração de certas classes por outras.

MANHÃ DE UMA QUINTA-FEIRA CHUVOSA E FRIA – 10h15min

O atarracado empregado, com cara inamistosa, olhou-me desconfiado e apondo a mão direita às costas largas perguntou-me de chofre:

– O senhor é o repórter que vai entrevistar o doutor Henrique? Por favor, mostre-me sua credencial.

Um segundo homem, um pouco mais alto, não menos feio, sério e elegantemente vestido posicionou-se à minha retaguarda. Neste momento lembrei-me de Luzia, amiga virtual, que durante um colóquio me dissera sussurrando: “Homem feio é mais gentil, mais afável e menos egocêntrico. Homem feio não fica se olhando em todos os espelhos e vidros que encontram pela frente - isso ele sabe que quem faz é a gente...”. (Referia-se às mulheres, sem exceção, pois todas gostam de se olharem nos espelhos e/ou superfícies polidas).

Desde a Idade da Pedra as mulheres são atraídas por homens fortes e saudáveis, mas a mulher do século XXI quer algo mais: Quer um homem também que atenda suas necessidades emocionais. Seu cérebro, portanto devolveu em busca de duas exigências “dureza e suavidade”.

Dureza significa que o parceiro deve possuir características genéticas que proporcionem maior probabilidade de sobrevivência e masculinidade para seu futuro filho. E uma maneira de se perceber isso é a simetria corporal.

Para Analu o corpo do homem deve ser igual do lado esquerdo, e do direito, cada membro deve ser exatamente igual. Isso é totalmente diferente de como os homens veem as mulheres – Eles procuram rostos e não corpos simétricos. Mas tanto mulheres quanto homens percebem, ainda que inconscientemente, simetrias como indicadores de juventude e saúde. Da mesma forma que animais simétricos tendem a viver mais que animais não simétricos.

Nisso o ambidestro Henrique levava vantagem. Embora não pudesse ser considerado bonito, aos sessenta e três anos de idade ele era extremamente harmônico pela simetria radial. Além de usar ambas as mãos com a mesma habilidade já lera em um livro de sua autoria o seguinte período: “Se eu fosse o vento... Levaria para longe a saudade de seu encanto, de sua dor, do amor que partiu sem dizer se voltará. Sopraria seus cabelos sedosos e enxugaria seu pranto, alisando sua face, beijando-a, sem me fazer notar.” – (Texto: “Se eu fosse o vento...”). Onde mais seria possível encontrar tanta simetria?

A VISÍVEL ÂNSIA DO ENTREVISTADOR

Eu não podia negar que estava ansioso, inquieto, nervoso. Depois de me identificar fui conduzido a uma ampla sala com iluminação sutil. Um tênue vapor saia de um dos cantos do recinto. Tratava-se de um umidificador que aspergia em borrifos quase imperceptíveis uma névoa perfumosa de madeira exótica. Um som harmonioso, quase inaudível, de leveza excepcional, adentrou-me pela cavidade timpânica direita fazendo vibrar o ossículo em festa.

Numa mesa de centro havia uma revista em cuja capa podia-se ler: Personalidade marcante. Humor. Sensibilidade. Capacidade intelectual. Corpo Saudável. Absorto, contemplando em minudências todo o recinto, embevecido pela suavidade da música relaxante, Eu me perguntava como seria recebido pelo homem a ser entrevistado.

Já ouvira comentários terríveis e horríveis a seu respeito, mas também já havia lido algo muito bom sobre o seu caráter. Henrique tinha a mesma idade que Eu. Também advogado, certamente ele saberia ficar na expectativa de um momento certo para demonstrar sua cultura jurídica e conhecimento das leis. Perturbado ou alienado? Competente ou inteligente? Breve Eu teria uma resposta. Teria?

Tenho visto muita mulher bela, algumas adoráveis, nenhuma tão fascinante como aquela daquele instante. Uma porta muito ampla se abriu e uma encantadora mulher a mim se dirigindo disse: “O senhor pode entrar. O doutor Henrique agora irá atendê-lo”.

Uma pontada no plexo solar fez-me balançar (inclinar) para frente à guisa de uma reverência nipônica. O olhar blasé da “Afrodite”, que se apresentava à minha frente, era um contraste palpável com a indumentária sensual e provocante. Num átimo lembrei-me do primeiro encontro com a menina-mulher Analu.

Como esquecer Analu? Elegância, estilo, charme, delicadeza, meiguice, conteúdo feminil, simétrico e harmonioso, com o sorriso brejeiro, os olhos angelicais e, ao mesmo tempo, maliciosos numa pitada essencial. Analu é a essência da paz. Nua ou vestida ela sabia provocar suspiros como naquele momento fazia a secretária do doutor Henrique em sua aparência surreal.

CARACTERÍSTICAS DO ENTREVISTADO

Entrei na sala esquálida e me vi diante de um homem de estatura mediana, simples, tez morena, fronte ampla e cabelos grisalhos. Um cavanhaque prateado dava-lhe a aparência mais sisuda, embora o sorriso franco, ao me estender a mão firme, não lhe desse a aparência de pessoa séria demais, mal-humorada. Trajava um terno cinza-grafite. Usava óculos de grau forte e armação cor marrom. Na mão esquerda, isto é, no dedo anular, entre os dedos médio e mínimo, um anel de formatura e uma aliança chamativa.

No pulso direito um relógio Bulova, quando Eu esperava um cintilante Rolex, complementava a aparência simples e características do entrevistado. Apesar do olhar franco e firme, Henrique era a antítese do esperado. Minha surpresa vinha da expectativa de entrevistar uma inexplicável figura divina.

Não uso a expressão “esquálida” para me referir à sala como sendo suja e desarrumada, mas na acepção muito pobre, simplória, em contraste com o suntuoso que Eu esperava. Tampouco utilizo a expressão “divina” fazendo referência a Deus ou divindade, mas sim a algo maravilhoso, excelente, extraordinário.

Henrique é um homem simples e mortal. Sério, oportunamente expendia seus conhecimentos enunciando com precisão e clareza, oralmente ou por escrito, sua experiência acumulada ao longo dos anos, na formação acadêmica, nos embates jurídicos nem sempre bem-sucedidos, nas conversas informais com seus pares.

Observação: Este texto, em breve, terá continuidade.