Em busca do outro

EM BUSCA DO OUTRO

Tanto o masculino quanto o feminino, por humanos são limitados e imperfeitos. Na visão do paraíso, quando o Criador contemplou sua obra, ao dizer que “não é bom que o homem esteja só”, ele quis expressar o quanto o ser humano é incompleto estando sozinho. Desde antigamente, quando se queria referir ao outro, marido ou mulher, dizia-se a outra metade, justamente a exprimir essa complementação: o homem é irrealizado sem a mulher, e vice-versa.

Deste modo, quando as carências afetivas da pessoa vão se definindo, o calor e a amizade da casa paterna começam a se tornar insuficientes, levando cada um a partir, em busca do outro. Começa então a fase da procura, da paquera, dos namoros, para tudo se concretizar, sob os auspícios do amor, no casamento. Desde o mais incipiente namoro até a prossecução da vida matrimonial, é imperioso sempre andar a procura do outro. As pessoas casadas há mais tempo sabem que a cada dia ocorrem novas descobertas, e às vezes, surpresas. Tendente a um certo fechamento, o ser humano consegue, algumas vezes, mascarar sua forma de agir. A continuidade, o amor, a confiança, fatores que geram a maturidade psicológica do indivíduo, quebram essas barreiras, levando a pessoa a revelar-se.

Como afirma o psicólogo R. Aripe, “À medida que cada um vai se abrindo para o outro, descobrindo o seu tesouro interior, deixando que o outro o conheça, buscando conhecer esta mina de ouro que é o outro, vai-se aprendendo a amar, a ser amigo. Um amigo a gente ama...”.

Ao buscar no outro a metade que falta, qual uma laranja separada em dois hemisférios, a pessoa busca aquela complementação que irá realizá-la, satisfazê-la e torná-la feliz. É lamentável se ver casais que nunca se encontraram. Viveram anos e anos na mesma casa, tiveram filhos, toleraram-se mutuamente, amealharam razoáveis patrimônios mas, na verdade, nunca se amaram, jamais se completaram. Os estudiosos do comportamento tem, modernamente, adentrado em análises mais individualistas e eminentemente técnicas, negligenciando, de forma freqüente e até irresponsável, a influência da configuração afetiva na formação da pessoa, como também, o peso que a família representa, na construção de uma sociedade sadia.

Limitam-se mais, aqueles especialistas, em geral com alguma teoria e pouca experiência humanística, a enfocar a influência da sociedade na pessoa e na família, e não o inverso, que é - a nosso juízo - mais importante, por se tratar de um ponderável agente de mudanças. Assim como é válido dizer que as pessoas vão mal por causa da sociedade, talvez seja mais válido até afirmar que a sociedade não muda porque há muito as pessoas deixaram de buscar uma transformação interior.

Casar, antes de significar um contrato moral, uma cooptação de vontades, um ato jurídico ou uma conjunção sexual, deve significar um ajustamento integral de dois seres. É certo, pelas razões já aludidas aqui, que esse ajustamento é gradativo, pois tímida ou retraída, a pessoa necessita de muito tempo para revelar-se e para integrar-se à outra. A busca gera o aprendizado que leva à integração. Isso requer tempo, paciência, entrega e muito amor. O casamento não é só um dia... Casamo-nos todos os dias. A busca do outro não ocorre só quando estamos sozinhos. Ela deve perdurar sempre. São incontáveis as vezes em que, sucedendo uma separação ou um ato excepcional dentro de um casamento, uma das partes diga “Puxa, vivi com ele (ela) todo esse tempo e nunca suspeitei de nada...”. Isso evidencia que, por não terem saído, um em busca do outro, no mais profundo espírito de integração, um era completamente desconhecido para o outro. E o pior: essas descobertas às vezes ocorrem, dez, vinte anos depois.

Os mestres afirmam que “a família é a célula primeira e vital da sociedade”. Em paralelo com essa manifestação as ciências sociais têm elaborado teses que convergem com tal afirmativa. Toda a composição social tem na família sua gênese e modelo. Essa projeção tem base nas formulações sociológicas da primeira metade do século XX, quando foi dito pelos grandes mestres – a partir de Max Weber – que a sociedade é uma ampliação da família, e que traz na constituição de seus arquétipos todos os valores familiares, como amor, respeito, solidariedade, proteção e compromisso. Se a sociedade moderna vai mal, é porque muitas famílias perderam o referencial de valor que as constituiu no princípio. E se a família não vai bem é porque sua estrutura está corroída pelo egoísmo, pelo individualismo que impede cada pessoa sair em busca do outro. Ao ensinar que “Deus é amor!” o evangelista João diz também que o amor bane o medo, a divisão e o egoísmo.

Contra o egoísmo os esposos e a família como um todo devem estar sempre alerta. Como pode alguém querer ir a procura do outro, se está radicalizado no culto a si mesmo? O egoísmo faz parte dos desajustes humanos e, se não for bem controlado, volta-e-meia aparece bem ativo num e noutro comportamento. Quem ama de verdade (assim como Deus nos ama) é convidado a sair de si; é impelido na direção do outro, com o intuito de construir-lhe a felicidade. O sinal do amor, sua pedra de toque reveladora, é a capacidade para sacrificar-se pelo bem do outro. Amar - dizia Santo Tomás - é querer é realizar o bem do outro, mesmo com o próprio sacrifício. Nesse particular, nunca é demais afirmar que, via-de-regra, as mulheres são mais capazes desses sacrifícios...

Então, como é o amor? Deus é amor, o amor vem de Deus! Ora, se Deus é amor e o casal busca formar ou consolidar uma aliança de amor, não é óbvio que seja necessária a presença de Deus, nessa sociedade? Deus é a rocha segura onde o matrimônio funda sua esperança. Essa esperança não é um sentimento piegas ou alienado, mas um verdadeiro dom de amar sempre, e cada vez melhor. Quem quer que seu amor não passe, precisa buscar o Deus eterno para junto de si. Com essa “coligação”, o amor nunca há de passar...

Filósofo, Escritor (autor de vários loivros sobre "Família") e Doutor em Teologia Moral