O amor

O AMOR

O ser humano foi feito – trata-se de um axioma psicossocial – por amor e, sobretudo para o amor. Analisando o homem e a mulher, desde a criação, veremos que o amor é a tônica que conduz e impulsiona a vida humana. Fomos criados à imagem e semelhança de um Deus-amor, numa legítima prova de amor. Depois o homem errou, ficou vaidoso e soberbo, e seduzido pelo mal, quis ser igual a Deus. Foi expulso, castigado, tornou-se mortal, necessitando trabalhar, para com o suor de seu rosto obter o alimento.

Diante dessa ruptura, verdadeira desgraça na vida humana, o amor de Deus mandou seu filho Jesus Cristo para a nova aliança, para a reconciliação definitiva, de novo abrir as portas da eternidade, que foram fecha-das pelo pecado de Adão. Os humanos, além de não reconhecerem esse gesto de amor, crucificaram o mensageiro. Deus, mais tarde, nos mandou Cristo que esta-ria no meio dos homens, e assim nos acompanharia até a consumação dos sécu-los. “Ninguém tem mais amor que aquele que dá sua vida pelos seus...”

O amor humano é frágil. Mais que isso: inconstante e vulnerável aos mais variados e contraditórios estímulos. O fracasso reside, muitas vezes, em relação às famílias, quando os casais ignoram essa fragilidade, e contra ela não buscam o remédio adequado. A vida humana só se realiza se for vivida com amor. O homem só vive se souber amar. Quem demonstra, em sua vida, práticas auto-suficientes, terá deixado de amar, porque a auto-suficiência nos afasta do contato com o outro.

O amor, portanto, norteia nossa vida. Ele aproximou nossos pais e, como fruto desse amor, nós fomos constituídos para, numa seqüência natural, também atra-vés desse grande sentimento, perpetuar nossa espécie, transmitindo a vida a nos-sos filhos, enriquecendo-os com a capacidade de amar e sentir os efeitos do amor.

A maior tragédia de uma união ocorre quando duas pessoas, cheias de qua-lidades não são capazes de dar algo para enriquecer e fazer feliz o outro, pois só pensam em si próprios. Esse egoísmo mata uma relação e, pior: gera o maior ve-neno, que é o egoísmo vivido a dois. O egoísta não ama; quer ser amado. Não dá, quer receber. Não se entrega; quer ser dono. Busca mais competir e vencer do que harmonizar.

Quando se pergunta, a jovens candidatos ao casamento, por que re-solveram casar, a resposta mais freqüente é: “quero casar para ser feliz, ora!” Notem quanto egoísmo vai nessa afirmação: casar para ser feliz! Pelo contrário, seria interessante, nobre, construtivo, casar para fazer o outro feliz, e depois, com base nessa felicidade proporcionada, tornar-se feliz. Mas não.

Muita gente de nosso tempo, de nossa sociedade de consumo, vê no matrimônio uma possibilidade a mais de consumir, nem que seja o outro, a felicidade teórica. O sociólogo alemão Hermann Oeser, em seu livro Ich Liebe, ensina: “Quem deseja ser feliz não deve se casar O importante é tornar a outra pessoa feliz. Aqueles que desejam ser compreendidos não devem se casar. O importante é compreender o outro. Quem busca a realização num casamento, não deve se casar. O funda-mental é que o outro se realize”.

Viver é estar em comunhão. A vida a dois é uma união de duas pessoas dife-rentes. O casamento, não é um dia só; dura uma vida inteira. Estamos nos casan-do todos os dias. As pessoas, por diferentes, têm seu próprio caráter, sua personalidade e junto, também, suas limitações, seus defeitos. O ajustamento, se não houver um amor de verdade, mesmo na riqueza e com outros atributos humanos, jamais acontecerá, justamente porque faltará aquela adaptação das individualidades, que só se consegue com aquela entrega que brota do amor.

Os atributos essenciais, constitutivos até diríamos, do amor, e mais precisamente do amor conju-gal são a entrega, a confiança, a fidelidade, a renúncia, o perdão, o carinho, a soli-dariedade com os problemas do outro, a gentileza. Tudo isso, empacotado por uma ponderável maturidade psicológica, dá ao casal, as ferramentas para iniciar a grande construção de uma casa, não de qualquer material humano, mas a casa afetiva do casal, o lar, a casa-sentimento, sonhada por todos.

Nessa perspectiva, vamos descobrir que o casamento é a perfeita realização do amor de um homem e de uma mulher, e assim, esse amor torna-se, em contra-partida, origem, força e finalidade do matrimônio. O ser humano só se realiza através do amor; só vive se souber amar, dizem os peritos em comportamento. Quando encontramos pessoas tristes, amarguradas, frustradas, veremos,

facilmente que, perderam o referencial do amor ou nunca souberam, de fato, amar. O forte apelo da sensualidade gera, em muitos casos, a ilusão. A atração física, a carência afetiva, o desejo de conhecer o amor, os carinhos mais liberais, tudo isso pode dar a impressão de um grande amor. E às vezes não é.

Na busca de uma união entre homem e mulher, deve funcionar a maturidade. Se os dois conseguirem distinguir a diferença entre paixão e amor, está real-mente maduro para ir em frente. Paixão vem do pathos, que no grego serve de raiz para enfermidade, ou seja, uma ilusão, quase doença, que cega e tira a capacidade de decisão. Tanto assim, e os mais velhos podem testemunhar isso, que, grandes e calorosas paixões, daquelas ditas definitivas e irrevogáveis, depois que passa-ram, embora com algum sofrimento, deixaram claro a idéia de ilusão, e a consciência de que, se fosse levada adiante, teria gerado um enorme fracasso. E o pior: paixão dá em qualquer idade. Não se pense que é só coisa de gente jovem. Cuida-do, portanto!

A imaturidade com que alguns se atiram ao casamento, gera feridas em si, no outro, nos filhos e na família, difíceis de sanar. O grande problema é o engano que certos casais cometem, casando quando deveriam aguardar mais, e quando vão se dar conta do engano, a coisa já está feita e não dá mais para retroceder. Aí só resta viver brigando, abaixo de traição, ou separando-se, com todos os problemas decorrentes dessa atitude.

O tempo também investe cruelmente contra o a-mor. A rotina decorrente dos anos que passa, serve, em muitos casos, para anes-tesiar os sentimentos. O que era amor converte-se em simples amizade, respeito e conformismo. Com o tempo o casal perde o romantismo, esquecem-se as datas importantes, como o dia em que se conheceram, o primeiro beijo, o noivado, a data do casamento, etc. É raro, depois de certo tempo, um casal continuar romântico.

O pior inimigo do amor é a rotina. Ela gera acomodação, cria pó e teias de aranha sobre os sentimentos. Algumas pessoas acham que a operação conquista só é válida no período de namoro. Depois, cria-se aquela perniciosa estabilidade, capaz de, numa hora imprevista, botar tudo a perder. Além disso, aliam-se outros problemas, o tempo faz aparecer, nos dois, as rugas, o cabelo branco (ou a queda dele), a gordura, a flacidez, etc. Ao contrário da esposa vaidosa, agora ela o recebe de qualquer jeito. Ele, por sua vez, chega tarde em casa, esqueceu o endereço do florista, sua aparência já não é esmerada.

Esses são sérios inimigos de um casa-mento, e porta aberta para a entrada de perigosos agentes externos, plantados com muita propriedade por uma mídia hedonista e de moral duvidosa.

Quando um casal traz consigo um verdadeiro amor, o tempo passa, mas ao invés de corroer o sentimento e fazer despontar coisas menos nobres, como o ego-ísmo e a intolerância, ele mais enraíza o amor, sedimenta a confiança, reforça a fidelidade, fortalece o convívio. Um casal que consegue estruturar seu lar desse modo, vive em uma casa formada sobre rochas. A rocha, sabemos, é melhor alicerce que a areia.

O amor familiar e conjugal sofre atentados todos os dias. Primeiro são os meios de comunicação de nossa época que, fiéis a uma nova moral, situacional, eminentemente pragmática e funcionalista, pregam um amor livre, descompromissado, existencialista. Depois, nossa condição econômica de país de Terceiro Mun-do, gera nas pessoas uma necessidade de sobrevivência que chega a obscurecer a vida sentimental e afetiva numa família. De conseqüências tão marcantes para a vida humana, casar-se, viver numa comunidade de amor, é um mistério de unida-de que não pode ser comentado em poucas linhas. O amor justifica quaisquer sa-crifícios, pois só ele traz, ao ser humano, a felicidade completa e duradoura.

Quem não buscar, com afinco, essa vivência, infelizmente vai engrossar o número de desestruturados, frustrados, descasados, vazios e solitários. Amor é um assunto que não se esgota.

O autor é Filósofo, Doutor em Teologia Moral e Escritor, com mais de 100 livros publicados no Brasil e Exterior, entre eles “Quer casar comigo?” (Ed. Paulinas). “A família Mo-delo” (Ed. Loyola), “A casa sobre a rocha” (Ed. Vozes).