A ética coletiva e o jeitinho brasileiro

Reportagens sobre grandes esquemas de corrupção pela relação promíscua entre empresas de atuação duvidosa e altos signatários do governo já perderam a conotação de "escândalo" junto à população, de tão rotineiras que se tornaram em todos os quadrantes do território nacional.

A esse respeito Ricardo Semler, empresário que ficou conhecido pelo best-seller "Virando a Própria Mesa" há alguns anos, afirmou em seu livro que é impossível ser industrial neste país sem ser corrupto, tantas e tamanhas são as "maracutaias" que permeiam suas atividades e dentro das quais não resta alternativa senão fazer parte delas ou se debater no mar para morrer na praia. .

De certa forma, embora a exorbitante carga tributária a que está submetido o cidadão brasileiro não deixe dúvidas do quanto a afirmativa se aproxima da realidade, é fato também que uma esmagadora maioria da sociedade utiliza esta mesma lógica para justificar suas ações despidas de qualquer sentido de moral ou de ética. E isto se generalizou de tal forma que não podemos mais falar de ações pontuais, mas de uma cultura que se instalou e passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, que sequer conseguem fazer a distinção entre certo e errado, entre ético e não ético, lícito ou ilícito no seio do convívio social.

A corrupção, nesse contexto, passa a ser mera conseqüência deste padrão amoral ao qual somos iniciados deste a mais tenra idade. A desonestidade, o engano e a falta de caráter é algo intrínseco e altamente difundido na maioria das atividades empreendidas neste país, razão porque me posiciono como um ferrenho combatente do tal "jeitinho brasileiro".

Se for feita uma pesquisa nas ruas é certo que muitos dirão que são da mesma opinião mas, na prática do dia-a-dia, as mesmas pessoas que declaram insurgir-se contra o aviltante uso do "jeitinho" cometem atos que vão desde tomar lugar na frente de uma fila, calar-se ao receber um beneficio indevido da previdência, até entrar na campanha para eleger o "amigão" que promete colocá-lo na folha de pagamento de empresa pública na qual nunca fará o caminho para o cartão de ponto. E todos se acham plenamente justificados na crença de que "estou pegando de volta um pouco do muito que o governo me tira!".

Não resta dúvida de que este tipo de pensamento aplaca muitas consciências a partir do momento em que é público e notório que o governo fica longe de cumprir com a sua parte. Só que isso não se pode constituir em fator decisivo para a perda generalizada de referenciais e de renúncia absoluta ao sentido de valores pelas pessoas.

Vou mais longe em se tratando de avaliar essa prática quando utilizada com conotação de malandragem: se ainda existe a vontade de enganar, a real intenção de se fazer "esperto", ainda há esperança de que o processo seja revertido, pois têm-se consciência de que se está cometendo ilícito, o entendimento de que se está utilizando um recurso desleal ou desonesto. O mais grave – e é o que já se apresenta amplamente difundido na cultura deste país – é quando se perde a noção de que tais atitudes se constituem em ações indignas e contrárias a qualquer sentido de cidadania.

Tenho para mim que o indivíduo aético se mostra potencialmente mais perigoso do que o antiético, já que este último tem consciência plena de que está cometendo ilícito passível de sanções legais, e isso faz o divisor de águas. Sabedor disso, precisará buscar soluções criativas para driblar a lei que terá contra si, o que deixa nítida a fronteira entre licitude e crime.

Quando, no entanto, se perde a noção entre o lícito e o ilícito, ou entre aspirações legítimas e interesses escusos, com a população passando a achar natural a prática do pequeno "delito nosso de cada dia" - como acontece corriqueiramente em nosso país - aí sim, tem-se o maior indicador de que a moral pública sofreu uma derrocada significativa, e não se sabe mais se isso poderá ser revertido algum dia. A situação passa a integrar a cultura nacional e ser tida como uma característica do perfil de seu povo ou (o que é pior!) até uma de suas "qualidades".

Chega-se assim ao estágio mais degradante do sentimento coletivo, pois que a prática passa a ser entendida como um "diferencial competitivo" digno de imitação pelos que percebem uma parte significativa da população se saindo bem pelo seu uso, e a ser vista como um modelo de sucesso a ser copiado quando o objetivo é "chegar lá". Tal entendimento é um desdobramento inevitável dessa perda coletiva de referências simplesmente porque ninguém acha que está fazendo qualquer coisa errada. O contexto já se encontra degenerado de tal forma - e seu esquema de valores tão deturpado - que tudo passa a ser "natural" e válido, desde que o resultado obtido seja considerado como "uma boa causa".

O país do "jeitinho" é a mais verdadeira das nossas realidades! Quem duvidar disso infelizmente poderá constatá-lo quando já for muito tarde para reverter os prejuízos! Afinal, "o negócio é levar vantagem em tudo, certo?". Enquanto não nos cobrarmos - todos de todos e cada um de si mesmo - uma postura ética de tolerância zero, não tenham dúvida: nada irá mudar!

*Luiz Roberto Bodstein é Consultor de Organizações, Bacharel

em Direito e pós-graduado em Docência do Ensino Superior,

especialista em Sistemas de Gestão pela Qualidade pela Penn

State University - Pensilvânia, e em Planejamento Estratégico

pelo Human Resources Institute, de Londres. Autor de diversos

livros sobre consultoria e “coaching” empresarial, com trabalhos

publicados em revistas especializadas, além de inúmeros artigos

em jornais como O Globo, Jornal do Brasil e Diário do Comércio.

Foi professor da Fundação Getúlio Vargas (Cademp) para cursos

de Administração de Empresas e Consultor em Gestão Empresarial

para o IBQN-Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear.

Atualmente é Diretor da Ad Modum Soluções Corporativas,

Consultor e docente do Grupo PDCA em Gestão de Processos e

Logística Empresarial, e também do SEBRAE.

Todas as obras publicadas do autor podem ser encontradas em:

http://www.skoob.com.br [buscar pelo nome do autor]

http://www.lojasingular.com.br [buscar pelo nome do autor]

http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF1_ShopWindows.aspx

Luiz Roberto Bodstein
Enviado por Luiz Roberto Bodstein em 01/05/2012
Reeditado em 14/08/2014
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