Cada um paga a sua

QUE SAUDADES DOS TRENS!

Morador da Capital só fui travar relações com os trens a partir da idade adulta. Em 1961, então recruta do Primeira Companhia de Guardas, fiz parte de um numeroso contingente que foi a Uruguaiana para fazer o policiamento do encontros dos presidentes Jânio (Brasil) e Frondizi (Argentina). Foi um evento sacrificado, com viagem de vinte e quatro horas de Porto Alegre e Uruguaiana, em banco de “segunda”, além de várias noites mal-dormidas por conta do trabalho de guarda, policiamento e desfile. Mas isto, para quem tem dezenove anos, se tira de letra.

Depois, em 1966, já profissional da Caixa, fui mandado para gerenciar a agência de Jaguari, com o trem saindo da Capital às nove da noite e chegando ao destino, depois de uma “baldeação” em Santa Maria, às onze e meia de manhã. Talvez alguém pergunte: mas por que trem? O ônibus não era mais rápido? De fato, era, mas... A estrada, quase quinhentos quilômetros entre Porto Alegre e Jaguari, deveria ter, no máximo, uns 100 quilômetros de asfalto, o resto era barro. pedra e buraco, tudo de fazer inveja às vias do inferno.

Tais limitações ocasionavam literalmente a demolição de um carro por ano. Por conta disto, para passar o fim-de-semana na Capital, eu mudei de estratégia: um dia antes eu requisitava um vagão para transportar meu veículo. Lá se ia o carro, seguro, limpo e seco, nos mesmo trem que me levava como passageiro. No domingo à noite, a mesma coisa para voltar. O custo do frete era o mesmo que duas passagens (eu e a mulher), isto sem contar os gastos de combustível e lavagem do carro.

O gostoso nessas viagens eram as cabines. Viajava-se com segurança e conforto, a janela aberta e o sono solto. Se apertasse a fome e a sede, ia-se ao “vagão restaurante” para um lanche, uma janta ou um drinque. Lembro que uma vez a sogra viajou conosco. Eu e ela comemos pastel com cerveja a noite toda...

Depois os trens a diesel foram trocados pelo “Minuano” e pelo “Pampeiro”, mais seguros, rápidos e com um plus de conforto encontrado hoje nos trens europeus. A viagem rodoviária era um risco constante. Ficamos mais de uma vez atolados na lama, na madrugada, com vários pneus furados, sem condições de planejar uma viagem.

A questão dos trens no Rio Grande do Sul apresentava duas aberrações. A primeira, muito antigamente, na era Vargas, os trilhos foram projetados em bitola mais estreita, pois temiam que a Argentina ou o Uruguai invadissem o Brasil por via ferroviária. Perdeu-se tonelagem e velocidade. Pode uma besteira dessas?

Depois, na era JK todas as ferrovias foram sucateadas, em favor das fábricas de pneus e motores. Na ditadura, a partir de 1964, os militares, esclarecidos como sempre, deram a pá de m. que faltava, acabando com o transporte dos trens de passageiros.

Trem hoje, só no cinema. É por isso que dá saudade deles...