QUEM NÃO MENTE?
Por Carlos Sena
Mentir é tão humano quanto errar. Dever-se-ia dizer não só que errar é humano, mas mentir também. Mentir é um manto social que as pessoas se utilizam pelos mais diversos motivos. Um deles, talvez o mais antigo, é aquele divulgado pela bíblia quando Pedro negou Jesus três vezes antes do galo cantar. Nesse caso, negar foi mentir acerca do Criador – alguma lição para que se prosseguisse mentindo depois de tanto tempo? Talvez não, mas a mentira tem algo em comum com o amor. Amor e ódio geralmente caminham juntos. Verdade e mentira também. Por Carlos Sena
Há vários tipos de mentiras e vários tipos de mentirosos. Há quem diga que “mentiu” em função de algo que poderia se tornar uma catástrofe. Há quem minta simplesmente porque minimiza a mentira em seu favor. Há quem minta por patologia. Há quem minta como forma de jogo nas relações interpessoais tipo “fofoca”, etc. A mentira e o mentiroso têm uma profunda intimidade. Por isto fica difícil separar ela do seu elucubrador, principalmente porque fica complicado separar uma construção imaginária de símbolos falsificados sem que o seu “provedor” esteja contido.
Mentir muitas vezes funciona como ironia. Quando se quer dizer sim e se diz não. Quando se quer ficar e de fato ir embora é o que acontecerá. Mentira nas relações afetivas entre namorados, por exemplo, é por demais complexos. Nesses casos as simbologias que transitam no imaginário dos atores poderão ser fictícias em função de quem transforma a relação em jogo de poder – poder afetivo, físico, financeiro, sexual, etc. Por isto é que talvez o senso popular instituiu a frase: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”... Qualquer um que se aventurar, por exemplo, dar conselhos, certamente poderá ficar em situação embaraçosa diante dos “amantes”.
A mentira patológica é caso sério. Os protagonistas se alimentam de suas verdades mesmo que para isto alimentem suas mentiras. Geralmente a megalomania acompanha, em forma de brinde, os mentirosos doentes. O pior é que muitos não se tratam posto que transformaram suas mentiras em suas verdades absolutas. Mentem com tanta propriedade que convencem facilmente quem não se debruçar criticamente acerca do que eles dizem.
Também há aqueles que mistificam a mentira. Fazem retórica delas em nome de não serem mentirosos na sua forma clássica. Muitas vezes OMITEM fatos propositalmente, mas quando são chamados a prestar algum esclarecimento colocam a culpa nos outros sob a alegação de que estava “implícito” o fato advindo da mentira. Admitem, portanto, que não mentiram, mas se omitiram apenas. Essa “bola de neve” não tem fim quando se mexe muito com a busca da verdade. Talvez por isto, o senso popular criou a expressão: “a mentira muitas vezes repetida vira verdade” – é essa a impressão que nos dá. Outra: “Não basta ser honesto, tem que parecer honesto”, ou seja, não basta mentir tem que parecer falar a verdade, senão não valerá?
O ser humano é essa fantástica construção em que o riso pode virar choro e a mentira, verdade. Afinal, o que dá pra rir dá pra chorar! Até na poesia a mentira se esconde: “mentira de água é matar a sede”... As artes todas imitam a vida e, certamente, contêm mentiras em suas tonalidades diversas.
Outro viés da mentira é o fingimento. Fingir é como que mentir fantasiado em dia de carnaval! Não vejo como o fingimento não seja a mentira ensimesmada. Talvez o matiz disto seja a forma de se comportar que não se expressa somente em palavras. Fingir, por exemplo, que está feliz, é mentir acerca do sentimento só que sem palavras. Poderíamos então dizer que a mentira clássica é quando alguém diz uma inverdade. Fingir é uma inverdade em gestos e atitudes. Por outro lado, a OMISSÃO seria uma mentira que pode estar no nível do fingimento, mas a serviço da mentira propriamente dita tal qual o próprio fingimento. Tingimento, talvez seja o matiz da mentira que se nutre da oralidade e de gestos para se estabelecer no relacionamento social na modalidade de “jogo” das relações.
Portanto, mentir é humano. Errar é humano, da mesma forma que falar a verdade e acertar também. Compete ao ser humano colocar no meio deles a ÉTICA como forma de compor importante quadro de decência nas relações sociais em que a educação se torna imperativa para a convivência saudável entre as pessoas.