AREEIRO PARTE V

Com o tempo, gradativamente as ruas foram assumindo seu traçado projetado na planta do loteamento, mas, apesar do acesso agora facilitado, havia um problema mais sério afligindo a vida dos moradores.”A falta d’água” para uso doméstico. A grande alternativa consistia na produção de “cacimbas”. Daí reservar-se na planta do terreno um espaco específico para sua construção. Os moradores situados em regiões mais altas enfrentavam dificuldades maiores na construção de suas cacimbas pela profundidade dos veios d’água a serem encontrados. Uma alternativa freqüente era beneficiar-se da amizade de outros moradores portadores de cacimba ou então, submeter-se a compra de galões d’água aos ‘Capitães das Águas’.

Um galão tem 3,6 litros e uma lata contém 18 litros. Logo, os fornecedores de água de ganho que utlizavamm-se das latas de 18 litros para transportarem seus produtos e atenderem aos seus pedidos, estavam remando contra a maré, ou seja, trocando coelho por hamster. A condução dos galões d’água era feita de diversas formas:

I- À pé, usando os braços como alavancas e as mãos para sustentar o produto. Neste caso, as mãos avermelhavam e eram vítimas de calos constantes. Ainda com relação a esta forma de transporte , o melhor seria transportar duas latas de iguais volumes e conteúdo para não lesionar a coluna vertebral. Aqueles que transportavam uma lata apenas, deslocavam o ponto de equilíbrio para um dos lados, sendo acometidos de dores lombares e da coluna, se fosse frequente o procedimento. Era freqüente o ballet de pessoas comprometidas nessa operação.

II- À pé, utilizando uma madeira roliça disposta transversalmente sobre os ombros e, dotadas em cada extremidade, de cordas usadas para amarrar as latas.

III- III- À pé, usando como apoio o teto da cabeça, protegida ou não por uma tira de tecido em forma de rosca ( Rodia ), onde se assentava o fundo da lata. A preocupação agora seria com o pescoço no sentido de equilibrá-lo de modo a não sofrer danos na coluna cervical. Vez em quando aparecia um “malabarista de cabeça” que além do transporte do produto, dáva-se ao luxo de parar, conversar, sorrir, subir, descer, como se a lata fizesse parte de sua anatomia. Em passos sincronizados, existia um ceguinho tio de Geraldo, que muitas vezes fora encontrado caminhando pelas ruas, desenvolvendo esse tipo de malabarismo sem enxergar.

IV - Usando animais como o burro e o cavalo. Mais freqüente era o uso de um burrinho, adornado de cangalhas onde as latas eram colocadas. Tais cangalhas diferiam das usadas no transporte de areias, por algumas apresentarem uma portinhola frontal com ferrolhos laterais que se fechavam na própria madeira utilizada em sua construção. Quando a entrega era feita em locais relativamente altos , ainda amarrava-se a carga com cordas transpassando toda carga. Vale lembrar que o "Capitão das águas", também assumia o posto de ‘Capitão das areias’ quando possível.

Lembranças são como cenas repetidas de um filme que você já assistiu. Vez em quando abre-se a porta do passado e novamente você se vê, ali do lado, assistindo tudo outra vez. E assim aconteceu em relação a uma figura feminina com mestrado e doutorado na arte de sustentar sua família fazendo uso do transporte de água. “ Pastora” era assim mesmo como o povo a chamava. Entendia de tudo sobre coleta, transporte e venda d’água. Usando seu burrinho acompanhando seus passos, indo e vindo do cacimbão público existente na entrada do Areeiro, até o destino previamente traçado, cumprindo à risca com suas tarefas e contando com o auxílio de uma filha menor, esta, ocupada em preencher os vasilhames de reserva, durante todos os dias, sob a luz do sol e os olhares curiosos de quem passava.

A água utilizada no dia a dia para fins diversos, inclusive aquela coletada dos cacimbões era tratada à base de cloro que combatia os germes patogênicos e o gesso que promovia uma melhor clarificação do líquido. A utilização da água também gerava outro tipo de sustento à certas pessoas. A lavagem de roupas. As lavadeiras de roupas buscavam os riachos, como o “Viana” para se desincubirem de suas tarefas. Interessante mencionar que nesses mesmos locais, os proprietários de cavalos, além dos cachorros que os acompanhavam eram banhados. Comum eram os dejetos de animais encontrados na mesma água utilizada para o homem nadar e tomar banho. Comum também ouvir-se dizer que durante e/ou após o banho sentia-se uma coceira irresistível na pele. Pois bem, as larvas ( cercárias ) do Schistosoma mansoni , agente etiológico da Esquistossomose, tendem a penetrar na pele do indivíduo para completarem o seu ciclo . Tendo no homem o seu hospedeiro final ou definitivo e no Caramujo da espécie Biomphalaria glabrata, seu hospedeiro intermediário. Portanto, a penetração das cercárias no homem, provocam irritação de pele e culminando com o aparecimento de coceiras.

Paullo Carneiro
Enviado por Paullo Carneiro em 02/03/2012
Reeditado em 16/03/2013
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