AREEIRO PARTE I

“Tempo de criança é tempo de esperança, tempo que conduz o ser a um mundo de eternas lembranças eivadas pelo frescor inusitado de momentos que não voltam mais... a não ser, através do pensamento que, por sua vez, é capaz de rebuscar e transpor qualquer anteparo que limite o ontem e o agora.

Chegando ao “Areeiro’ no final da década de 50 do séc. xx, qualquer um perceberia claramente as prováveis dificuldades a serem enfrentadas pelos possíveis moradores. A Geografia Física do loteamento demonstrava a presença de vários morros que circunscreviam um bosque que se prolongava em quase toda extensão do terreno. Tinha o formato espiralado, exceto na extremidade em que se abria uma clareira e aonde desembocava um grande volume d’água nos dias chuvosos. A Foz das enxurradas se concentrava ali... trazendo consigo os grãos de areia erodidos e arratados dos morros. A performance ambiental seria digna de preservação e conservação. Tinha-se a impressão de estar-se adentrando a um bosque virgem e livre da predação humana.
O Areeiro era uma ilha de areia de enxurrada cercada de “mato e morro” por todos os lados... Pois é! A geografia do Areeiro desmistificava a idéia única do “mato e morro” como objetos de coragem para prática de delitos. Ainda assim, a aquisição de um lote representava o velho e conhecido sonho da propriedade, e que ainda hoje perdura, por sinal, em maior escala entre a população brasileira. Tal sonho, tirou o sono de muitos que se predipuseram a enfrentar o desafio... um verdadeiro desafio à capacidade de sobrevivência humana num ambiente sem água apropriada para o uso doméstico, sem energia elétrica, sem saneamento, transporte coletivo... coabitado por insetos, alguns hematófagos que adoravam "cantarolar" enquanto sorviam o sangue de quem se aventurasse dormir à noite, além da ação de outros seres inconformados com a invasão de seu “habitat” natural.
Noites escuras, vultos no caminho, silhuetas de gente cansada voltando aos seus abrigos e o aconchego dos seus...Porém, nas manhãs seguintes as folhas das árvores balançavam ao ballet dos pássaros, pulando de galho em galho, emitindo seus cantos naturais, polinizando às flores, em reverência à luz do sol que ia lentamente se debruçando sobre o manto verde da paisagem. Canto coral dos passarinhos inebriando mentes sofridas, aguerridas, assolapando ao vento a terra que escolhera prá morar, construindo seus abrigos, envidando esforços sincronizados, prazer refletindo na fronte, o alçar de um novo horizonte, a certeza na vida, emoção incontida, de cedo ou mais tarde, quem sabe, amanhã talvez, mas um dia chegar...Realidade se faz através de sonhos !
E a vida repetida ganhava contornos de tristeza quando as cigarras anunciavam ao cair da tarde, com todo alarde e rara beleza em forma de estrilos percussivos e alternados, o ninar de mais um dia que dormiu...
Em contrapartida, entravam em cena as crianças a energizarem o que sobrara no relógio do tempo para a dissipação de mais um dia... com suas brincadeiras, seus gestos, seus afetos, seus segredos, seus sorrisos, seus gritos, alguns aflitos, outros de surpresa e satisfação, sem darem-se conta das intempéries do dia-a-dia e acreditando nas fantasias da juventude como forma única e plena, além de descomprometida em superar atropelos, com desve-los, em direção a um novo amanhã. Tempo de criança é tempo de esperança, tempo de descoberta, tempo de plantar, tempo de sonhar por maior que sejam as atrocidades da vida. Há sempre uma nova esperança ! Há sempre um novo lugar! Vale a pena sonhar. Sonhar na perspectiva de transformação, também em busca do melhor para o seu coração!
Assim, quando chove e o vento bate ao peito, a saudade vem sem jeito relembrar do meu lugar. Terra cheia de areia de enxurrada. Lembranças reveladas, transportadas pelo tempo, como um alento, ao que não existe mais.
Ver por dentro, sonhar com o passado, redesenhar o presente, ser a fuga alegre e imaginária do real. Areeiro, meu portal dos sonhos de criança.
Ao cair da tarde as cigarras com seu canto lírico anunciavam, mais um dia que dormiu.
Noite escura, vultos no caminho, de manhã os passarinhos festejavam a luz do sol. Areeiro, meu portal dos sonhos de criança.
Reminiscencias de um tempo tão bom. Um paraíso da felicidade. Brincando e crescendo na sua rotina, saiba que nunca esqueci... de você !!!
Paullo Carneiro
Enviado por Paullo Carneiro em 01/03/2012
Reeditado em 06/02/2017
Código do texto: T3528788
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