A VIDA É CRUA, MAS NEM SEMPRE NUA.

Por Carlos Sena


 
Sempre que a gente vê uma tragédia na televisão, ou tem noticia da morte de uma famosidade, ou passou na pele pela perda de um ente querido, não raro pensamos: “pra morrer só precisamos estar vivos” ou coisas do gênero. Contudo, a vida segue seu ritmo normal e a gente termina esquecendo esse sentimento. Há o lado bom dele. Mas há o lado nem tão bom. O bom é que a gente não pode mesmo se escravizar por um sentimento de perda que nos joga na cara com toda clareza que “a vida é passageira”. O “menos bom” é que, se não tivermos dentro de nós a leveza da vida e a crueza dela diante de nós mesmos, poderemos nos surpreender com a lição do óbvio – quero dizer, a vida de “lembrando” (sem necessidade) que tudo passa, inclusive nós por ela.
O sentido que a gente dá a existência, mesmo transitória e óbvia, é outro aspecto que não se submete a receitas. Fora de nós estão as regras que são feitas dentro do bojo da cultura dos povos... Introjetamos dentro de nós certas formas de viver nem sempre seguidas por muitos ou por eles aceitas. A chamada modernidade modificou um pouco essa ótica na medida em que desperta na grande maioria das pessoas o sentimento de imortalidade, mesmo diante da dura realidade que é a finitude do existir. A comodidade tecnológica dos bens de consumo e a praticidade da vida moderna fazem muitas pessoas se sentirem donas dos seus destinos... Mas os destinos delas logo ruem e elas, no despreparo natural motivado pela vaidade humana entram em desespero. A velhice, quando não a morte ou grandes perdas de pessoas próximas, começa a “tomar a lição” que a “faculdade da vida” ensinou. Certamente que haverá reprovações!
Aos poucos a vida vai virando seus ciclos e muitas pessoas nem se dão conta disto. Muitas preferem se iludir com o dia a dia regado a conforto, independente de qualquer sentimento de ética ou de respeito aos outros que lhe rodeiam. Ignoram os ciclos que a vida por si só vai impondo, independente de quem esteja na fila aguardando seu momento chegar. Para os mais inteligentes, logo a vida se adequa sem maiores alardes. O moralismo cede lugar ao moral. Esta ao amoral ou aniquilando o imoral do processo.
Chega um ponto que a vida nos deixa de tomar a lição e pede, do seu jeito, para que comecemos a ensiná-la. Como ensinar lições à vida, poderia perguntar? Ora, as lições que a vida pede que ensinemos são aquelas que estão no nosso mundo diário em cada olhar que dispensamos a outrem, em cada perdão que nos permitimos, em cada afago que fazemos sem busca de troca.
Quando se aprende com a vida suas lições, descobre-se que roupa nova é um detalhe se o coração for velho; que o sapato velho poderá nos ser mais útil do que um novo, se nos levar para os caminhos do amor; que uma casa nova e confortável só terá valor em si se servir para desmistificar o conforto de uma casa que nunca foi um lar. As lições da vida são por nós ensinadas aos outros quando os cabelos brancos são as credenciais da experiência e que as rugas do rosto são o trajeto dos limões existenciais que a gente transformou em limonadas.
Talvez sejam essas formas simples de ver o mundo, a vida e as pessoas que nos possam tranquilizar quando o corpo não mais estiver serelepe como nos bons tempos da juventude. Deixemos a vaidade se escoar pelos “sete buracos da nossa cabeça”; deixemos que os outros vivam seus momentos certos ou errados em plenitude; deixemos que as verdades nossas sejam roubadas por quem delas necessitar; deixemos que cada pessoa tenha seu pecado, sua condenação ou absolvição; deixemos que o tempo seja o tempero dos que não acreditam nos seus efeitos silenciosos quando chegar a hora da “lição ser tomada”...
Um belo dia a gente se encontra diante de uma cena da vida que se encerra. Um dia, nem sempre belo, a gente poderá nem se encontrar, mas ser do encontro o mesmo que outros foram pra nós na hora que se foram ajustar as contas com a eternidade.
 
Brasília, 27 de fevereiro de 2012. Do alto do avião a dez mil metros de altitude no caminho de Brasília.