A cozinha está limpa?
A cozinha está limpa?
O ano de 2014 está muito próximo. Os preparativos para maquiar as cidades brasileiras dando a impressão que estão “prontas” para sediar alguns jogos da copa de futebol estão em andamento apesar das dificuldades naturais e as “fabricadas” para encarecer as obras. E a imprensa torna-se cúmplice desta montagem sem revelar as sujeiras e passando a impressão de que tudo caminha normalmente para um evento grandioso e de alto desejo do povo necessitado. Quando o interesse maior é dos empresários, empreiteiros e signatários dos acordos sobre domínio dos serviços de maior demanda nesta época. O povo ficará com o “legado” (dívidas), ou seja, os “elefantes brancos” a exemplo do que ocorreu no PAN-2007. As áreas sociais básicas continuarão carentes ainda mais por servirem de eterno trampolim eleitoral.
Mas o outro lado da moeda revela situações mais desastrosas que causariam enorme vergonha aos países que preservam valores relativos à boa qualidade de vida. Podemos relatar algumas (entre dezenas) que certamente causam vergonha aos administradores sérios. Situações similares ao Haiti. Vamos conferir.
1 – Transportes: o nosso trânsito já é caótico normalmente por mantermos vias historicamente mal sinalizadas, mal iluminadas, esburacadas e com fiscalização deficiente e corrupta. Caminhões de entrega estacionam em frente às lojas fora dos horários permitidos. Obras de manutenção efetuadas durante o dia. Coletivos com validade vencida há mais de 5 anos transportam vidas inocentes prestes a acidentes fatais. O caos tende a piorar com a chegada de novos veículos a cada mês, a impossibilidade de alargamento das principais vias e planejamento falho do gerenciamento deste alto fluxo. Semanalmente transportes coletivos alternativos sofrem acidentes (previsíveis) que prejudicam (e matam) milhares de passageiros. O metrô sofre pane elétrica da mesma forma que os trens sucateados durante 50 anos. O ar refrigerado de ambos não funciona regularmente. Os horários não são respeitados. Passageiros são obrigados a desembarcar na linha férrea e não recebem o valor pago de volta! As barcas marítimas possuem problemas similares e ainda ficam à deriva em muitas ocasiões. Roubam cabos de iluminação dentro de túneis durante o dia!
2 – Segurança: não bastando a falta de equipamentos adequados e planejamento inteligente para combater os facínoras bem armados, os policiais mal pagos entram em greve (justa, porém mal conduzida) e deixam nativos e turistas à mercê dos bandidos que usam as cadeias como filiais dos escritórios do crime. Queimam veículos pela cidade na certeza que muitas delegacias estão fechadas na maior parte da noite. O consumo de drogas é realizado a céu aberto nas praças e ao longo das vias férreas.
3 – Saúde: pessoas morrem nas filas por falta de senhas. Morrem nas ruas por falta de ambulâncias ou de equipamentos dentro das que ainda rodam. Morrem nas triagens por falta de médicos. Morrem nas enfermarias por falta de medicamentos. Morrem devido a exames que não podem ser realizados por que os equipamentos são obsoletos ou estão quebrados. A maior parte dos médicos e enfermeiros está insatisfeita com os baixos salários e não presta atendimentos adequados. A limpeza de bueiros entupidos não é realizada há mais de 20 anos!
4 – Educação: Esta é área mais doentia da sociedade. Professores mal pagos, remanejados para longe de casa e desrespeitados a ponto de terem de apanhar de alunos dentro da escola sem protestar devido ao “estatuto di menor” que protege meliantes iniciantes. Além de terem salários humilhantes e sem condições de participarem de cursos de aprimoramentos educacionais, não conseguem definir programas adequados para formar bons cidadãos. Escolas prestes a desabar, com goteiras, equipamentos quebrados, falta de cadeiras, bibliotecas mofadas, sem sabão e papel nos banheiros, sem lanches para alunos e professores.
5 – Aspecto urbano: prédios abandonados, vários desabando em diversos bairros esquecidos, monumentos rabiscados, bueiros entupidos provocando ruas alagadas e casas inundadas nos bairros longe da classe rica. Árvores sem poda esbarram em fios de alta tensão. Canos de água potável furados desperdiçando líquido por mais de uma semana. Esgotos correndo a céu aberto nas comunidades pobres e também nas praias da zona rica. Duas vezes por ano morrem milhares de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas há 50 anos. Ruas afastadas do centro amontoam lixo que passa quase 15 dias sem ser recolhido.
6 – Comportamento: pessoas sujeitam-se a ficarem amontoadas em eventos sem estrutura para atendê-las. Acabam urinando nas ruas, largando detritos nas praças dominadas por mendigos e drogados. Torcedores fanáticos agridem-se em volta dos estádios mesmo antes das partidas serem iniciadas. Filas para compra de ingressos (qualquer evento) sem orientação adequada acabam em tumulto generalizado. No Carnaval, pessoas compraram ingressos mas as acomodações não ficaram prontas a tempo do desfile. Torcedores de agremiações carnavalescas mal colocadas no desfile invadem local de apuração de votos e rasgam envelopes com as notas atribuídas a elas. Se a moda pega, quando um árbitro marcar um penalty contra seu time, estes desocupados invadirão o gramado para tomar o apito da autoridade. Aeroportos sempre lotados, sem taxis suficientes para atender a enorme demanda e descaso com passageiros que são largados nos saguões durante horas sem assistência respeitosa (principalmente quando suas malas são furtadas). Supermercados com filas nos caixas por falta de organização dos estabelecimentos. Estudantes filhos de boas famílias, sem algo melhor para fazer em prol da sociedade, queimam mendigos durante as madrugadas e não são penalizados adequadamente pela Justiça(?) tendenciosa. Nos intervalos, picham prédios de qualquer natureza.
Diante deste cenário, colocamos em dúvida a lisura dos critérios para escolha do Brasil para sediar uma copa de futebol com a organização e galhardia peculiares de uma nação européia como Inglaterra, Espanha, Portugal, França, Alemanha ou Holanda que primam por uma boa imagem internacional que não pode estar baseada apenas em lindas praias e belas mulheres. Pelo desenrolar desta situação descontrolada, não fica difícil imaginar o fiasco que poderemos passar neste evento (talvez pior que na África do Sul) em 2014 diante de tantos visitantes iludidos por propagandas enganosas sobre os bons serviços aqui prestados. Pelo menos 25% destes não voltarão mais ao nosso país.
Se os observadores da FIFA não consideram estes fatores como elementos suficientes para decretar a suspensão da copa de 2014 no Brasil, talvez os países acostumados com a alta qualidade de serviços e bom atendimento percebam através de relatos de seus embaixadores (se não estiverem comprometidos com esta balbúrdia) as angústias que seus nativos passarão por aqui no período desta grandiosa festa.
Pode ser que eles se reúnam a tempo (com apoio de outros candidatos) e manifestem a intenção de não participar de um evento onde não exista garantia de pelo menos 90% de conforto e segurança que lhes permitam levar uma boa imagem de nossa terra sacrificada pelos mandatários que apenas se locupletam dos cargos que ocupam por um tempo além do suportável. Nós já estamos acostumados e resignados com a miséria moral que nos envolve. Mas se os países acostumados com a alta qualidade de vida estiverem ansiosos por “aventuras” (algumas tenebrosas) para depois contá-las aos seus herdeiros, venham conferir estas anomalias que nos massacram e são contornadas por “perfumarias” exibidas na TV.
Para que a copa impressione nossos visitantes não necessitamos de portentosas construções de concreto e vidro. Basta termos uma retaguarda (cozinha) limpa.
Haroldo P. Barboza
Autor dos livros: Brinque e cresça feliz / Sinuca de bico na cuca