O ESQUECIMENTO DO "EU"
O Romantismo, enquanto Escola Literária, já foi considerado o “Mal do Século”, numa época em que, artisticamente, mudava-se o rumo: da lucidez e clareza racionais do Iluminismo, para o subjetivismo e egocentrismo do Romantismo. Menos de duzentos anos depois, um grande e singularíssimo poeta brasileiro, mais conhecido como Renato Russo, sentenciava, num trecho de uma de suas canções: “(...) digam o que disserem/ o Mal do Século é a Solidão:/ cada um de nós, imerso em sua própria arrogância,/ esperando por um pouco de atenção”.
Particularmente, entendo que ambas as afirmações são corretas. Ainda que guardem alguma distinção meramente sintática, suas relações de causa e efeito confundem-se: a necessidade premente -em alguns casos, beirando a patologia- de muitos, pela companhia do outro, frustrada pela ausência de correspondência de tal desejo, pelo seu objeto.
A despeito da validade de velhos bordões que atestam -corretamente- que seres humanos não são ilhas, que a vida em comunidade é necessária e, em algum grau, até salutar, percebo como exagerada, a importância que damos a esta companhia, e preocupante, a facilidade com que esquecemos do Eu, enquanto companhia viável. Não quero dizer, com isso, que devemos procurar bastar-nos; ao contrário: devemos tão-somente dar o devido valor à nossa própria companhia, uma vez que o outro nem sempre estará disponível, seja por motivos alheios à sua vontade, ou não. Precisamos perceber que o amor-próprio não é uma mera ideia de zelo pela aparência, ou tentativa pífia de desculpa para orgulho infantil, como mundanamente parece ser ventilado.
Somos seres sociáveis, sim. Mas nem por isso devemos nos tornar -menos ainda, voluntariamente!- reféns dessa sociabilidade, ou transformar a companhia, o pretenso afeto e zelo de terceiros como divisor de águas, no que tange ao nosso humor ou dito Estado de Espírito. É um erro crasso, e até perigoso, acreditar que nossas vidas só podem ter sentido, graça, sabor, se acompanhadas pari passu, por outrem.
Muito da carência afetiva (desconsiderando aqui, fatores de origem psicológica, causados por eventos traumáticos, na vida pregressa do indivíduo), tem origem neste “esquecimento”, quase que voluntário, do Eu. O reconhecimento e exacerbação das vantagens da vida em comunidade fez com que o Individualismo fosse visto como algo errado, feio, egoísta. Os defensores, ainda que indiretos desse absurdo conceitual, olvidaram que devemos, em primeiro lugar, amar a nós mesmos, quem e como somos, antes de acreditar termos a capacidade de amar nossos pares. E deve ser um amor que preencha as lacunas das horas de solidão, em qualquer sentido: física, intelectual...espiritual, se acreditarem. Em suma: defendo que amar a si, é o primeiro e primordial passo para ter a real capacidade de amar qualquer pessoa.
Descobrir-se, enquanto companhia, amigo íntimo, confidente e juiz de si mesmo, para quem nunca teve o hábito, ou pensou na possibilidade de fazê-lo, não é tarefa fácil; nem por isso, impossível. Basta o mínimo de Razão, num coração e mente provavelmente transbordando Emoções desorientadas, para perceber que não há mal, mas vantagens, em ser quisto por si. E quanto às tolas críticas sobre um suposto egoísmo, nesta atitude, percebo-as como hipócritas: buscar padronizar o comportamento do outro pode ser considerado altruísmo? Acredito que não. Da minha parte, por exemplo, enquanto escrevo (e finalizo) este texto, tomo o que EU penso ser um bom vinho, ouvindo o que EU identifico como boa música, acompanhado pelo meu amigo mais íntimo, fiel e amoroso: Eu.
Valorize sua própria companhia. No mínimo, descobrirá coisas que nem você mesmo sabia...sobre você. E lembre que ninguém deve ou pode ser razão de nossa felicidade: é uma injustiça tremenda, imputar tamanha responsabilidade a alguém. Percebo que terceiros sejam a extensão da alegria que experimentamos, quando aceitamos e aproveitamos ser quem e como somos.
Pense nisso, e seja feliz...consigo.