Beleza, mulheres e homens
“A beleza é fundamental”, não me restam dúvidas. Porque não sou “muito feia”, escapei do pedido de desculpas de Vinícius. E porque o poetinha foi condescendente, eu o amo indefinidamente. Que coisa tão poética quando Vinícius de Morais se referiu, em seus versos, à indispensabilidade das “saboneteiras” femininas.
Desde jovem sempre amei a beleza e dela tive medo. Sempre pude perceber os olhares de fera e de tara de alguns (eu disse alguns) homens ao apreciarem aquilo que para eles representava beleza e sensualidade. Sempre pude observar-lhes a respiração de animal irracional, faminto e em cio.
Entretanto, também pude ver que muitas amigas, colegas e vizinhas se sentiam triunfantes, onipotentes, acima de tudo, exatamente por serem belas. Ficavam em transe, cegas, surdas e mudas. Faziam da beleza um troféu e a experimentaram como chave. Algumas abriram portas, outras tiveram a porta fechada quando, em algum recinto, se deram mal. Casos e mais casos são narrados, de Norte a Sul; de Leste a Oeste.
Algumas famílias até se encarregam de promover a competitividade do Belo entre os filhos. Há, inclusive, histórias de sérios desentendimentos quando não se consegue estabelecer com exatidão quem, enfim, é mais bonito, bonita; lindo, linda. É aí que a gente começa a mentir para evitar confusão, passando todos e todas à qualificação de lindos e lindas.
Só as 3 sobreviventes entre as 5 moças do caso ocorrido na cidade nordestina de Queimadas, município paraibano, poderão dizer se a visível beleza de cada uma foi um ingrediente para o crime. Ao olhar para essas moças, nas fotos veiculadas na mídia, vi a inocência, a simplicidade e a candura da mulher nordestina estampadas em cada face. Não me passaram essa impressão de mulheres belas e estúpidas, cheias de si. O sorriso encantador de cada uma nos faz ver que é um mito mesmo isto de se dizer “mulher paraíba” como sinônimo de macheza, brutalidade. Considero milagre a sobrevivência dessas 3 moças que foram a uma festa restrita, entre supostos amigos e até parentes.
Infelizmente o conceito de festa que toma conta do Brasil e de outras partes do mundo é indigno e horripilante. Não pode ser considerada festa uma reunião de pessoas que se espalham por imensas orlas marítimas; que se juntam em condomínios ou fundos de quintal; ou outras modalidades de movimentações ruidosas e movidas a álcool e outros aditivos _ ainda mais, nos casos em que todo o espaço é vigiado por policiais em seus carros luminosos e apitadores.
Opa, nada a ver com a Rita Lee. O que eu quero acrescentar a este texto é que, quando eu estava na faixa etária dessas moças, a sociedade sergipana estranhava e se envergonhava de entrar em um clube em cujo hall e/ou imediações houvesse a presença de policiais. Explico! Até mesmo os policiais daquela época, em Aracaju e em todo o Estado de Sergipe, se sentiam inibidos e constrangidos, porque naqueles locais estavam famílias de representatividade e respeito. A mentalidade dessas famílias era a de que onde tem polícia tem bandido, ocorrências de roubo, morte, etc. Então, aquelas pessoas mais exigentes se sentiam ultrajadas, não pela polícia, mas por desconfiarem estar em um local onde, possivelmente, havia a intromissão de um “mau elemento”. Muitos desistiam da festa e retornavam para suas casas com seus filhos.
Quando eu dizia isto aos meus filhos, muitas vezes ouvi a bobagem: Ah, mãe, isto era no seu tempo. Tentei de todas as formas que uma mãe consegue alcançar, passar essa noção em casa, mas não com o sucesso esperado. As “festas” existiam/existem e eles não renunciavam ao apelo da juventude.
Disse sobre a beleza, as mulheres e, quanto aos homens? Os homens, em geral, recebiam muita orientação e a maior parte deles se comportava quase sempre de forma educada, gentil e cavalheiresca. Qual seria tão corajoso a ponto de pronunciar palavras do chamado baixo calão em presença de senhoras, meninas e moças? Coisa rara, raríssima.
Ah, a diferença é mesmo impressionante tendo-se em vista os anos dourados e os malogrados dias que enfrentamos; as noites de espera e de suspense, e as sirenes insistentes e longas das ambulâncias e dos camburões se dirigindo para o local onde os jovens se reúnem. Até que os filhos surjam à porta e digam o “Mãe, chegamos”, não se tem sossego.
Melhor parar por aqui, pois toda mãe é, numa hora destas, mãe daquelas moças de Queimadas. E, por outro lado, as mães ficam trêmulas e apavoradas se pensam que seus filhos (os homens) possam envolver-se em uma história de características tão cruéis, macabras.