Descaso com o sofrimento da população de rua
No domingo dia 5 de fevereiro ao fim da tarde, fui com o grupo "Unidos para o Bem" distribuir comida e roupas a moradores de rua da região de Santo Amaro. O grupo composto por adeptos da religião kardecista - que por coincidência é a minha, pois não questionei a que tendência religiosa ao qual o grupo estava ligado, quando me predispus a participar do dia de trabalho voluntário - já faz esse trabalho há algum tempo. Nos dias de distribuição de comida, eles começam a preparar as refeições ainda de manhã e a tarde a distribuem. Naquele dia eles distribuiriam 200 refeições com sobremesas, além de pão, água e suco.
O grupo já tinha um roteiro que costumava seguir e algumas famílias que amparava. Nós fomos a alguns lugares como terrenos baldios, onde moravam pessoas em precários barracos de madeira, ruas, viadutos. Um dos viadutos que eles costumavam visitar na Av. Santo Amaro, teve sua parte debaixo "fechada", e as famílias que moravam lá foram postas "para correr". Mesmo assim, ainda estava lá se alojando em área próxima a ele durante o dia, uma mãe com seus 4 filhos pequenos, que deviam ter entre 4 e 10 anos. Lá também ficara uma mulher surda e muda.
De tudo o que vi naquele dia, o caso desta mulher surda e muda foi o que mais me chocou. Como ela não deixou o viaduto teve suas roupas e o que mais tinha "roubado" - e é melhor não citar por quem - para que saísse de lá. Ela ficou tão assustada com isso que entrou em um vão estreito do viaduto, um buraco escuro e ficou lá escondida, muito assustada. A outra mulher que morava no viaduto com os filhos, chegou a pedir que sua filha pequena entrasse no buraco com um isqueiro ligado, para ver como a mulher estava, pois fazia muito tempo que ela estava lá e não saia - isso no dia anterior a nossa visita - mas quando a menina entrou, a mulher surda muda começou a lhe jogar pedras e a criança saiu.
No domingo quando lá chegamos, colocamos comida e água na fenda por onde ela entrara no buraco, pois ela não saia de lá. Ela quando não estávamos olhando pegou a garrafa de água, mas não pegou a comida. Chegamos a chamar ela e tentei iluminar o buraco com o celular, mas estava tão escuro que não foi possível ver nada. Ao sairmos deixamos um saco de roupas para ela dentro da fenda. Ela estava escondida lá como um rato, uma barata, que teme ser exterminada. Surda e muda em um buraco escuro. É revoltante!
A sensação de impotência diante de uma coisa como esta é muito ruim, porque nós vemos tudo aquilo e não podemos fazer nada para ajudá-la, só o pouco que fizemos. Ela é só mais uma moradora de rua entre muitos outros que vimos naquele dia, e que o governo trata com descaso. Não podemos trazê-los todos para nossa casa, ou entrar na justiça brigando por cada um deles. No fim, o grupo faz o que pode.
Para acabar com tanta injustiça com as pessoas pobres e simples que não conseguem se defender, é preciso muita mobilização social. Só o povo organizando e lutando pode transformar esse quadro, pois quem cria a injustiça ou "ganha" com ela, está pouco se lixando para a dor destas pessoas.