Podemos fazer justiça com as próprias mãos?
Prólogo
"(...). Quando a lei não é aplicada, as instituições públicas não funcionam ou trabalham em benefício dos opressores, os poderes da nação se encontram contaminados, ou corrompidos, e os caminhos da legalidade obstruídos, o Homem recupera para si os poderes e a liberdade que atribuiu ao Estado. E, neste caso, torna-se legítimo e justo o exercício arbitrário da própria razão, assim como o poder de aniquilar seus adversários, pois é direito natural do Ser Humano lutar contra a opressão e não se deixar morrer nas mãos do malfeitor. Quando há um grande desnível entre dominador e dominado e este último não possui meios e nem forças para resistir e refutar aquele, legitima-se o terrorismo e as guerrilhas. Não o terrorismo dirigido a civis desarmados e indefesos, mas o terror direcionado aos combatentes e às forças do dominador, buscando desmoralizá-lo e destruí-lo - não só o sistema opressor, mas também àqueles que dão sustentação e legitimidade para este sistema-, pois é direito natural do Homem lutar contra a servidão e o cativeiro e não se deixar morrer acorrentado aos grilhões do mal. (...)" — (Sobre a violência e o terrorismo na luta contra a opressão — Leonildo Correa).
NÃO ESTOU FAZENDO, com este escrito, uma apologia à violência nefasta. Contudo, após ler, hoje, um comentário ao meu texto intitulado: "A Festa dos Horrores — Assassinatos e Estupros Coletivos", feito pelo leitor que se identificou pelo nome de Carlos Silva, fiquei deveras preocupado, mas motivado a escrever sobre o tema ora em questão. Podemos fazer justiça com as próprias mãos? Podemos!
Todavia, NÃO DEVEMOS! Isso caracterizaria um retrocesso social inominável.
Imagine o nobre e caro leitor a seguinte situação: O operário Henrique chega em sua humilde casa após uma noite fria, chuvosa, maldormida. Ele trabalha em uma fábrica de tecidos e sua função é de segurança junto com três outros trabalhadores no turno da noite (22h às 06 h).
Deveria encontrar sua esposa Maria Eduarda e três filhas (17, 14 e 12 anos de idade) felizes e a sua espera para o café frugal da manhã daquele Sábado fatídico, sem sol. Vislumbra, a distância, uma pequena multidão a sua porta e apressa os passos trôpegos de ansiedade.
— Que houve? Pergunta com a voz embargada a uma comadre, sua vizinha, que se encontrava, como tantas outras pessoas suas conhecidas, na frente de sua choupana.
— Uma desgraça Henrique. Uma desgraça... Não entre em casa! Pelo amor de Deus não entre em casa!
Na cozinha estavam sua amada esposa Maria Eduarda e filha mais velha (Jandira - 17 anos) despidas e bastante machucadas nos rostos e genitálias. No quarto de Jaqueline (Filha mais nova com apenas 12 anos) estava a menina Jucilene, 14 anos, também despida e com as partes pudendas estraçalhadas. Sua caçula Jaqueline fora conduzida em estado gravíssimo ao hospital mais próximo. Henrique põe as mãos trêmulas no rosto e balbucia: "Quem... e por quê?".
A vizinha não teve tempo para responder. Um grito entre os presentes fez o clima do momento escurecer mais ainda ante as palavras tonitruantes do irmão de Henrique: "Pegamos ele! Pegamos ele!". Aos safanões o ex-namorado de Jucilene (14 anos), apelidado "Bom menino", estava sendo arrastado feito um animal raivoso, pois espumava pela boca feito um cão acometido daquele mal.
Ante o assombro de todos alguém gritou como um refrão sinistro e agourento. Todos os presentes também começaram a gritar: "Lincha", "Mata", "Enforca", "Esfola"... "Lincha", "Mata", "Enforca", "Esfola"... "Lincha", "Mata", "Enforca", "Esfola"... "Lincha", "Mata", "Enforca", "Esfola"...
Henrique foi o único a se postar de joelhos e com os braços abertos gritou mais forte ainda a ponto de ser ouvido por todos:
— Não! Chega de desgraça! Chamem a polícia e se quiserem matar esse infeliz terão de me matar também. Ele será julgado, condenado e castigado, mas nós não temos esse direito de fazer justiça com as próprias mãos.
Provavelmente Eu me juntaria a multidão para linchar o infeliz. É quase certo que Eu o estriparia! Tenho "o pavio curto" (Sou irritadiço, facilmente encolerizável). Meu dicotômico é diferente, centrado, calmo e ordeiro, Henrique NÃO O FEZ. Isso não é normal. Ele foi (é) iluminado.
Uma chuva torrencial teve início naquele instante. Muito machucado (pernas e braços quebrados, olhos inchados, tórax esfaqueado, vestes sujas e rasgadas) o assassino confesso foi deixado aos pés de Henrique que, ainda de joelhos, via a multidão se dispersar aos poucos.
Foi esse o depoimento de um dos policiais que posteriormente confessou não saber quem estaria mais necessitado dos primeiros socorros: o criminoso ou o pai da família destroçada, vilipendiada, que chorava lágrimas de sangue.
MINHAS CONSIDERAÇÕES
O exercício arbitrário das próprias razões é o ato de fazer justiça pelas próprias mãos para satisfazer pretensão, embora legítima, desprezando a respectiva administração de que são encarregados os seus órgãos jurisdicionais. Exemplo: Linchamento (Assassínio de um criminoso pela multidão).
No Brasil, não é permitida a autotutela, ou seja, se a pessoa sente ameaçada em seus direitos ela não pode resolver da forma que acha correta (por exemplo, agindo com vingança). Se a pessoa se sente ameaçada, ou tem um direito violado, ela deve buscar o Poder Judiciário, para que, através da justiça, seus direitos sejam resguardados.
Há muito tempo o Virgulino Ferreira da Silva — Vulgo Lampião — teria dito: "Premero de tudo, querendo Deus, Justiça! Juiz e delegado que não fizer justiça só tem um jeito: passar ele na espingarda!" (SIC).
Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião (Serra Talhada, 4 de Junho de 1898) — Poço Redondo, 28 de julho de 1938), foi um cangaceiro brasileiro. Nós sabemos como terminou essa fanforronice do "inocente útil", para o Exército Brasileiro, Virgulino (Lampião) e não é demais escrever algo sobre o Exercício Arbitrário das Próprias Razões da forma como preestabelece o Código Penal Brasileiro:
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
A pena cominada pelo CPB (Art. 345) até que é branda. Isso poderia estimular a prática do ilícito (Linchamento). Contudo, o dessossego para o infrator NÃO COMPENSARIA. Toda lei tem seus infratores, todo território suas margens, todo governo pressupõe desgoverno e desgovernados. As sociedades instintivamente têm sido sábias, levando em conta esses fatos da vida e, às vezes, agindo em função deles.
O que quer que seja estranho e desordenador é marginalizado como sendo monstruoso; no entanto, o teatro da vida também distribui papéis aos seus desajustados, avoados e malévolos, mesmo que apenas os de pessoas que a sociedade gosta de odiar.
Como enfatizou mais que ninguém HANS MAYER, em seu livro OUTSIDERS (Marginais), "(...) a diferença inspira ameaça porque confere poder, e aqueles que a sociedade designa como marginais são muitas vezes mantidos à margem justamente porque, no momento certo, a presença deles será necessária no palco." — (Roy Porter).
CONCLUSÃO
A questão da violência está levando os cidadãos comuns a um limite perigoso. Assaltos e arrombamentos estão se repetindo por todos os cantos do país sem que os autores sejam, pelo menos, incomodados pela lei. Adolescentes, mulheres e idosos são assaltados, assassinados e vilipendiados e a sociedade clama pelo mínimo de segurança sem lograr resultados positivos. Ninguém está mais a salvo em lugar nenhum!
Várias ocorrências, embasadas em imagens feitas por circuitos internos de segurança, mostram os ladrões agindo com toda a tranquilidade, sem se intimidar com qualquer possibilidade de serem presos. Se você atirar em um marginal dentro de sua residência, após ele invadir sua propriedade, antes que o cadáver do "lixo social" seja levantado você será conduzido à Delegacia, para ser autuado e preso em flagrante.
Diante dos constantes prejuízos e das ameaças, nos vemos sem saída para este problema. De um lado, os especialistas dizem que “cadeia não resolve”. Porém, são poucas as ações de ressocialização e pouco tempo de punição para os que insistem em permanecer no mundo do crime. Tenho certeza de que muitas vítimas pensam, em determinados momentos, até na possibilidade de comprar uma arma. Mas acabam desistindo da ideia. A burocracia, as despesas, a perda de tempo, etc. não incentivam.
Atirar em um bandido para defender bens materiais não é uma condição que agrada a quem deseja viver em paz. Matar é marcar para sempre a própria vida. Ora, pessoas de bem ficam tumultuadas até quando recebem uma cobrança indevida de uma taxa ou serviço público (água, luz, gás, telefone, etc.) de péssima qualidade.
Uma simples visita de um Oficial de Justiça, com o propósito de citar ou intimar, a uma casa onde resida pessoas de bem haverá uma aceleração do coração e os suores frios se acentuarão. É ou não é assim?
Outros optam por contratar seguranças particulares como forma de se garantirem. Este também é um caminho perigoso, porque expõe todos os detalhes de uma vida. Se contratar um serviço de monitoramento você perde sua sagrada privacidade!
RESUMO DA CONCLUSÃO
Diante de toda essa situação de injustiça é fácil entender porque testemunhas de tiroteios se recusam a colaborar quando alguém acaba por matar um assaltante, um policial, ou alguma outra pessoa desafortunada. Ninguém é estimulado a servir de testemunha de um ilícito. Ninguém quer ou deseja se envolver com as causas alheias!
Os aborrecimentos são grandes e onerosos para quem se oferece como testemunha. Vou muito mais além: se um uma pessoa de bem assistir filmes, como o estrelado por Charles Bronson, na série “Desejo de Matar” e outros do mesmo nível, terá uma irresistível vontade de se transformar em um justiceiro. Você vibra e bate palmas quando o bandido leva a pior diante do "mocinho". Eu vibro! Não sou e tampouco quero ser exceção.
Matias Aires disse com muita propriedade: "Poucas vezes se expõe a honra por amor da vida, e quase sempre se sacrifica a vida por amor da honra. Com a honra que adquire, se consola o que perde a vida; porém o que perde a honra, não lhe serve de alívio a vida que conserva...". — (Matias Aires Ramos da Silva de Eça) — (São Paulo, 27 de março de 1705 — 1763) foi um filósofo e escritor brasileiro.
Todos nós assistimos os horrores recentes no Estado da Bahia. A Revista ISTOÉ fez uma excelente reportagem motivada pela anarquia generalizada em total descumprimento da Constituição (Art, 142, § 3º, Inciso IV) e desrespeito à sociedade. A matéria intitula-se: Polícia Terrorista:
"Como policiais grevistas, agindo como bandidos, tramaram uma onda de violência, disseminaram o terror pelas ruas da Bahia e articularam paralisações por todo o País às vésperas do Carnaval" (Revista ISTOÉ, de 15/Fev/2012, Pag. 44/49).
Concluo pesaroso: Digladiam-se as Forças Armadas com as Forças Auxiliares em detrimento da sociedade atônita pelo descalabro inconsequente. É disso que o bandido gosta! É isso que o criminoso quer!
Diante do estrangulamento da Justiça e das polícias, surge a perigosa figura dos “vigilantes”, facínoras, profanos travestidos de sagrados guerreiros. Gente que toma a justiça pelas próprias mãos. Às claras, nós, ainda, não chegamos a uma situação semelhante. Mas, estamos, às escondidas, envergonhados, no silêncio cúmplice, a caminho da aceitação e banalização do também reprovável fazer justiça com as próprias mãos.
O filósofo francês Roger Garaudy, na adolescência, era ateu, mas estudava num colégio de padres. Numa prova lhe pediram os argumentos de Tomás de Aquino sobre a existência de Deus. Ele tirou dez, ao passo que os alunos crentes não foram tão incisivos na exposição das provas de que Deus deve necessariamente existir.
Diante disso, o professor lhe perguntou como poderia expor com tanta precisão e rigor um argumento com uma conclusão lógica irrefutável e continuar não acreditando em Deus. Garaudy respondeu: “A minha inteligência diz que é lógico que Deus exista, mas o meu coração não o sente. Os argumentos não são capazes de criar a fé no coração humano”. — (GARAUDY, R. Palavra de homem. São Paulo: Difel, 1975.).