CASO ELOÁ — O julgamento de um assassino pelo cometimento de 12 crimes

Prólogo

A efervescência do assassinato da menina Eloá Cristina Pimentel, provocada pela fermentação do tempo e do clamor social, reiniciou hoje (13/Fev/2012) com o julgamento do assassino confesso Lindemberg Alves Fernandes, acusado de matar Eloá em outubro de 2008. Mais uma vez a mídia faz a festa com o estardalhaço da ocasião.

RELEMBRANDO O CASO

Conforme denúncia do Ministério Público, movido por ciúmes de Eloá porque a ex não queria mais reatar o romance de três anos, o então auxiliar de produção Lindemberg, com 22 anos na época, invadiu armado o apartamento em que a estudante morava com os pais em Santo André no dia 13 de outubro de 2008.

Lá, no apartamento onde residia a vítima fatal, Lindemberg manteve Eloá e outros três colegas de escola dela como reféns — Nayara, Iago e Victor Campos. Depois, os dois adolescentes foram liberados. Após cem horas de cárcere privado, a polícia invadiu o apartamento.

Durante a confusão, Lindemberg atirou na cabeça de Eloá e na de Nayara. Eloá foi atingida por dois disparos e teve morte cerebral no dia 18 de outubro. Alguns dos órgãos de Eloá foram doados. Nayara foi baleada no rosto, mas sobreviveu.

DOZE CRIMES FORAM COMETIDOS PELO HOMICIDA CONFESSO

Lindemberg responderá por 12 crimes. Além da morte de Eloá, são duas tentativas de homicídio (contra Nayara e o sargento Atos Antonio Valeriano, que escapou do tiro); cárcere privado (de Eloá, Victor, Iago e duas vezes de Nayara) e disparo de arma de fogo (foram quatro).

Segundo o Ministério Público, se Lindemberg for condenado por todos os crimes atribuídos a ele, a pena mínima poderá ser de 50 anos e a máxima de 100 anos de reclusão.

MEUS COMENTÁRIOS À LUZ DA LEGISLAÇÃO PÁTRIA EM VIGOR

Os leitores menos íntimos com a legislação penal haverão de pensar ou dizer: Ora, de que adianta condenar um criminoso a mais de trinta anos de reclusão se pela legislação do país, no entanto, ninguém pode ficar preso por mais de 30 anos? Explico: Vejamos o que preestabelece o artigo 75, do Código Penal Brasileiro:

Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).

§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).

§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA

A norma insculpida no art. 75 do Código Penal diz respeito ao tempo de efetiva prisão, máximo de trinta anos. Porém, esse patamar não constitui parâmetro para a concessão de benefícios previstos na Lei de Execução Penal, como a progressão de regime e o livramento condicional.

Esse caso ainda dará muito o que se escrever e falar. Daqui a algum tempo alguém (advogado ou rábula) dirá ao criminoso para ficar calmo, tranquilo, deixar a poeira abaixar para depois solicitar progressão de regime e livramento condicional.

Sei que alguns diletos leitores haverão de dar risadas com essa minha explanação um tanto quanto técnica.

Explico! Claro que não se poderá esperar outra atitude de um advogado imbuído de "boas intenções" que não seja a de requerer (pra ver se cola) uma progressão de regime e livramento condicional para um cliente homicida que foi condenado a mais de trinta anos de reclusão por diversos crimes cometidos.

Ora, pelo expressamente previsto no art. 83 do Estatuto Penal, o sentenciado, para obter o benefício do livramento condicional, deve atender a dois requisitos materiais: um de ordem objetiva, referente ao efetivo cumprimento de parte da pena (um terço, se não reincidente em crime doloso; metade, se for reincidente em crime doloso, e dois terços, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo, se não for reincidente específico em crimes dessa natureza).

Comentando o citado artigo, assevera Júlio Fabbrini Mirabete (Código Penal Interpretado, pág. 422) "que os efeitos da unificação das penas para o limite de 30 anos imposto pelo § 1º do art. 75, do CP, tem causado divergência. Na doutrina, defende-se, por vezes, que é sobre o total de 30 anos que deverão ser considerados os prazos para a concessão de eventuais benefícios a que fizer jus o sentenciado (progressão, livramento condicional, etc.).

Realmente, se não fosse assim, o § 1º do art. 75 seria inteiramente dispensável, já que o limite é previsto no caput. Além disso, unificar significa "tornar uno", que só pode levar à conclusão de que há uma única pena, a ser cumprida, e sobre a qual devem ser calculados os prazos para a concessão dos benefícios, tal como ocorre com a regra para o estabelecimento de regime de penas (art. 111 da LEP).

Não. Não é bem assim que acontece na maioria dos casos. Quem vivencia inúmeros casos nos fóruns e tribunais de júri sabe muito bem que a verdade é bem diferente do que se imagina. Na jurisprudência mais aceita, porém, prevalece o entendimento contrário, ou seja, de que "o limite de 30 anos diz respeito apenas ao tempo de duração para efeito de seu cumprimento." (Grifei).

Sem dúvida alguma, a norma insculpida no art. 75 do Código Penal diz respeito ao tempo de efetiva prisão, máximo de trinta anos. Porém, esse patamar não constitui parâmetro para a concessão de benefícios previstos na Lei de Execução Penal, como a progressão de regime e o livramento condicional.

Esse tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, seguido pelos demais Tribunais do País, conforme numerosos arestos trazidos à colação pelos Recorrentes. A matéria, aliás, não comporta mais nenhuma discussão, eis que já consagrada pela Súmula nº 715 do Excelso Pretório:

"A pena unificada para atender ao limite de 30 anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução". Pena Unificada - Limite de Trinta anos de Cumprimento - Consideração para a Concessão de Outros Benefícios. (STF Súmula nº 715 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 6; DJ de 10/10/2003, p. 6; DJ de 13/10/2003, p. 6.).

Todavia, se um notável juiz, após ser induzido a um crasso erro de interpretação conceder esses benefícios (progressão de regime, livramento condicional, etc.) o Representante do Ministério Público interporá o competente recurso de agravo, a teor do art. 197 da Lei 7.210/84, pleiteando a cassação do benefício com os mesmos argumentos jurisprudenciais cristalinos e expendidos no comentário acima referido. É (será) recurso provido sem o mínimo de dúvida!

CONCLUSÃO

O jovem Lindemberg Alves Fernandes terá de cumprir no máximo trinta longos anos pelos crimes cometidos entre os dias 13 e 17 de outubro de 2008. NÃO TERÁ O BENEFÍCIO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL COM BASE NO CAPUT DO ARTIGO 75, DO CP (30 anos)!

Caso haja futuramente o benefício do livramento condicional ou a progressão de regime para o Lindemberg será de acordo com o somatório das penas pelos 12 crimes cometidos e NÃO no "quantum" de todas as penas unificadas para se reduzirem ao máximo de trinta anos.

Foram horas tenebrosas para todos os envolvidos. Sendo o criminoso réu pelo cometimento de doze crimes NÃO ADIANTA FAZERMOS ilações sobre o "quantum" da pena que lhe será imposta pela MM. Juíza Milena Dias. 50, 60, 70, 90, 100 ou mais anos de reclusão.

Nada disso importa, pois ele NÃO FICARÁ MENOS de 30 anos recluso, salvo se não sofrer um acidente na prisão ou der cabo da própria vida. Nesse caso o Poder Estatal será responsabilizado, mas isso é outra história. Vamos aguardar a sentença para, se for o caso, editar este texto com mais algum comentário explicativo.

Ao leigo é suficiente saber que o homicida ficará encarcerado por longos trinta anos a teor do artigo 75, do Código Penal Brasileiro. Também interessará ao leitor deste artigo que Lindemberg não terá direito a progressão de regime, livramento condicional, etc. tendo por base os trinta anos preestabelecidos no artigo 75, do CPB, mas sim de acordo com o somatório de todas as penas pelos crimes de sua condenação.

Se o homicida Lindemberg pelos doze crimes cometidos for condenado a 60 anos de reclusão terá de ficar vinte anos recluso antes de pleitear progressão de regime ou livramento condicional (Inteligência do art. 83 do CP). Vale sempre raciocinar com o cumprimento de no mínimo 1/3 do somatório de todas as penas aplicadas... Se for condenado a 90 anos o réu Lindemberg... Oh! Isso já é uma fantasiosa inferência.

Para confirmar esse meu arrazoado cito aqui o exemplo de um caso concreto ocorrido em Minas Gerais:

RECURSO DE AGRAVO Nº 1.0000.05.421382-2/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RECORRIDO(S): SÍLVIO GOMES DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. GUDESTEU BIBER

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO, COM RECOMENDAÇÃO, À UNANIMIDADE.

Belo Horizonte, 23 de agosto de 2005.

DES. GUDESTEU BIBER - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. GUDESTEU BIBER:

VOTO

SÍLVIO GOMES DA SILVA, já qualificado nos autos, foi condenado, por múltiplos delitos, ao cumprimento de penas privativas de liberdade equivalentes a 43 (quarenta e três) anos de reclusão, as quais, na fase de execução, acabaram unificadas no total de 30 (trinta) anos, a teor do que dispõem a norma constitucional e o art. 75 do Código Penal.

Posteriormente, requereu o benefício do livramento condicional sob a alegação de preencher os requisitos objetivos e subjetivos para a sua concessão, posto que já cumpriu mais da metade da pena unificada e vem mantendo boa conduta carcerária.

Convocado a manifestar-se sobre o pedido, o ilustre Representante do Ministério Público opinou contrariamente à pretensão do agravado, ao argumento do não preenchimento do requisito objetivo inserto no art. 112 da Lei 7.210/84 (cumprimento de metade da pena, em se tratando de crimes comuns, e de dois terços da reprimenda, com relação aos crimes hediondos, frações estas a incidir sobre o total de 43 anos e não sobre o "quantum" unificado).

Não obstante o parecer desfavorável da Promotoria Pública, o douto Magistrado de primeiro grau concedeu ao agravado o livramento condicional sob o fundamento de que o aludido benefício há de ser analisado não tendo em vista o total das condenações mas a pena unificada (trinta anos).

No parágrafo acima observamos que o Magistrado de primeiro grau "pisou no tomate, escorregou no quiabo" e caiu na escrita do advogado que impetrou o agravo. Não adiantou, pois o MP, inconformado impetrou recurso ao agravo e... GANHOU!

Não poderia ser diferente e é para isso que existem os recursos às Instâncias Superiores. Veja abaixo:

Irresignado, interpôs o Representante do Ministério Público o presente recurso de agravo, a teor do art. 197 da Lei 7.210/84, pleiteando a cassação do benefício com os mesmos argumentos expendidos no parecer acima referido. O recurso foi contra-arrazoado, mantida a decisão recorrida, tendo a douta Procuradoria de Justiça, nesta Instância, opinado pelo seu conhecimento e provimento.

EIS A TRANSCRIÇÃO DA EMENTA COM O ESPERADO:

EMENTA: PENA - UNIFICAÇÃO - LIMITE DE TRINTA ANOS PARA CUMPRIMENTO - TEMPO QUE NÃO SERVE DE PARÂMETRO PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO - INTERPRETAÇÃO DO ART. 75 DO CP - A norma insculpida no art. 75 do Código Penal diz respeito ao tempo de efetiva prisão, máximo de trinta anos. Porém, esse patamar não constitui parâmetro para a concessão de benefícios previstos na Lei de Execução Penal, como a progressão de regime e o livramento condicional. - Recurso conhecido e provido.

Enfim, posso concluir que o malfadado destempero do criminoso Lindemberg Alves Fernandes ocorrido entre os dias 13 e 17 de outubro de 2008 é apenas mais um pano de fundo para a exteriorização da Miséria Humana.

E sobre essa miséria que assola a humanidade e mais forte ainda o nosso país, cuja democracia é tendenciosa à anarquia, estribada por leis capengas, confusas e benevolentes, escrevi e publiquei no Recanto das Letras em 11 de julho de 2010:

“A miséria humana não está na incerteza dos acontecimentos que ora nos elevam, ora nos rebaixam. Está inteira no coração ávido e insaciável, que incessantemente aspira a receber, que se lamenta da secura de outrem e jamais se lembra da própria aridez. Essa desgraça de aspirar a mais alto que a si mesmo, essa desgraça de não poder satisfazer-se com as mais caras alegrias, essa desgraça, digo eu, constitui a miséria humana.” (Espírito Georges - Revista Espírita de 1860).

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NOTAS REFERENCIADAS E BIBLIOGRÁFICAS

- DELMANTO, Celso, et al. Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2002.

- TELLES, Ney Moura. Direito Penal. Volume III. São Paulo: Atlas, 2004.

- Notas de Aulas do Autor sobre Direito Penal - Pós-Graduação.