Automóvel: Símbolo do capitalismo, algoz da humanidade
Andar pelas ruas de qualquer cidade de qualquer país é sinônimo, entre outras coisas, de se cruzar com automóveis. Parados ou em velocidade, eles ocupam grande parte dos espaços. Reluzentes e poluentes, desfilam como símbolos de status e poder. Ao volante, muitos seres humanos se sentem mais potentes, mais bonitos, mais que humanos. O automóvel é, sem dúvida, uma das marcas da humanidade no século passado e nesse que hora vivemos. Ele é também um símbolo do sistema capitalista.
A partir de 1914, quando Henry Ford introduz o sistema de linha de montagem e cria a produção em massa de automóveis, a humanidade entrou em nova fase de sua, digamos assim, evolução. Automóveis em série, feitos aos pedaços, por operários que nem precisavam sair do lugar, pois apenas montavam partes do produto. Daí em diante, mais e mais automóveis foram sendo produzidos e se espalhando pelo mundo, como sinal inequívoco de prosperidade. E logo as linhas de montagem foram sendo instaladas pelo mundo afora, no bojo da concorrência entre as grandes fábricas multinacionais produtoras de automóveis que, aliadas direta ou indiretamente aos grandes produtores de petróleo, foram inundando o mercado de carros e mais carros. Ano novo, modelo novo e, a cada novo carro, menos espaço para as pessoas, espremidas em calçadas cada dia menores. Assim vieram os engarrafamentos, sempre maiores. E o planejamento das cidades passou a ser feito mais e mais, não em função das pessoas, mas dos automóveis. Até que descobrimos que os gases emitidos pelos canos de descarga estavam nos levando para o buraco.
Numa cidade como o Rio de Janeiro, vê-se o Parque do Flamengo que segue beirando toda a extensão das praias do Flamengo e de Botafogo e se pode perceber que o mais importante por ali é o fluxo dos automóveis. E o mesmo se repete em inúmeras outras vias, planejadas para que os carros trafeguem em fluxo contínuo. Nessa mesma cidade do Rio de Janeiro, tida como Cidade Maravilhosa, as ciclovias correm minguadas pelas beiras das praias para conforto dos turistas. Mas, para aqueles que na cidade moram, elas são insuficientes e não servem como alternativa de transporte.
Enquanto os carros se multiplicam nas ruas, o lixo, a que se chama de transporte público, carrega o gado silencioso, espremido em trens, metrôs e ônibus que, na hora do rush, mais parecem espremedores de gente, buscando suco para alimentar alguma máquina secreta. Pequenos trechos, que poderiam ser percorridos em poucos minutos, levam agonizantes horas para serem vencidos. Não se pensa em investir em algo realmente viável e que pudesse realmente ser chamado de transporte público.
A impressão que vai se consolidando dia a dia é a de que, em breve, não mais se andará pelas ruas das grandes cidades e que viveremos num eterno e permanente engarrafamento. Mais e mais crianças irão nascer e até serão alfabetizadas dentro dos carros. Em breve teremos os especializados em refeições a serem servidas dentro dos automóveis. E não longe estará o tempo em que uma fila sem começo nem fim de automóveis de cores e formatos variados irá se estender ao longo de quilômetros e quilômetros de ruas intrafegáveis sem que ninguém saiba dizer como foi que tudo começou. Surgirão então modelos e fórmulas para se andar por sobre os automóveis que, eternamente parados, nada mais serão do que uma segunda rua em cima da rua original.
Foi-se o tempo em que se dizia que “saber é poder”. Hoje se repete o mantra “carro é poder”. Só não se sabe exatamente poder o quê. Certamente não será o poder de se locomover livremente, pois entre buzinas alucinadas e motoristas enlouquecidos fica a vida, espremida num canto qualquer de uma calçada esburacada.