NOS MEUS TEMPOS DE BOM CONSELHO – II
Por Carlos Sena
 
Quem nunca morou no interior, poder pensar: que graça tem contar histórias de uma cidade do interior? Respondo, pegando carona em Roberto Carlos: “As histórias todas são iguais, eu apenas faço delas mais uma canção de amor... Ou de dor". Mais ou menos isto é o que fazemos, posto que toda cidade do interior é feito o mar – UMA SÓ. Tem sempre uma praça, uma igreja, um bêbado, um doido e alguns LUNGAS. Na câmera do amor, flagro agora pela imaginação ZÉ BEBINHO. Todos mexiam com ele, mas ele estava ali como que a nos dizer: bebo porque é líquido, se fosse sólido eu comia. Zé não mexia com ninguém na sua vidinha de limbo – era essa a imagem que eu tinha dele subindo e descendo as ladeiras da nossa terra.

Noutro flash da imaginação, lá está ele: Zé Bia. Era o Seu Lunga de lá, pois pra tudo tinha uma resposta em sua língua ferina. Uma das “tiradas” que mais gosto dele é que ele todo domingo subia para o campo de futebol ver seu time preferido. Chovesse ou fizesse sol, lá estava Zé Bia com seu guarda-chuva. Certo dia, no nosso campo (hoje se chama arena, estádio) de futebol estava lá ele em pleno sol a pino com seu guarda chuvas. Passava um, passava outro, e sempre uma piadinha: “que chuva, heim Zé Bia?”, mas ele ali, inchando. De repente, cai um toró. Todos correram para baixo do guarda chuvas dele. Ele não teve dúvidas: desarmou o troço e ficou na chuva se molhando com todos. Diziam que ele era deficiente físico porque “Deus quando marca é pra não perder de vista”, mas era implicância. Ele não era flor que se cheirasse mesmo, mas também não fedia, bufava. Certa tarde, uma dondoca da época metida a fina foi buscar um sapato que mandou fazer a biqueira (ou a salteira, não lembro). – “Zé Bia, eu agora estou sem dinheiro trocado, mas daqui a pouco eu te pago”... – Me dê que eu troco. – Não Zé, daqui a pouco eu venho. E se foi. Ele olhou pra mim e disse: “É bem vestida por fora, mas vai ver que a calcinha está furada”!

Como toda boa cidade do interior tinha o doido. No caso o que me lembro é de Cololô – uma doida dessas que a gente diz que é varrida. Contudo não mexia com ninguém no sentido de por alguém em perigo. Cololô era doida pro mundo, mas pra ela tudo indicava se sentir a mais normal das criaturas. Certo dia, perto da semana santa, precisamente na quarta-feira de trevas, desce Cololô pela ladeira do mercado rumo ao corredor apenas de calcinha. Como que achando pouco, colocou uns peixes que levava na mão (parecia traíra ou tilápia) exatamente em cima da “bela rosa”. Desceu a calcinha até o joelho, colocou os peixes, subiu outra vez a calcinha e saiu a esmo. Imaginem só o aroma!. Os meninos da rua, quando a viam cantavam: “Cololô quebrou a perna, eu também quebrei a minha. Cololô colou com cola e eu com merda de galinha”... Ela nem tchum pra ninguém. Numa briga com outra doida, Cololô levou uma dentada nos lábios perdeu uma pequena parte do beiço, pois se nunca foi bonita, menos ainda ficou. Parecia um satanás. Essa era a doida que eu me lembro e não sei se outras havia, mas deveria sim.

Havia lugares antológicos em Bom Conselho: A barraca de Seu Belon. Servia de ponto de referencia, pois seu Belon era o único que vendia, dentre outras coisas, tamanco. Eu usei muito tamanco, pois economizava sapato no inverno e facilitava a acústica quando a gente pulava corda com tamanco. (Naquela época homem que pulava corda era “falso a bandeira”. Eu pulava de morrer e até hoje sempre fui fiel a todas as bandeira que acredito sejam boas e me dão paz e felicidade)

Um banco de praça existia igualzinho aos demais. Mas virou emblematicamente o ponto de encontro das meninas que, linguarudamente se dizia que eram “do babado”. Mas acho que era a língua grande mesmo, mesmo assim para muitos de nós estava meio estigmatizado aquele banco da nossa antiga praça. A barraca de dona Zezé era ponto de encontro dos alunos do São Geraldo. Ela ficava no lugar onde é hoje o parque ecológico da cidade que tem o nome de José Feliciano (Pai do nosso querido ex-prefeito Daniel). Destacava nesse rol de lugares, a loja de Seu Joaquim, o pai de Tiana – Seu Joaquim do Vuco-vuco. A loja de Gabira, de Zé Correntão, eram ícones do nosso comércio e das nossas fofocas ingênuas, como se pode dizer “do bem”... No alto do colégio tinha o Café Sertanejo – reduto meio suspeito, mas muito conhecido por todos, devido ao local estratégico em que passavam todos os caminhoneiros, ônibus, etc. Não podia me esquecer da barbearia do Seu Colarinho. Ficava na Rua do Correntão – aquela que sobe pelo oitão da igreja Matriz rumo ao Caborje. Outro ponto de referencia era a casa do Coronel José Abílio Ávila – um dos mais poderosos coronéis do Estado junto com Chico Heráclito de Limoeiro. Hoje ainda está la, feito lenda morta como se o passado estivesse preso naquelas paredes esperando a hora de virar curupira, boi tatá, saci pererê ou coisas do gênero.

Finalizo com a história de dona Rozena: ela morava vizinha da minha avo, dona Maria Jó, no alto do Colégio. Dona Rozena carregava em suas duas mãos dez anéis. Não adiantava dizer pra ela que era feio. Ela gostava mesmo é de dedo com  anel. Até havia quem dissesse que ela não girava bem da bola. Certa tarde chega ela chorando na porta da casa de minha avó: “Dona Maria, perdi um anel”... “Vão-se os anéis e ficam os dedos”, dona Rozena”, respondeu minha vó. "Mas pra que peste eu quero dedo sem anel", respondeu ela. Ou véia abusada!

Coisas do amor ou da dor? Pois é como disse. “As histórias todas são iguais, eu apenas faço delas mais uma canção de amor... Ou de dor”!...

Lembram de Tomires, dona de Twist – um cachorro que adorava chocolate? Depois eu conto.
Lembram do sabonete Lever? Depois eu conto uma atribuída ao nosso Ex-Prefeito e querido amigo Daniel.
Lembram de Ubirajara irmão de Qurino? Depois eu conto o porquê que deram “grama a ele”...