Será que houve estupro no BBB 12?

Prólogo

Em textos anteriores Eu asseverei que não sou a palmatória do mundo. A mídia está em ebulição com os mais recentes acontecimentos do "reality show" BBB 12 e para não ficar adstrito ao mutismo vou satisfazer a uma notável leitora que me questionou da forma que se segue:

"Boa noite doutor Wilson. Meu nome é Cassandra, tenho 25 anos e sou estudante de direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Moro no Bairro de Nova Betânia, Mossoró-RN. Na minha casa todos trabalham no ramo comercial. Montei meu próprio negócio com o apoio de meus pais. Tenho dois irmãos que também estudam. Sendo um na FRN e o outro na UFERSA.

Certamente o senhor está acompanhando os acontecimentos sobre o escândalo do BBB 12. O senhor acredita que houve estupro no BBB 12? Caso queira poderá responder com mais um dos seus maravilhosos textos e publicá-lo no Recanto. Tenho a absoluta certeza que muitas outras pessoas irão aprender um pouco mais sobre esse bafafá.

Obrigada pela atenção que sei me dará para aumentar mais ainda meu desejo em ver meu nome citado pelo senhor em seu texto. Beijos e obrigada também por tudo que tem me ensinado nos seus escritos. Ass. Cassandra".

INICIO MINHA RESPOSTA COM UM BREVE HISTÓRICO DO SUPOSTO OCORRIDO

Acompanho os noticiosos, mas não vejo o "reality show BBB 12". Não vejo esse programa por considerá-lo inadequado (para mim) e por não embasar meus conhecimentos sobre o comportamento humano. Há quem goste, vibre e aplauda essa exposição de comportamentos.

Alvitro que a sociedade tenha prudência e seja seletiva quanto aos programas televisivos a serem assistidos pelas famílias, mesmo em detrimento dos interesses comerciais.

Nesse programa, entendo, não há informação capaz de complementar e sidimentar os conhecimentos adquiridos no seio da família no que diz respeito às conveniências sociais e moralidade dos princípios norteadores dos seres humanos. Isto posto, vamos ao que posso dissertar sobre o ocorrido.

RESUMO DOS FATOS

A Polícia Civil do Rio informou na tarde de terça-feira (17/Jan) que abriu inquérito para apurar um suposto caso de estupro dentro da casa onde acontece o "reality show" "Big Brother Brasil", da TV Globo. O modelo paulista Daniel Echaniz, de 31 anos, é suspeito de ter cometido o crime de estupro de vulnerável contra a estudante gaúcha Monique Amin, de 23 anos, na madrugada de domingo (15/Jan).

Ainda na terça-feira, o delegado Antônio Ricardo Nunes, da 32ª DP (Taquara), foi ao Projac, local onde o programa é realizado, e ouviu separadamente os dois, por cerca de uma hora e meia cada um. Na saída do Projac, ele não deu detalhes do depoimento.

De volta à delegacia, o delegado disse que Monique afirmou que não houve sexo entre ela e Daniel. Segundo o delegado, ambos disseram que as carícias foram consentidas e que, apesar da ingestão de bebidas alcoólicas, estavam conscientes. "Se, no decorrer da investigação, entendermos que houve esse ato sem a consciência dela, vamos dar o seguimento que é normal da investigação", afirmou o delegado.

Nunes informou ainda que Monique não quis fazer exame de corpo de delito e que a polícia fará perícia em objetos que coletou no Projac: calcinha, cueca e roupa de cama. Os resultados da perícia devem sair em 30 dias. Em depoimento oficial à Polícia, Monique afirmou que estava consciente e agiu de forma consentida.

Assim que surgiu a suspeita, a TV Globo iniciou a apuração dos fatos, que num primeiro momento apontavam para uma cena de carícias semelhante à de outras edições. Após avaliação, a emissora decidiu pelo afastamento de Daniel, até para que ele pudesse prestar esclarecimentos formais à polícia.

MINHAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CASO EM COMENTO

Em 2009, a lei n° 12.015/2009 substituiu o conceito anterior de “presunção de violência” (também conhecido como “estupro presumido”) pelo novo conceito de “estupro de vulnerável”.

A Lei 12.015/09 promoveu uma grande alteração no regramento dado à ação penal nos crimes sexuais com a nova redação do artigo 225, CP.

Não mais existe a regra da ação penal privada nos crimes sexuais. A regra agora passa a ser, nos termos do artigo 225, “caput”, CP, a ação penal pública condicionada à representação. Em nenhuma hipótese a ação será privada exclusiva, somente subsistindo, por força de norma constitucional e de regras ordinárias gerais a possibilidade de ação penal privada subsidiária da pública em casos de inércia do Ministério Público (artigo 5º, LIX, CF c/c artigo 100, § 3º, CP c/c artigo 29, CPP).

Também estabelece o Parágrafo Único do artigo 225, CP, as exceções em que a ação penal será pública incondicionada. Isso ocorrerá quando:

a) A vítima for menor de 18 anos;

b) A vítima for “pessoa vulnerável”.

O primeiro caso é de fácil constatação e comprovação nos autos, satisfazendo-se com a prova da idade da vítima mediante juntada de documento hábil (Certidão de Nascimento). Já com relação à segunda hipótese, a lei faz referência ao TERMO INDEFINIDO “pessoa vulnerável”. Abordou-se, posteriormente, o problema da falta de uma definição legal segura da expressão "pessoa vulnerável", o que produz certa insegurança jurídica.

O conceito do que seja “pessoa vulnerável” deve ser inferido da análise conjunta dos dispositivos que compõem o Capítulo II, denominado “Dos crimes sexuais contra vulnerável”.

Ora, o grande e difícil problema, em certos casos, é a identificação da "pessoa vulnerável". Observando-se os dispositivos e especialmente o artigo 217 – A e seu § 1º, CP, chega-se à conclusão de que o termo “pessoa vulnerável” corresponde aos antigos casos de “presunção de violência” outrora previstos no revogado artigo 224, “a”, “b” e “c”, CP.

Portanto, são “pessoas vulneráveis”:

a) Os menores de 14 anos;

b) Aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não têm o necessário discernimento para a prática do ato sexual;

c) Aqueles que, por qualquer outra causa (diversa da etária ou mental), não podem oferecer resistência. Deste caso são exemplos pessoas com incapacidades físicas de mobilidade e fala, embora maiores e mentalmente sãs; pessoas idosas fisicamente incapacitadas e dependentes de terceiros, embora mentalmente sadias etc.

UMA DEDUÇÃO ÓBVIA: Salvo outro juízo, nesta letra "c" poderemos enquadrar as vítimas que se encontram sob o efeito de uma ou mais drogas, por exemplo: o álcool. Contudo, há que se considerar a hipótese de suposto agressor e vítima estarem "vulneráveis" na ocasião da prática do ilícito.

Nesse caso podemos perguntar: É possível identificar vítima e agressor quando ambos estiverem alcoolizados ou sob o efeito de uma outra droga? E se ambos, diante de uma autoridade judiciária, declararem que se encontravam conscientes e que agiram de forma consentida, como provar a incapacidade de alguém que se declara sóbria e ciente dos seus atos?

Vimos nos noticiosos que foi exatamente o que aconteceu com os envolvidos no suposto estupro no "reality show BBB 12": Segundo o delegado designado para apurar o caso, ambos disseram que as carícias foram consentidas e que, apesar da ingestão de bebidas alcoólicas, estavam conscientes.

INCITAÇÃO AO CRIME

Não desejo com esse artigo "colocar mais lenha na fogueira" ou lançar o pó de mico de encontro ao ventilador. O "Samba pra crioulo doido" já foi iniciado. Todavia, é válido esclarecer o VERBO INCITAR: É a conduta pela qual determinada pessoa, provoca, induz, faz com que outras pessoas decidam agir, publicamente, à pratica de ato contrário a lei, e definido como crime.

Dispõe o artigo 286 do Código Penal:

Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Aqui, vale observar, que para a configuração do delito de incitação ao crime, é imprescindível que a conduta do agente seja a de levar, induzir outra pessoa, publicamente, a incorrer na pratica de crime definido em lei, excluindo-se, portanto, a incitação a contravenção penal.

Por fim, a ação penal subordinada ao delito de incitação ao crime é pública incondicionada, onde o Estado deve agir prestando sua tutela jurisdicional atuando e compelindo o agente às penas previstas no artigo.

Outro fato que merece ser visto com atenção é que a conduta do agente em incitar se realize publicamente, ou seja, incitar uma ou mais pessoas e tendo várias outras como espectadoras, caso contrário não estará o agente incurso no referido crime. Ora, isto é uma lamentável coincidência com os últimos fatos ocorridos neste e nos anteriores "reality show Big Brother Brasil", promovidos pela Rede Globo.

Há não apenas publicidade dos atos íntimos dos confinados. Existem gravações de cenas que NÃO SÃO DO CONHECIMENTO de todos os que se deleitam espiando as intimidades dos participantes do jogo. Quem poderá dizer que desconhece o "Pay-per-view" (pague-para-ver)? Minudências à parte vamos ao termo INCITAÇÃO que realmente interessa.

Nota-se que o objetivo jurídico do crime em tela (INCITAÇÃO) é a paz pública, razão pela qual, para a caracterização do delito, necessário se faz que o agente incite pessoa à pratica de crime a ponto de levá-la a incorrer em ato contrário a lei que não incorreria caso não fosse excitada.

Quanto a consumação do crime, esta se dá no momento em que o agente incitou, publicamente, outras pessoas, não importando se tenha este conseguido atingir seu objetivo, qual seja, que tenha levado o sujeito passivo à praticar crime definido pela lei.

No dia 1º de dezembro de 2011 Eu escrevi e publiquei no Recanto das Letras a confusão em que se envolveu o jogador de futebol Marcelinho Paraíba:

"Em terra de cobra sapo experto também rasteja" ou ""Quem é arruela não faz contrato com parafuso" (Há versões mais obscenas desse refrão) ou "Quem sai na chuva quer se molhar" ou "Em festa onde há homens, mulheres e bebidas a possibilidade das emoções se salientarem é imensurável." (Esse refrão é de minha criação).

Ora, colocar pessoas (homens e mulheres) confinadas em um local, com pouca ou quase nenhuma roupa, promover, com essas pessoas, festa com som forte e bebidas alcoólicas... O que se poderá esperar desses jovens abstidos, saudáveis e com seus testosteronas e progesteronas explodindo?

Repito: Induzir é persuadir, aconselhar, argumentar, pressupõe a iniciativa à prática e pode fazer-se por qualquer meio. Incitar é instigar, provocar, excitar a pratica do crime, por qualquer meio ou de qualquer forma, sem necessidade de sê-lo pelos meios de comunicação social ou de publicação.

O crime é formal, independe do resultado ou da consequência da incitação e equipara-se à própria prática. Provavelmente alguns radicais haverão de pensar e escrever que a Rede Globo incita a permissividade no "reality show BBB". Eu não chegaria a tanto.

É claro que essa confusão no BBB 12 será explorada pelas emissoras concorrentes que farão de tudo para incutir nas mentes dos espectadores a responsabilidade da TV Globo e até mesmo o cometimento da incitação ao crime. Ora, isso é o mesmo que considerar responsáveis os fabricantes de automóveis pelas inconsequências dos motoristas que guiam veículos em estado etílico acentuando a imperícia e a imprudência.

Do mesmo modo, quem considera a TV Globo culpada por esse vilipêndio público e social ("Reality show") também haverá de querer culpar os fabricantes de armas e munições pelos crimes cometidos com a utilização de armas de fogo. Isso é preciitação às ilações que envereda pela surreal teoria objetiva da responsabilidade civil ou responsabilidade sem culpa.

CONCLUSÃO

Enfim, concluo, entendendo, que pelos depoimentos espontâneos dos envolvidos (Daniel e Monique) NÃO HOUVE ESTUPRO, mas sim uma permissividade pública, prazerosa, consentida e NÃO INCITADA, de forma dolosa, pela Rede Globo de Televisão.

Se houve a quebra do contrato por comportamento inadequado de um dos participantes do "reality show" Eu precisaria ter acesso a esse contrato para emitir um parecer mais justo.

Quanto ao suposto estupro sofrido pela participante Monique Amin e tendo como acusado o modelo paulista Daniel... afirmo e repito sem medo de errar: NÃO CREIO NESSE SUPOSTO ESTUPRO! Ademais, a direção do programa tomou todas as providências para minimizar os arranhões na imagem da empresa, coibindo os excessos e não está obstando as investigações policiais.

Não há dúvida que, se o acusado (Daniel) e suposta vítima (Monique) afirmaram que estavam conscientes, naquele momento de extremada excitação, só haverá apuração dos fatos, pela polícia judiciária, se a suposta vítima representar contra o acusado.

Isto está cristalino no artigo 225, “caput”, CP, isto é, a ação penal pública condicionada à representação. Fora desse entendimento tudo o mais serão ilações antes da apuração cuidadosa dos fatos e severamente danosos em maior ou menor grau para todos os envolvidos.

Para que seja confirmado o estupro haverá que se comprovar que ela (Monique) tinha total e plena incapacidade (pessoa vulnerável) para oferecer resistência. Essa comprovação é tão complexa, até porque ela está negando essa inconsciência, quanto explicar a procedência da mulher de Caim quando lemos o capítulo 4, versículos 16 e 17, de Gênesis.

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NOTAS REFERENCIADAS E BIBLIOGRÁFICAS

- DELMANTO, Celso, et al. Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2002.

- TELLES, Ney Moura. Direito Penal. Volume III. São Paulo: Atlas, 2004.

- Notas de Aulas do Autor sobre Direito Penal - Pós-Graduação.