BBB: estupro real e virtual
Por Lúcio Alves de Barros*
A polêmica do momento que vai se arrastar por uns dias é o “suposto” estupro da jovem Monique Amin, 23 anos, no famigerado Big Brother Brasil levado ao ar pela poderosa Rede Globo. A história já conhecida é que após uma festa com muitos goles, a estudante de administração Monique e o jovem modelo Daniel Echaniz, de 31 anos, foram para o quarto e debaixo de um edredom começaram a trocar beijos e carícias O vídeo, disponível nesse mundo virtual de ninguém, mostra “movimentos suspeitos” que levaram muitos internautas a identificar uma violência sofrida pela jovem gaúcha. É bom lembrar que a menina estava dormindo e o menino ainda bem acordado.
O fato é lamentável e aponta para o poder dos meios de comunicação. Um poder invisível, por vezes visível e manipulador que se reveste de várias formas e em várias ocasiões. A questão do estupro, que não pode ser esquecida - e lembro aqui o direito ao contraditório do garoto - não pode ser avaliada sem a possibilidade de apontar para a responsabilidade da emissora em interferir no momento da relação. Suponhamos que fosse alguém com uma faca ameaçando os colegas ou coisas menores como uma brincadeira de balde na porta ou empurrões maldosos em uma piscina.
A questão é séria e lamento o que os pais devem estar passando com essas crianças engarrafadas em um vídeo. Ver a própria filha sendo supostamente violentada deve ser um sentimento mais que... não tenho palavras. Ver o filho sendo julgado como estuprador também é um fato que não merece citações. Logo, poupemos os pais, afinal estamos lidando com uma mulher e um homem que, pelo menos no campo normativo, são responsáveis por suas ações.
Todavia, o acontecimento midiático - que tem tomado a ressonância esperada pelos profissionais da área - deve ser analisado também pelo ponto de vista de que a própria emissora produziu e vem produzindo. Ao expulsar o jovem garoto, a emissora revelou como sabe julgar e condenar publicamente. De duas uma: (1) a emissora tem informações que, escondidas, revelam o crime ou (2) não acredita que realmente houve o estupro e está de olho no IBOPE, apesar da jovem dizer, diante da acusação, que não fez sexo consentido com o rapaz: “só se ele [Daniel] foi muito mau caráter de ter feito sexo comigo dormindo".
Não é possível que toda essa alienação ainda encontre meios de ser alimentada por indivíduos tolos que não percebem que a fala da garota é muito séria e digna de levantar suspeitas não somente sobre este programa, mas sobre os outros que passaram pela tela. Ela parece confusa em vários momentos, mas não parece titubear diante da possibilidade de ter feito sexo com o jovem. Por outro lado, ele foi condenado e sem direito a voz, inclusive pelo próprio meio de comunicação que tem oferecido largo espaço para a fala de Monique.
De todo modo, uma questão está clara: chegamos ao limite do absurdo e do grotesco: a possibilidade de um crime não pode ser deixada de pertinente averiguação. No campo da segurança pública, fala-se em tentativa de homicídio. Estamos lidando com uma tentativa de estupro? E não fizeram nada? E as pessoas que estavam assistindo, que pagam caro para isso, não perceberam?
Na realidade perdemos a capacidade de proteger o outro. Seres humanos deixaram de ser humanos há tempos. São seres esvaziados, aparentam e fingem viver o que na verdade é real como se não fosse a realidade. A relação dos dois “amigos” nessa “droga” chamada Big Brother tem sido mostrada como caso de novela e não como um fato tão sério como é. Esse vazio produzido na fronteira do real e do virtual atrapalha as mentes e coloca miopia no olhar das autoridades responsáveis em verificar a realidade dos fatos. Que sociedade é essa que grita somente depois? Que berrem as feministas. Que gritem os machistas. Que discutam o racismo como quer a Globo. Que joguem pedras lá e cá, mas que a verdade venha à tona e que parem de enganar o público em relação a um acontecimento que tomou enorme ressonância e que é permitido por este Estado gerenciado por gente corrupta e sem o mínimo de escrúpulos.
*Professor na Faculdade de Educação da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), doutor em ciências humanas e organizador do livro “Mulher, política e sociedade”. Belo Horizonte / Brumadinho: Ed. ASA, 2009.