A questão do Latifúndio em Palmares

A questão do Latifúndio em Palmares

Alexandre Junior de Lima e Silva

(mestrando em história UFPE)

Introdução

A questão da terra, no Brasil, está atrelada aos arranjos efetivados a partir do jogo de poderes que fazem parte da formação do Estado brasileiro. É o resultado de um longo e contraditório processo que envolve fatores tais como a posse da terra, recursos para torná-la produtiva, um sistema econômico que esteja atrelado a esta cadeia de produção e um aparelho político estatal que garanta a rentabilidade necessária para a manutenção deste tipo de sociedade que surge em torno da propriedade agrária.1.

A concentração de terra vem gerando ao longo do tempo um processo lento de empobrecimento da população. Muito acentuado, na região da Mata com o incentivo governamental às usinas de açúcar e de álcool através do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA)2. Há fome em uma das regiões mais ricas em termos de solo do mundo, uma vez que a terra de melhor qualidade é destinada a lavoura açucareira.

Deste modo, o trabalhador rural possui, desde sua formação alimentar os traços da fome, que sua remuneração não poderá dar a sua descendência sorte diferente. A não ser que ele migre para as pontas de rua ou para as cidades de grande porte. Sendo assim, a única herança que boa parte dos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar deixara para sua descendência será a desnutrição marcada em seu próprio corpo.

De um modo geral há uma diminuição considerável das plantações de gênero de primeira necessidade em detrimento da lavoura da cana-de-açúcar. Consequentemente há uma maior pressão social devido sua escassez destes produtos no mercado, causando assim, transtornos sociais. O censo Agrícola de 1960 nos fornece a informação de que não há silos para o armazenamento de alimento em Palmares, corroborando o projeto de que o manejo da terra está voltado para a lavoura canavieira de exportação e não a subsistência humana.

O binômio fome e repressão são de alguma maneira a moldura na qual é criado o cenário onde aparecerão as forças, de um lado, almejando a manutenção da situação atual. E, de outro, um leque de movimentos populares que se articulam em torno do discurso da mudança da estrutura estabelecida desde o período colonial.

Uma das formas de reprimir o trabalhador rural, que vive em forma de cambão é o preço pago ao proprietário. De tal maneira, que daria para pagar a propriedade em um prazo de um a dois anos3.

Este tipo de espoliação impede que quem cultiva a terra tenha uma acumulação de capital suficiente para melhor sua produtividade e, ter capital de reserva para tempos de dificuldades. Além disso, os produtos agrícolas do Brasil estão muito vulneráveis a volatilidade do mercado internacional.

Quais são as razões para haver uma dissociação, no caso brasileiro, entre desenvolvimento industrial dissociado da reforma agrária? Observamos “uma modernização sem mudança” do quadro agrário brasileiro. Mas, quais as razões para que o latifúndio ainda permaneça como uma realidade presente na estrutura agrária?

Há, segundo Boris Fausto, uma relação entre a composição dos membros do Congresso Nacional e a manutenção do latifúndio4. A partir da constituição de 1937, analfabetos, militares em serviço ativo e mendigos não poderiam votar5. Então, a frente popular do Recife, utilizando de técnicas de educação popular6, iniciou um trabalho junto às populações rurais, afim de ter ter ,uma quantidade mais expressiva de votantes a seu favor. Por esta razão, o movimento empreendido pela Frente Popular do Recife, se tornou tão nocivo as elites agrárias, e sobretudo as canaveiras no início da década de 60.

Havia, então, a possibilidade de transformar o grande número de pessoas que vivem no campo em uma força política independente da batuta dos grandes proprietários de terra. Por esta razão bem simples, o Partido Comunista Brasileiro vem lançando suas bases em Palmares no primeiro quartel da década de quarenta contava, segundo o Censo demográfico de 1960, com uma população de 39.696 habitantes, sendo que 8.511 pessoas atuavam em “atividades agropecuárias e extrativas”, ou seja, mesmo que não possamos afirmar categoricamente que eram ligadas a atividade açucareira, é um numero bem expressivo se ainda levarmos em consideração o número de pessoas que faziam parte de grupo economicamente ativo que era composto por 13.551 pessoas7.

Este presente capítulo e composto de três partes. A primeira parte se refere ao modo de organização da propriedade agrícola, sua extensão, área plantada, manejo do solo, técnicas de produção, tipo de cana-de-açúcar utilizado para melhorar a produtividade. É de suma importância deixar claro que em um primeiro olhar, o trabalhador rural será considerado muitas vezes parte da propriedade e sua ação será vista a partir desta ótica.

Estudaremos os “caminhos percorridos” pelas usinas que levaram a uma situação de superioridade em relação aos senhores de engenho e pequenos proprietários; Ainda dentro deste ponto, estudaremos a ação governamental em favor dos usineiros através de incentivos fiscais, juros módicos e perdão de dívidas passadas e novos investimentos. Além de uma política de compra e estoque do açúcar afim de manter o preço do açúcar virtualmente aquecido.

A ação da policia do estado de Pernambuco está ligada aos grandes proprietários de terra, exceto no governo de Miguel Arraes, no que se concerne a resolução de problemas surgidos em torno da temática agrária. Para tanto, teremos como documentação os censos agrários de 1950 e 1960 que nos darão informações estes elementos, somados a legislação agrícola e reflexões teóricas a respeito.

A segunda parte se refere ao crescimento da área utilizada para o plantio da cana-de-açúcar de açúcar em Palmares. Vamos nos deter sobre os dados das Usinas Treze de Maio (sede em Palmares), Catende ( sede em Catende, mas possui terras em Palmares), Pirangy (sede em Palmares), Serro Azul (sede em Palmares).

Como metodologia para este capítulo, utilizaremos como fonte documental os dados fornecidos pelo IBGE, INCRA, IAA e SUDENE vendo os dados dentro de uma conexão com a imprensa local, os órgãos de segurança pública que também possui bancos de dados que podem esclarecer alguns pontos a respeito; Além dos teóricos da histórica, da geografia social e da sociologia, afim de que os dados não sejam descontextualizados, o que seria um entrave que impossibilitaria o papel do historiador.

1. Processo de expansão das usinas e o fim dos engenhos banguês

Em primeiro lugar, os dados do censo agrícola de 1960 estão subordinados a legislação do recenseamento de 1960 que o manteve com “caráter confidencial”. “Assim, as declarações, além de possuírem ineficácia jurídica como meio de prova, foram consideradas invioláveis”. Com isto, há uma contradição no sistema informação governamental que por um lado gerava informações sobre a estrutura agrária por um lado, e inutilizava estes dados para qualquer efeito jurídico contra os proprietários8, por outro.

As primeiras tentativas de modernização da produção do açúcar começaram pela proposta de implantação de engenhos centrais, mas estes

constituíram um fracasso na tentativa de modernização do nosso parque açucareiro, e fizeram ir por terra o sonho do Barão de Lucena de separar a atividade agrícola da industrial. As companhias estrangeiras que montaram os engenhos centrais não estavam, através de técnicos, identificadas com as condições naturais e econômicas do meio nordestino, a maquinaria era de má qualidade e insuficiente e os fornecedores da matéria prima nem sempre cumpriam as clausulas contratuais, impedindo que a atividade industrial atingisse a sua plenitude. 9

O advento das usinas aconteceu a partir da necessidade de competir com o açúcar estrangeiro que era de melhor qualidade e de aumentar a produção. Entre 1910 Pernambuco possuía 46 usinas, em 1920 passou o número subiu para 54. Alagoas passou respectivamente de 6 para 15. No Nordeste as usinas passaram de 130 em 1910 para 166 em 1920.10 Manuel Correia de Andrade chama a atenção do fato do número de usinas não está relacionada a produção de açúcar uma vez que o estado de Sergipe passou de 62 usinas em 1910 para 70 usinas no ano de 1920. No entanto, “Alagoas com apenas 15 usinas, tinha uma produção 50% maior à sergipana com 70 usinas11”. O mesmo autor ainda chama a atenção

“para o fato de a produção das 36 usinas, na safra de 1945-46, ter sido de 785.613 sacos e, na safra de 1955-56, ter sido de 716.765 sacos de 60 quilos, enquanto a Catende, então a maior usina de Pernambuco, teve nestes dois anos, respectivamente, as seguintes safras: 761.884 e 886.277 sacos. Também a Central de Barreiros, em 1955-56, teve sozinha maior produção que as 36 usinas sergipanas reunidas – 824.390”12.

1.1 Apoio governamental

As usinas nasceram fundamentadas sobre o apoio estatal através de financiamento dos governos dos estados da federação13. Além do financiamento a juros módicos, havia ainda o perdão das dívidas e a redução ou a isenção de impostos14. Ou seja, existia um apoio o para a agroindústria canavieira por parte do estado, revelando uma política de governo aplicada em Pernambuco e que só veio ser questionada com a eleição de Miguel Arraes no início da década de 60 para o cargo de governador.

Em 1926, o usineiro e governador de Pernambuco, Albuquerque Coimbra

sancionou as resoluções do Congresso Legislativo de Estado a cooperar na organização do Instituto de Defesa do Açúcar, sociedade constituída entre os produtores de açúcar do Estado nos moldes de uma cooperativa, de acordo com o decreto federal nº1637 de 5 de janeiro de 1907[...] De acordo com a lei a finalidade do Instituto era intervir no mercado para impedir a queda dos preços do açúcar, do álcool e dos derivados através basicamente da unificação das vendas e da estocagem de açúcar mediante o sistema de warrantagem e do incentivo ao álcool combustível.15

Esta política adotada pelo estado de Pernambuco em consonância com os estados plantadores de cana-de-açúcar no Nordeste, trouxe como consequência a estagnação econômica, e uma crescente dependência das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Além disso, não houve tentativas de aliar crescimento econômico com desenvolvimento social. Ou seja, o capital adquirido com a cana-de-açúcar não se transformou em melhorias significativas para o desenvolvimento da região e a consequente melhoria da qualidade de vida da região que do ponto de vista social muito se assemelhava ao cenário da escravidão16.

O incentivo ao uso de novas tecnologias no trato da lavoura canavieira está inserido no caminho traçado pelo estado de Pernambuco em favor dos usineiros e grandes proprietários. Alinhado aos interesses nacionais. Segundo Thomas Rogers, Apolonio Sales, proprietário da maior usina do estado e parte integrante do movimento de modernização das usinas em Pernambuco, torna-se “no final dos anos 1940” ministro da agricultura do Brasil. Trazendo à tona uma unidade entre os interesses das oligarquias regionais e as do resto do país.

1.2 Resistência à mudança: conflitos entre as novas propostas de modernização da cultura canavieira e a tradição secular açucareira.

Vale salientar, inclusive, que este movimento de modernização das usinas pode encontrar seus primórdios no primeiro quartel do século XX, no mês de setembro de 1912 o laboratório de Química da Escola Média de Agricultura de Pernambuco17 analisou 26 tipos de cana-de-açúcar. Levando em consideração peso, quantidade de caldo, graus de braumé, densidade do caldo, temperatura, glicose, sacarose, percentual de água, pureza, cinzas, valor proporcional, comprimento da cana, diâmetro, comprimento dos gomos, cor e borbulhas. Vale salientar que esta é uma iniciativa dentre tantas. Thomas Rogers fala de “emergência e profissionalização de um setor de cientistas e assessores agronômicos”18 nos primeiros anos do século XX. Porém, esta “modernização sem mudança” não veio sem resistências.

Durante o congresso agrícola das regiões nordestinas produtoras de açúcar, em 1878, um plantador e intelectual queixou-se do “amor à rotina” de seus pares – sua má vontade em aceitar, menos ainda abraçar a mudança. A resistência dos Plantadores de Pernambuco à modernização agrícola, ou seu desinteresse, trouxe também comentários de outras partes, próximas e longínquas. Carlos Augusto Taunay notara, em 1839, no seu manual de agricultura que as técnicas de campo na indústria açucareira estavam deploravelmente atrasadas em todo o império. A agricultura canavieira era tão primitiva e básica, dizia ele torcendo o nariz, que “qualquer jornaleiro tem conhecimento suficiente das técnicas.”19

O processo de modernização muitas vezes esbarrava na visão de mundo e de propriedade dos senhores de engenho que viam na paisagem uma extensão do seu poder. Sendo, assim, qualquer agente externo que pudesse modificar esta paisagem seria considerado um poder paralelo que poderia desestabilizar o sistema existente20.

O termo paisagem pode ser encontrado em artigo de Christine Dabat que extraindo o termo de Josué de Castro, a chama de ‘defunta”21 ao se remeter a estrutura fundiária. Thomas Rogers a vê como uma realidade que condensa em si mesmo imaginário e espaço22. No mesmo artigo, se referindo ao plantio da cana-de-açúcar a autora diz que “as terras canavieiras de Pernambuco, embora cultivadas por mais de quatro séculos sem técnicas sofisticadas, permanecem fundamentalmente inalteradas”23.

Os movimentos que permeiam o fomento a agroindústria dialogam constantemente com os grandes proprietários de terra que de um lado possuem força política que torna possíveis investimentos vultosos para a cultura da cana-de-açúcar e do outro, não possuindo uma visão de mundo que integre novas formas de tecnologia e de gestão que mais adaptadas ao movo modo de ser do capital internacional não conseguiu acompanhar a nova conjuntura que se instalara a partir dos anos 30.

Até mesmo a legislação do trabalho, central no projeto de modernização do país implementada sob Getúlio Vargas, sucumbiu às pressões dos meios sacaricultores e mais geralmente dos latifundiários. Apesar das intenções dos meios de seus próprios autores, a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, que assegurara ainda quadros institucionais protetores aos empregados brasileiros, não foi aplicada aos assalariados rurais. No fim dos anos de 1950 e início dos anos 1960, foi preciso toda força dos movimentos sociais no campo para que sua condição como trabalhadores por completo, fosse finalmente reconhecida legalmente aos cortadores de cana, com a promulgação, em março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, complementado, nos anos 1970, por medidas de proteção social e o estabelecimento do sistema de aposentadoria.

A resistência era tanta que no ano de 1935, Gilberto Freyre ao lado de Ulysses Pernambucano, tentou realizar um estudo junto aos trabalhadores da cana-de-açúcar que pudesse servir para futuras reorganizações por parte dos usineiros, mas foi considerada uma invasão indesejada, sendo abandonada de imediato. O argumento utilizado na época era de que “as condições de vida, de habitação e de assistência médica hospitalar dos trabalhadores das usinas eram plenamente satisfatórias24.

O professor Estevão em introdução Ao Problema Agrário na zona canavieira de Pernambuco afirma que “as terras de lavoura cansada, várias delas transformadas em verdadeiros feudos; os inconvenientes da monocultura açucareira; a usina, agente de destruição dos valores da paisagem e causa de degradação cultural, etc.”. Temos então um quadro de estagnação causado pelo latifúndio somado a falta de investimentos vultuosos em tecnologia e desenvolvimento social para a maioria da população.

No encontro promovido pelo então IJNPS se discutia a possibilidade de haver uma reforma agrária no Nordeste. Francisco Julião fez um discurso contra o que ele chamou de “sistemas feudais e escravistas” e convocando os presentes a completar a libertação dos escravos iniciada por Joaquim Nabuco.

“Não iremos travar debates filosóficos e sim externar nossa opinião para servir de meditação aos empenhados em tirar o Nordeste e Pernambuco das condições atuais, por culpa de um sistema que está atentando contra o homem.[...] O homem não de deve servir a terra e sim esta ao homem. A nossa maior preocupação não é a terra e sim o homem. Aqueles que detêm as mais vastas regiões do Estado, os donos dos canaviais, costumam queixar-se de que São Paulo concorre para prejudicar o desenvolvimento desta região. Reconhecemos que aqueles que se lamentam procedem para com a região do mesmo modo que o capital internacional procede para com os países subdesenvolvidos; costumam levar para fora de Pernambuco, para os arranha-céus, uma riqueza que é nossa, fruto do trabalho de milhares da zona da Mata”25.

Para Julião, a questão da terra não estava desligada das questões humanas. Dissociar esta realidade seria desconsiderar as relações que emergem em torno da produção açucareira não só em Pernambuco, mas no Brasil. Seguindo esta linha de pensamento, apontamos os textos de Foster que faz um estudo da obra de Marx do ponto de vista ambiental. Ele nos indica uma relação entre propriedade da terra e dominação dos seres humanos:

A dominação da terra em si, para Marx, assumiu um significado complexo, derivado do seu conceito de alienação. Ela significava tanto a dominação da terra por aqueles que monopolizavam a terra, e portanto os poderes elementares da natureza, como também a terra e da matéria morta (representando o poder do proprietário e capitalista) sobre a vasta maioria dos seres humanos. Assim a alienação da terra, e daí a sua dominação sobre a maior parte da humanidade (pela sua alienação em favor de poucos), ser um elemento essencial da propriedade privada e existir na propriedade de terras feudal – que era a “raiz da propriedade privada”...observou Marx, “nós já encontramos a dominação da terra como um poder estranho ao homem”. A terra já aparece como o corpo inorgânico do seu senhor”, que é o dono dela e que a usa para dominar os camponeses26.