O percurso do conceito de raça no campo de relações raciais no Brasil
No desenrolar dos estudos, atentando para os questionamentos propostos nas leituras do material de referencial teórico, e ainda em outros pesquisados, buscando evidenciar a chegada das teorias racistas ao Brasil e o ônus social que traziam ao país visando discutir os aspectos sobre o “embranquecimento” da nação de cor e raça que deixa de ser apontado como solução nos anos 1930 (teoria defendida pelo determinismo racial), mediante a cristalização da imagem do Brasil celeiro da democracia racial que nos abre o leque de discussão no campo de estudos das “relações raciais”; na tentativa de evidenciar organizar agenda de estudos da geração de pesquisadores sobre relações raciais, após os anos 1970.
Assim, fazendo um “tour” pela história do Brasil vindo desde a Lei Áurea, em 1888, através da qual é extinta formalmente a escravidão para aproximadamente um milhão de escravizados/as, a população brasileira na época era de aproximadamente quinze milhões de habitantes. Esses/as novos/as cidadãos e cidadãs, que anteriormente lotavam as senzalas e parte das casas grandes do Brasil colonial, passavam a ser dotados de direitos e deveres e a compor o povo brasileiro. Livres da escravidão, porém relegados à condição de subvida. De certa forma, essas discussões sobre as questões raciais chegaram atrasado ao Brasil. Pois a noção de raça vinha sendo discutida na Europa desde o início do século XIX, dividindo teóricos/as por distintos paradigmas.
A antropóloga brasileira Lilia Moritz Schwarcz, em seu livro “O espetáculo das raças” (1993), se apropriou de um termo utilizado pelo intelectual Silvio Romero (1851-1914) para qualificar o contexto de recepção das novas “modas intelectuais”: “bando de idéias novas”, afirmava o crítico literário. Assim, pode-se destacar alguns conceitos teóricos que serão importante em nosso estudo:
• Antropometria lombrosiana - (do médico italiano Cesare Lombroso, 1835-1909) teoria da relação entre as características físicas dos indivíduos e sua capacidade mental e propensões morais. A teoria apontava características corporais do homem delinquente: mandíbulas grandes, ossos da face salientes, pele escura, orelhas chapadas, braços compridos, rugas precoces, testa pequena e estreita.
• Darwinismo social - tem origem na teoria da seleção natural de Charles Darwin, que explica a diversidade de espécies de seres vivos através do processo evolução. De acordo com esse pensamento existiriam características biológicas e sociais que determinariam que uma pessoa é superior à outra e que as pessoas que se enquadrassem nesses critérios seriam as mais aptas. Geralmente, alguns padrões determinados como indícios de superioridade em um ser humano seriam o maior poder aquisitivo e a habilidade nas ciências humanas e exatas em detrimento das outras ciências, como a arte, por exemplo, e a raça da qual ela faz parte.
• Determinismo racial - um discurso racial biológico, se determinaram a buscar a origem do povo brasileiro. O tema da mestiçagem teve papel central no debate sobre a modernidade em diversas sociedades multirraciais, incluindo as latino-americanas (Graham 1990; Stepan 1991; Wade 1997). Desde a segunda metade do século XIX, cientistas, viajantes e intelectuais comungavam da crença racialista de que países com acentuada heterogeneidade racial estavam fadados a sofrer processos de "degeneração". O caso racial brasileiro é particularmente rico e tem sido sistematicamente estudado (Fry 2000; Maio e Santos 1996; Schwarcz 1993; Skidmore 1993 [1974]; Stepan
• Lamarkismo - teoria evolucionista de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck, que foi precursor de Charles Darwin. A teoria se assenta em dois pontos:
1. Os seres humanos rumam para a perfeição, dos seres menos desenvolvidos aos mais desenvolvidos;
2. O uso e o desuso, isto é, no processo reprodutivo ao longo do tempo, os indivíduos perdem as características de que não precisam e desenvolvem as que utilizam. Mestiços/as- termo utilizado para designar os/as descendentes de duas ou mais etnias ou raças.
• Socialismo - conjunto de doutrinas que pregam a reorganização social por meio da estatização dos bens e dos meios de produção, e de uma sociedade caracterizada pela igualdade de oportunidades para todos e todas. O socialismo moderno surgiu no final do século 18 com intelectuais e movimentos políticos da classe trabalhadora, que criticavam os efeitos da industrialização sobre a propriedade privada. Karl Marx afirmava que o socialismo seria alcançado através da luta de classes e da revolução do proletariado, fase de transição do capitalismo para o comunismo.
• Capitalismo - o novo sistema econômico em que os meios de produção e distribuição são de propriedade privada e com fins lucrativos; decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e investimentos não são feitos pelo governo, os lucros são distribuídos para os proprietários que investem em empresas e os salários são pagos aos trabalhadores pelas empresas. É dominante no mundo ocidental desde o final do feudalismo. O termo capitalismo foi criado e utilizado por socialistas e anarquistas (Karl Marx, Proudhon, Sombart) no final do século XIX e no início do século XX, para identificar o sistema político-econômico existente na sociedade ocidental quando se referiam a ele em suas críticas, porém, o nome dado pelos idealizadores do sistema político-econômico ocidental, os britânicos John Locke e Adam Smith, dentre outros, já desde o início do século XIX, é liberalismo.
• Democracia racial - é o termo usado para expressar a crença de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial, diferentemente do que aconteceu nos EUA e em países africanos. Esta era a imagem que o Brasil vendia ao exterior: de um território democrático no quesito racial.
• Neo-lamarkismo - conjunto de teorias bastante diversas, desenvolvidas nas duas últimas décadas do século 19, que aceitavam o princípio da herança de caracteres adquiridos.
• Oligarquias - regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas de um mesmo partido, classe ou família, que governa em benefício próprio.
• República Velha - recebe esta denominação para distingui-la da República Nova. A Velha compreende o período da proclamação (1889) até a ascensão de Getúlio Vargas em 1930.
• Racismo científico ou racialismo - é um neologismo que designa a "teoria científica das raças humanas". Trata-se da questão de criar um termo bem diferenciado da palavra racismo, permitindo, de acordo com seus promotores, não fazer confusão entre:
1. uma definição arbitrária e eventualmente útil de raças humanas, por um lado;
2. qualquer idéia de conseqüências e eventuais medidas a serem tomadas (superioridade desta ou daquela raça sobre uma outra, de maneira geral ou num campo específico; implicações políticas, a favor ou contra a miscigenação, etc), por outro lado.
Segundo as teorias de cor e raça, as pessoas brancas eram vistas como biológica, moral e intelectualmente superiores a negros/as e amarelos/as, sendo a miscigenação compreendida como algo que enfraquecia os grupos. Assim, tais teorias apontavam uma espécie de futuro degenerado para a nação, uma vez que a população brasileira era constituída majoritariamente por indivíduos descendentes das raças ditas inferiores (negros índios, mestiços).
Essa singularidade brasileira se reflete nas múltiplas identidades de gênero, de raça e etnia, de orientação sexual, de classe etc.
A década de 1930 é importante para o entendimento do Brasil contemporâneo, uma vez que, além da troca de oligarquias que dominavam politicamente o país (fim da República Velha) e da mudança da base de sustentação econômica (início da industrialização), estavam em mutação os paradigmas teóricos que orientavam nossa intelectualidade. Nesse momento histórico, político e econômico nacional, os elementos que representavam nosso país foram repensados, passando por algumas mudanças importantes, de maneira positiva ou negativa – pela discussão da questão racial. Exemplos são os livros clássicos Raízes do Brasil (1936), do historiador Sérgio Buarque de Holanda, Retrato do Brasil (1928), de Paulo Prado e Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Júnior.
Segundo os estudos efetuados, a obra que teve maior impacto nas discussões sobre raça e racismo foi a do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, Casa-Grande & Senzala (1933). Freyre elaborou uma interpretação da formação do Brasil que deixava de lado o pessimismo racial que condenava o país e fazia uso da categoria “cultura” para entender o processo de formação da sociedade brasileira que, segundo sua análise, seria mestiça. Esta obra continha uma perspectiva positiva e nostálgica das relações entre negros/as, brancos/as e indígenas, apresentando o país como um exemplo de tolerância cristalizada no conceito de democracia racial.
Com o Estado Novo (nas décadas de 1930 e 1940), questões de identidade sobre a constituição do povo e cultura brasileiros, isto é, o que definia o Brasil e o diferenciava de outras nações, foram resolvidas com a implementação, pela ditadura de Getúlio Vargas, do projeto modernista, da década de 1920, presente entre as vanguardas artísticas e intelectuais nacionais. Nesse período, surgiram movimentos modernistas em diferentes partes do país, mas aquele que viria a ter mais repercussão seria o movimento modernista paulista. Em linhas gerais, o modernismo propunha, a partir da influência do movimento modernista europeu, que artistas olhassem para elementos nacionais e populares, como base para a produção artística em suas diversas vertentes (plásticas, literárias e musicais), deixando de lado elementos estranhos a culturas locais em suas representações estéticas. Os elementos culturais negros foram interpretados como símbolos da nação brasileira numa espécie de negociação cultural entre elites e povo. Uma massa de pobres, majoritariamente negra, vivendo de subempregos nas cidades, uma vez que, após a Abolição, ocorreu a migração em massa de boa parte da população das fazendas para cidades de interior e capitais revela o racismo velado que desmente a teoria de que no Brasil não existiu o modelo de segregação racial vivido em países como Estados Unidos ou África do Sul e as noções de raça e racialismo ditaram as discussões intelectuais e políticas sobre o futuro do país no final do século XIX e, desse modo, tiveram um impacto direto na dinâmica social dos indivíduos comuns, criando-se uma segregação racial à brasileira.
Disso tudo resultou o surgimento de uma espécie de etiqueta racial em que a segregação e a discriminação eram exercidas de forma velada e sentida nas relações de poder, o acesso à educação, a status social, político e econômico. Pode-se perceber na existência de clubes que não aceitavam a presença de negros/as, utilização de espaços públicos como praças e parques a partir de lógicas que distinguiam áreas de circulação para negros/as e para brancos/as e, como já foi dito, o impedimento deliberado de acesso ao mercado de trabalho a negros/as e mestiços/as. a disputa entre nacionais (negros/as e mestiços/as) e imigrantes foi amenizada por meio do estabelecimento da Lei de 2/3 (Lei da Nacionalização do Trabalho – 1930)
O imaginário de democracia racial tomava cada vez mais força e começava a significar
sinônimo de Brasil. Assim, segundo as teorias recorrentes nesse período, no sudeste e sul, devido à grande presença de imigrantes, sentiam-se muito mais as tensões raciais.observa que a discriminação e preconceito de brancos/as contra negros/as e mestiços/as que ocorriam no país diferiam em grau e gênero das experimentadas nos EUA pela população afro-americana. E o racismo científico que pairava sobre o mundo no século XIX e tivera seu ápice com o genocídio de judeus/ judias pela Alemanha Nazista, com o fim da guerra, ganhava outras versões e estruturação mundo afora sendo revistopelos teóricos mediante o trauma racial pós-2ª guerra colocou o Brasil, com sua suposta experiência de tolerância, a democracia racial, no centro do mundo como objeto de interesse e esperança. O cientista político Marcos Chor Maio, em sua tese de doutorado A História do Projeto UNESCO (1997), relata que esse fator, aliado à atuação incentivadora do projeto pelo antropólogo Arthur Ramos (1903-1949), que esteve à frente da UNESCO, foram decisivos para o estabelecimento, no Brasil, de uma série de pesquisas que viriam a ser conhecidas como “ciclo de estudos UNESCO” (1953-1956). Assim, o mundo volta seus olhos para as discussões raciais sobre: cor, raça, racismo e discriminação que se descortina do Brasil
Fazendo uma análise histórica da geração das desigualdades entre os grupos de cor, observa as desvantagens cumulativas transmitidas de geração a geração, responsáveis pela perpetuação da pobreza entre os/as não brancos/as (pretos/as e pardos/as) que formam uma grande massa vivendo muitas vezes em condição de subvida. O antropólogo Peter Fry sumarizou as discussões sobre o tema, no artigo A Persistência da Raça (2005) em que o pesquisador busca demonstrar a existência de três tipos de classificação racial vigentes no Brasil:
a) a do IBGE, que utiliza as categorias preto, pardo, branco, amarelo e indígena;
b) a dos movimentos sociais negros, que funciona numa perspectiva bipolar branco/negro;
c) a perspectiva popular, que, de forma bastante flexível/criativa, reelabora e cria incontáveis categorias, de acordo com o contexto vigente. As três maneiras de classificar estão presentes de forma simultânea nas relações cotidianas, mas o predomínio de uma delas em relação a outras por parte dos grupos sociais está relacionado a fatores como classe social e escolarização.
Na interpretação de Antonio Sérgio Guimarães, em seu livro Classes, Raças e Democracia (2002), haveria três momentos da democracia racial:
1. O ideal constitui o momento de elaboração do conceito, quando autores/as se nutrem de um imaginário vigente no século XIX, e que via o Brasil como um exemplo de paraíso racial para construir o ideal de democracia racial.
2. O pacto, se dá quando a noção de democracia racial serve como alicerce para a coalizão de grupos políticos, sociais e raciais distintos que visavam a implementar, de fato, a democracia racial.
3. O mito, faz referência ao momento em que essa aliança é quebrada e a ideia de democracia racial passa a ser vista como falácia.
Costa Pinto mescla, em seu trabalho, que tem início com uma sofisticada crítica aos trabalhos de Raimundo Nina Rodrigues, Gilberto Freyre e Arthur Ramos que, segundo ele, tenderiam a olhar para a população negra como um grupo homogêneo a partir de imagens estereotipadas, folclóricas e que remetiam ao passado, algo que ele denomina “negro como espetáculo” (MAIO, 1998). Logo, a questão racial só existiria como algo localizado no tempo e na estrutura de classes, e se daria somente para parte da população negra (novas elites negras). Para ele, enquanto as elites antigas, anteriores aos 1930, buscavam ascensão social individual, alienação consciente dos problemas da população negra e embranquecimento, as novas faziam o caminho inverso: ascensão coletiva, consciência de ser negro/a, enegrecimento e reunião em associações culturais e recreativas negras com expressões de classe média (companhias de teatro, bailes de gala e concursos de beleza).
Racismo é visto, nesse ínterim, como um conjunto de ações, ideias, doutrinas e pensamentos que estabelece, justifica e legitima a dominação de um grupo racial sobre outro, pautado numa suposta superioridade do grupo dominador em relação aos dominados. Num regime em que prevalece uma lógica racista, os recursos das mais diversas ordens (econômicos, políticos e simbólicos) são distribuídos seguindo a lógica desigual da hierarquia racial vigente. As várias formas de racismo devem sempre ser entendidas dentro de sua peculiaridade de estruturação e funcionamento, de modo que, quando comparados, afirmações baseadas em juízos de valor que entendem alguns/algumas sendo “melhores” do que outros/as – e vice-versa – tendem a ofuscar o preciso entendimento de cada um/a na sua especificidade.
A noção de raça dentro do “protesto negro” foi um elemento essencial para criar mecanismos de solidariedade e identidade de grupo, da formação do orgulho racial, além de ser elemento identitário e aglutinador, passa a ser reivindicado junto à incorporação de elementos culturais de origem negro-africana,e teve em Abdias Nascimento (fundador do TEN em 1945) um de seus maiores representantes na modernidade. E eu, enquanto mulher de descendência afro, representante do CEAFRO em Mimoso do Sul, encontro em Abdias eco para minhas aspirações de cor e raça, no intuito de fazer valer os direitos do cidadão negro, afro descendente dentro de minha cidade, município, estado. Penso que o início desse trabalho começa em mim, uma vez que me empoderar de minha identidade como cidadã negra, de minha negritude dentro do meu cotidiano, me impondo, sim, porque o preconceito não desaparece como em um “passe de mágica”, mas mediante atitude crítica e dinâmica, posso ajudar na eliminação da discriminação e preconceito racial (seja em qualquer nível grupo ou classe) se resolvê-lo antes dentro de mim.
Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa.
Texto síntese de estudos realizados no Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPPGR. NEAAD/UFES-ES, 2011.