DOM HELDER E A VOZ DA CONSCIÊNCIA.

Por Carlos Sena


 
Atribui-se a Dom Hélder a seguinte passagem de natal:

Ao término de uma missa, na cidade de Fortaleza, uma prostituta o indagou sobre uma atitude sua sempre que chegava o natal. Como não tinha dinheiro pra comprar um presente ela, a prostituta, escolhia um detento na cadeia da cidade e passava a noite com ele, sem cobrar nenhum tostão. O Dom, do alto de sua sabedoria teria dito: “o que é que a tua consciência diz”? O resto da conversa é de somenos importância, mas fica claro o desprendimento da resposta dada pelo arcebispo. Nesse prisma, fico imaginando se no lugar do Dom Helder fosse um im-pastor tipo SILAS MALA FEIA.
Talvez seja esse o diferencial que sentimos falta em nossos tempos. Tempos em que os nossos líderes religiosos se preocupam mais com performances na TV, gravação de CD, shows de todo tipo, etc. Nada contra, desde que o sejam no contexto da fé, talvez mais do que da religião. Religião tem igreja, igreja tem gente mandando, gente mandando tem pecados às vezes até mais cabeludos do que os fiéis. Portento, melhor investir na fé. Coisas da fé são as atitudes de Dom Helder diante da prostituta, posto que não a julgou nem a condenou, mas recomendou que ela mesma se municiasse da sua consciência. Silas Mala Feia logo se manifestava com suas teses ultrapassadas do pecado, com seu ar de ira feito cão babando e cuspindo em cima das pessoas... Satanás logo seria invocado e metido na cara da prostituta e logo uma tese estaria posta acerca do “cadeirudo” e seus malefícios. Certamente estaria montado todo um cenário de imposições no sentido de que aquela prostituta se arrependesse e, certamente, contribuísse para o “cofre” da sua igreja.
Independente de Dom Helder ou do Sila (prefiro sem o “s” pra ver se fica de menos), fato é que estamos todos meio órfãos de bons pastores. Pastores que nos tenham como ovelhas e como tal sintam que onde está a ovelha está a lã. Pastores que nos ajudem a exercitar nossas consciências, porque elas são o que nos mantém vivos. Mantendo-nos vivos em nossa fé, certamente os rituais, as oferendas, as liturgias ficarão mais legitimadas em nós. A fé e a consciência, no nosso entendimento estão e estarão sempre juntas. Exercitar a fé é infinitamente mais produtivo do que exercitar o fanatismo. Este carece, invariavelmente, de tutor, de indutor de excentricismos, de manipulador de consciências ingênuas – senão ficaria difícil extrair dinheiro delas...
Neste natal, lembro sempre do episódio da prostituta de Fortaleza e fico imaginando o quanto foi importante a posição do nosso Bispo Emérito de saudosa memória... Recorrendo a consciência, todos poderemos nos julgar e nos condenar e nos inocentar, independentes do julgamento dos outros acerca das nossas atitudes. O terceiro milênio nos convida a pensar e refletir. Pensar apenas não basta, pois o pensamento se presta a tudo. Refletir é necessário como elemento de ligação entre nós e nossas consciências, pois só os rudes não refletem ou o fazem sob o manto da orquestração.
Agora estamos na época natalina. Convite à reflexão não falta. Convite às nossas consciências não faltam para que, sob seu comando, a gente julgue menos as pessoas diferentes de nós. Afinal, flores diferentes vivem juntas, por que nós não?