A FORMA DA ÁGUA
Qual é a forma da água?
Antes de responder apressado, por favor vá lendo as minhas reflexões, que apelidei artigo e no final responda.
Pois bem, leio que o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou dia 10 de novembro de 2011 que, apesar de ter considerado bom o voto do ministro do STF Luiz Fux, que acolheu parcialmente a Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre a Ficha Limpa, defende que seja alterado o ponto que permite que políticos possam renunciar aos mandatos para escapar de medidas de cassação.
Afirma que o representante da OAB que:
"A prevalecer o entendimento do ministro Fux, os políticos voltam a poder renunciar, na véspera da reunião do Conselho de Ética, para não serem cassados, ficando plenamente elegíveis para a eleição imediatamente seguinte, ou seja, nada muda".
Ou seja, continua tudo a mesmíssima merda de sempre, (claro, isto digo eu, não o ministro!).
Com a ressalva (e para a alegria o Sr. Ophir Cavalcante) que a lei da ficha limpa é sim e foi considerada para sempre constitucional.
Mas não serve para porra nenhuma!
Para Cavalcante:
"A se manter esse ponto do voto do ministro Fux, ficarão elegíveis todos os políticos que já renunciaram antes da abertura do processo pelo Conselho de Ética para escapar de cassações, como é o caso do ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz".
Joaquim Roriz e Jader Barbalho, se os leitores já esqueceram, vale lembrar que usaram deste expediente.
Jader renunciou o mandato de senador em 2001, em meio a denúncias de desvio de verbas no Banpará.
Joaquim Roriz fez o mesmo em 2007, depois de ser acusado de negociar a partilha de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do Banco de Brasília, Tarcísio Franklin de Moura.
Como ambos renunciaram antes da abertura do processo disciplinar, que poderia levar à cassação do mandato parlamentar e por conseqüência deixá-los inelegíveis, eles podem se candidatar novamente e serem eleitos novamente, gozarem da imunidade que nossa injusta lei lhes dá. E fica tudo como se nada tivesse acontecido.
Assim, aproveitaram a brecha na lei, estão por ai, lindos (prá nós, leitores responsáveis, nem tanto!), leves e soltos.
Foi para proibir este comportamento que foi editada a lei da Ficha Limpa.
Que agora o ministro Fux diz que é constitucional, mas que o vilão continua com o direito de renunciar antes da abertura do processo de cassação.
Leio também nas notícias do “Terra” que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que a proposta de Fux será analisada pelos demais ministros e que é o momento que passa a valer a inelegibilidade pelo efeito da renúncia que sempre foi objeto de contestação.
"Mas, no geral, o voto foi animador, porque proclama a constitucionalidade da lei", disse ele. Creio que ele quis dizer que foi "animador" para os políticos corruptos; não para nós, cidadãos honestos. Essas notícias nem sempre se explicam bem.
Então tá !
Vamos fazer de conta que estamos todos alegres pelo fato de que a lei foi julgada constitucional.
E ai?
Descobriu o formato da água?
Somos enganados todos os dias, por muitos e perversos expedientes, que não compreendemos.
O governo, o ministro, e qualquer outro que carrega em si a face do Estado diz que é difícil governar.
E a gente acredita.
Mas não devia
"Todos os dias os ministros dizem ao povo
como é dificil governar.
Sem os ministros o trigo cresceria para baixo
ao invés de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
se o ministro não fosse tão inteligente.
Sem o ministro da Saúde
mais nenhuma mulher poderia ficar grávida.
Sem o ministro da Guerra... nunca mais haveria guerra.
E atrever-se-ia nascer o sol sem autorização do Ditador?
Não é nada provável que o fosse
ele nasceria por certo em outro lugar.
...
Se governar fosse fácil
não haveria necessidade de espíritos tão esclarecidos
como o do Ditador.
...
É só porque todo mundo é tão estúpido
que há necessidade de alguns tão inteligentes.
Ou será que
governar é assim tão dificil porque a exploração e a mentira
são coisas que custam a aprender?
("Dificuldade de governar" - Bertold Brecht)
Então amigo?
Ainda não descobriu a forma da água?
Mais uma dica, então.
Nosso sistema democrático dividiu a responsabilidade de governar entre três poderes.
O executivo, prefeito-governador-presidente, tem a missão de administrar o que é público, o que pertence a todos nós.
Para isso conta com as leis votadas pelo outro poder: o legislativo, com vereadores-deputados estaduais-deputados federais-senadores.
Nestes dois poderes o eleitor opina. Vota. Escolhe. Decide o rumo da política. Está em nossas mãos.
Mas o outro poder, o judiciário, (que tem a obrigação de aplicar a lei e dirimir litígios), não está ao julgamento do eleitor.
É constituído por servidores de carreira, (servidor vem de "servir", é sempre bom nunca esquecer), que são os juízes, os desembargadores e os ministros.
Para chegar ao STF é preciso ser ou servidor de carreira ou cidadão de "ilibado saber jurídico", (ou seja, pode ser qualquer coisa viva que subjetivamente convenceu algum outro igual a ele numa avaliação subjetiva - mas tudo bem, regras são regras).
O Ministro Fux é servidor de carreira. Passou em concurso público para juiz, através do seu mérito galgou todas as etapas e chegou ao máximo que alguém pode desejar no judiciário.
Numa lista triplice (organizada pelo próprio judiciário e apresentada ao poder máximo do executivo), foi escolhido e nomeado pela presidente.
É, pelo seu histórico, um "positivista"; ou seja, pessoa apegada ao exato texto da lei.
Talvez por isto, foi festejado por todos (ou pelo menos a maioria), que militam na área do direito.
E o que tem a forma da água com isso?
Dá água que corre pelo rio
da água de escorre da torneira?
A água, como você já deve saber (e talvez nunca se dado conta), possui a forma do recepiente onde se deita.
De nada vale editar uma lei boa,
boa como a água,
se o vaso ou espírito onde ela vai se mergulhar
possui o formato que desagrada,
e não podemos fazer nada para mudá-la.
Sajob - 21/11/2011
Obrigado se chegou a ler
até o final.
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