Antropologia & A Escola De Chicago

Entendendo o que é Antropologia: prefixo antropo= "homem", sufixo logia=

"estudo". A Antropologia é a ciência que estuda o homem, ou mais que

isso, estuda o homem e a humanidade em todas as suas dimensões.

A primeira corrente desta ciência foi a "antropologia biológica" que

consistia em estudar o homem por uma perspectiva evolucionista. Esta

corrente antropológica restringia-se em estudar o homem físico a partir

de métodos antropométricos (antropometria:ciência que estuda as características

físicas do ser humano, ou seja, análise óssea, estatura e

capacidade intelectual também a partir dos traços físicos). Esta

tendência marcou e se estendeu por bastante tempo; seus principais

estudiosos, e precursores, eram Morgan, Tylor e Frazer.

Antropologia Cultural

Este outro momento da Antropologia é marcado pela corrente de

pensamento contrária ao evolucionismo. Nela vemos estudiosos

se desprendendo das buscas por "leis universais", que eram capazes de

definir os comportamentos e desenvolvimentos humanos, em busca agora de

conceitos que abarquem o ser humano e sua cultura. Franz Boas,

influenciado pelo pensamento durkehimiano, foi o precursor deste novo

olhar antropológico.

Ao estudar este outro viés, surgem posteriormente duas outras

correntes de análises: "funcionalismo" apreendido por Malinowski e o

"estruturalismo" apreendido por Radcliffe-Brown. Tais estudos eram

efetuados em pesquisa de campo em sociedades tribais para compreender

seus costumes, crenças, mitos etc, através de métodos comparativos

tentar definir as relações sociais.

Antropologia Urbana

Depois de uma minúscula apresentação sobre esta área científica, a

Antropologia, chego então ao meu foco de trabalho: a "antropologia

urbana".

Durante longos períodos na consolidação das ciências do homem, seus

estudos estavam pautados nas pesquisas em torno do ser humano

no seu contexto mais exótico; ou seja, a atenção estava voltada para a

análise das sociedades "diferentes" (primitivas), análises a cerca do "outro",

daquilo que se afastava da cultura local.

Em toda sua linha filosófica, a antropologia desencadeou alguns

conceitos que norteavam seu pensamento: conceito de "social", típico da

corrente antropológica britânica; conceito de "cultural", típico da

corrente antropológica francesa; e este outro conceito "étnico". É a

partir deste último conceito citado, o étnico, o mais "moderno" deles

por sinal, é o que será utilizado nos estudos para se fazer uma antropologia

urbana, preocupada não em observar o exótico, mas em observar o seu próprio

campo social.

Este novo momento da antropologia como disciplina acadêmica, veio repleto

de variados objetos para pesquisa; haja visto que o fenômeno urbano acarreta uma série de conflitos sociais e culturais, principalmente no contexto

das grandes metrópoles. Para executar tal tarefa, a antropologia urbana

tem o método etnográfico como sua ferramenta de pesquisa.

Sua contribuição foi de extrema importância para o campo das

Ciências Sociais; ao invés de observar as relações entre nativos ou

grupos singulares, os antropólogos urbanos lidavam constantemente com

relações de grupos inseridos diretamente no seu próprio contexto de

vida social.

Esta inovação nas ciências do homem, além da fantástica contribuição

para a compreensão das relações nas cidades urbanas, trouxe também um

debate a cerca de: a quê ponto a antropologia urbana não se confunde com

a sociologia, a então ciência da sociedade?

Como solucionar então este dilema posto no âmbito dessas duas

ciências aparentemente muito relacionadas? Tomando a Sociologia como a

ciência da sociedade, logo, o estudo do social para o individual, ou

seja, suas questões políticas, econômicas e administrativas permeando a

vida do homem como cidadão urbano. A Antropologia, sendo esta urbana,

por sua vez, partirá para os estudos, como já fora mencionado, das

relações entre indivíduos de um determinado grupo étnico e sua

perspectiva expandindo daí para o meio social.

Como minha intenção não é discutir este debate, mas sim de discorrer

sobre a temática da antropologia urbana; retomo aqui um outro tema a

respeito da relação entre o antropólogo e o seu objeto observado, na

diferença que há entre a etnografia feita entre comunidades tribais,

aonde o pesquisador se diferia completamente dos demais indivíduos

singulares, e a observação das comunidades urbanas, na estreita relação

entre o pesquisador e os indivíduos do mesmo intercâmbio social. Neste

segundo caso, o antropólogo se mescla com seu objeto, por vezes podendo

até ser considerado como membro integrante do grupo devido ao seu grau

de semelhança entre eles.

Aqui também podemos levantar outro problema na produção desta

etnografia; até que ponto o antropólogo pode relatar em sua pesquisa os

acontecimentos mais pertinentes ao grupo observado? Ou seja, as

informações colhidas poderão comprometer, ou não, o objeto estudado,

como no caso da obra "Sociedade de Esquina" de William Foote Whyte,

aonde ele realizou um trabalho de pesquisa com o método de

observação participante com grupos de gangues de rua, "numa área pobre e

degradada de Eastern City (Boston), habitada por imigrantes italianos".

Foote Whyte executou sua pesquisa por um longo espaço de tempo, conheceu

toda rotina dos integrantes das gangues, esquematizou toda a situação

urbana daquela cidade; e aqui está o problema que eu citara a pouco,

este documento PODERIA comprometer a sociedade desses jovens de gangue

devido ao mapeamento de suas relações rotineiras, mas isso não ocorrera.

Uma outra situação que ocorre nessa etnografia urbana é que,

contrariamente aos documentos produzidos nas sociedades tribais, os

resultados das análises não retornavam para a tribo estudada, já nos

documentos produzidos nas cidades o objeto pode se deparar, positiva ou

negativamente, com a produção do antropólogo.

Vale ressaltar também que nessas interações entre o pesquisador e o

objeto pesquisado, por conta da similaridade de ambos, muitas

informações confidenciais são reveladas, de modo a deixar o antropólogo

numa situação de "desconforto" por não saber, às vezes, o que documentar

daqueles relatos; entraria aqui, uma postura que envolveria a ética na

produção da etnografia.

Um outro ponto interessante nessa antropologia urbana está em

determinadas práticas dos cidadãos nas grandes metrópoles contemporâneas,

que aparentemente compreensíveis pela observação simples de outro cidadão, mas

tornam-se muito mais complexas e explicativas quando identificadas com

o enfoque etnográfico.

Um exemplo disso, vem da experiência de um ex aluno do professor José

Guilherme Cantor Magnani, hoje professor de antropologia na Universidade Federal de São

Carlos.

Segundo o relato de Magnani:

"Luiz Henrique escolheu um botequim, para seu exercício etnográfico; o

tema era sobre o tempo livre e era preciso descobrir as concepções que os usuários tinham sobre lazer. A resposta

obtida foi: "não, isto aqui não é lazer". Mas, como? O pesquisador estava todo preparado com as teorias do lazer e do tempo livre e o informante dizia que aqueles

momentos passados no botequim, no final da tarde, não constituíam lazer. Que eram, então? "Higiene mental", foi a inesperada resposta. Tal perspectiva não cabia,

não se encaixava nas hipóteses; no entanto, ofereceu uma pista: aqueles momentos passados no botequim, em companhia de colegas após a jornada de trabalho, antes

de voltar para casa, eram vividos como uma passagem entre o mundo do trabalho e o mundo doméstico. Então fazia sentido falar em higiene mental: aquelas pessoas

eram trabalhadores que ainda traziam na roupa, no corpo, nos temas das conversas, as marcas dessa condição; a passagem pelo botequim era encarada como uma espécie

de "descontaminação" antes da volta ao convívio com a família."

A partir deste primeiro relato do professor Magnani, deparamo-nos

com a situação de um antropólogo caindo na "tentação da aldeia", um

termo utilizado pelo próprio professor para expressar a pré noção com

que saem os pesquisadores rumo ao grupo específico selecionado, a fim de buscar

informações que venham a comprovar sua tese anteriormente levantada.

Vejamos então, a continuação do relato do professor Magnani sobre a

resposta encontrada por seu ex-aluno:

Tudo bem, mas afinal o que eles consideravam lazer? "Lazer é quando eu me arrumo e vou com minha mulher a um barzinho ou, no fim de semana, quando vou passear na

USP" - evidentemente quando o campus era aberto para lazer da população, nos idos de 1989. De certa maneira, o entrevistado, ao mostrar de que forma usa seu tempo

livre, deu uma pista para pensar as diferenças no modo de entendimento do lazer. Não se trata de optar por uma visão mais autêntica ou verdadeira, mas estar atento

para nuanças, modulações, princípios de classificação diferentes, a partir dos arranjos dos próprios atores. Essas pistas podem ser seguidas, aprofundadas e permitem

enriquecer, no caso, uma compreensão mais ampla do que seja o lazer."

Como podemos observar nesta pesquisa realizada, a real compreensão

das práticas rotineiras dos grupos urbanos está além da mera

estigmatização da vida no social.

Como toda novidade sempre causa espantos, nessa nova forma de fazer

antropologia não foi diferente. No seu surgimento, alguns estudiosos

questionaram afirmando que tal prática distanciava-se daquela

Antropologia clássica, praticada no contexto das sociedades não

ocidentais, interessadas no exótico; discriminadamente indagavam-se se

tais assuntos urbanos não eram pertinentes a outros ramos das Ciências

Sociais; por outro lado, a antropologia urbana pode ser pensada também

como um desenvolvimento tardio da própria Ciência do Homem.

O sociólogo Robert Ezra Park, da Escola de Chicago, refere-se a essa situação nos seguintes

termos:

"Até o presente, a antropologia, a ciência do homem, tem-se preocupado principalmente com o estudo dos povos primitivos. Mas o homem civilizado é um objeto de investigação

igualmente interessante, e ao mesmo tempo sua vida é mais aberta à observação e ao estudo. A vida e a cultura urbanas são mais variadas, sutis e complicadas, mas

os motivos fundamentais são os mesmos nos dois casos."

(Velho, 1987, p. 28)

A Escola de Chicago

Fundada em 1985, a Escola de Chicago, segundo Howard Becker, 1990,

"mais conhecida por seu nome do que pelo conteúdo que efetivamente fez";

este polo acadêmico, localizado, como bem se pode perceber pelo nome, na

cidade de Chicago nos Estados Unidos da América, teve grande e

importante influência nas temáticas que permeavam os campos das Ciências

Sociais.

A Escola de Chicago, notada pelos grandes investimentos em

programas de ensino e pesquisas sociológicas, após a expansão de seus

departamentos por várias cidades dos Estados Unidos, tornou-se um atrativo para os

estudantes; ainda segundo Becker, profissionais desta área, em pouco

tempo, começaram a ocupar o país.

Esta universidade de Chicago teve um marco por uma divisão na

composição do seu corpo acadêmico. Por um lado estavam as denominadas

"escolas de pensamento", aonde estudiosos desencadeiam pensamentos

semelhantes ao de outros estudiosos; muitas vezes essas pessoas nunca

haviam se encontrado, porém, com o passar dos anos, ao se depararem com

as teses e os trabalhos das outras pessoas, chegavam a conclusão de que

tinham em comum esta similaridade de ideias; as circunstâncias

históricas podem ter sido determinante para a formulação dessa corrente

de ideias. Por outro lado, havia as chamadas "escolas de atividade",

aonde nelas, pessoas trabalham conjuntamente, não necessitando aqui, que

seus pensamentos estivessem na mesma linha teórica, o importante eram as

suas ações coletivas; segundo o relato de Becker "Certas ideias vigentes na Universidade de

Chicago eram compartilhadas pela maioria das pessoas, mas não por

todas; certamente não era preciso que todos concordassem com essas

ideias para se engajarem nas atividades que realizavam." (Becker, 1990)

A partir destas definições, podemos observar uma nova forma de fazer

as ciências do homem; contrária aos métodos abstratos da

Sociologia e Antropologia europeia,

teorizando "sistemas sociais", a Escola de Chicago realizou pesquisas de

campo em torno de situações concretas e a partir daí formular

estudos capazes de atender pontualmente a compreensão das ações e

comportamentos da vida em cidades.

Compreende-se então, que a Universidade de Chicago era uma unidade

muito mais metodológica contraposta a teorização das universidades da

Europa. Seus estudos voltavam para uma análise empírica abordando o

homem no seu contexto de interação social; com isso, sua abordagem

metodológica viera a debruçar-se sobre pesquisas "quantitativas e

qualitativas que buscavam compreender as interações simbólicas dentro

do contexto social"

Seu método quantitativo era baseado na coleta de dados abstraídos

nas pesquisas de campo a fim de demonstrar influências externas e/ou

internas emergentes dentro daquele objeto de pesquisa, assim, chegando a

fazer um mapeamento objetivo dessas influências e da reprodução das

mesmas; porém, o pesquisador se conscientiza que essa adição de dados

não conduz a uma melhor interpretação a cerca do fenômeno analisado.

A metodologia qualitativa abordará uma teoria muito mais

compreensiva, com mais interação entre o pesquisador e o objeto estudado

por meio de observação participante a substituir os dados numéricos

coletados no método quantitativo, numa abordagem empregada nas ciências

naturais, por uma narrativa que desencadeará na

teorização do fenômeno com uma abordagem etnológica.

Podemos tomar como ilustração desta interação pesquisador/objeto, o

estudo empírico do jovem William Foote Whyte na sua produção Sociedade de Cornerville (North

Esquina (1943; Whyte fez estudos sobre End), uma área pobre e degradada

de Eastern City (Boston), habitada por imigrantes italianos.

Foote Whyte usa-se numa metodologia de observação participante,

interagindo-se inteiramente no âmbito social dos jovens integrantes das

gangues de ruas daquela respectiva cidade. Contrariando o pensamento da

classe média branca, a qual Whyte fazia parte, aquele grupo social

possuía uma complexa organização social formada por diferentes padrões

de interação. Ele constrói, ao invés de uma coleta de dados numéricos,

uma narrativa abrangente que nos permite observar uma estrutura social

que demarca uma hierarquização de diversos níveis entre os seus

indivíduos.

Um trecho do resumo da obra Sociedade de Esquina pode nos ajudar a

compreender melhor como se dava essa hierarquia social:

"O autor descreve quatro tipos de organização: a gangue de esquina, o clube organizado por "rapazes formados", a organização mafiosa e a política partidária. Os

dois primeiros abrigam os "peixes miúdos": os "rapazes de esquina", que ocupam a posição mais baixa na hierarquia social, e os "rapazes formados", que se encontram

em

meio a trajetórias de ascensão social. Já os gângsteres e os políticos são os "peixes graúdos", ocupam o topo da hierarquia local. Mas cada "tipo" identificado

por Whyte é construído a partir da observação e da descrição de trajetórias de indivíduos e grupos concretos com os quais o autor não só entrou em contato, mas de

fato

envolveu-se em ações, disputas e projetos conjuntos." [DE MOURA,

CRISTINA PATRIOTA - 2005 (Zahar Editor. 390pp.)]

Um elemento interessante nestes grupos coligados, é a representação

simbólica que se constrói a partir do status de cada integrante desses

respectivos grupos. Esta interação simbólica tem um desempenho

significativo nessas relações, uma vez que nelas se constituem a

hierarquia social muito bem articulada, não somente adentro dos grupos

de "peixes grandes", mas tanto quanto os dos grupos de "peixes menores".

Segundo o psicólogo Herbert Blumer da Escola de Chicago, há 3

premissas que estabelecem este interacionismo simbólico:

* O modo como um indivíduo interpreta os fatos e age perante outros indivíduos ou coisas depende do significado que ele atribui a esses outros indivíduos e coisas.

* Este significado é resultado dos processos de interação social.

* Os significados dos objetos podem mudar com o passar do tempo.

Nesta interação simbólica encontramos toda uma estrutura de relações

entre os indivíduos membros destas sociedades, aparentemente não

considerada como tal.

Esta obra de Whyte e também essa metodologia empregada pela Escola

de Chicago, a fim de compreender os fenômenos urbanos, permite-nos romper

com estigmas "nativos" em nós a cerca do outro; desvendados a partir de um olhar

mais adentro por um olhar focado na etnografia.

A Relação da Escola de Chicago Com A Antropologia Urbana

Partindo desta perspectiva, vê-se a Escola de Chicago levando adiante um trabalho pioneiro de pesquisa etnográfica de campos no seio metropolitano voltando

atenção para assuntos referentes a marginalidade, criminalidade, segregação étnica, prostituição, e das numerosas formas de interações nos espaços públicos; resultando

numa revelação da existência de "organização", ou "ordenação", no interior desses fenômenos, mostrados por esses estudos realizados, vindo a ajudar paulatinamente

a compreender a diversidade cultural ou ideológica que fermenta o contexto urbano.

A Escola de Chicago abre margem para discursões pautadas na especificidade do meio urbano articulado reflexivamente pela antropologia, estabelecendo diálogo

com a tradicional sociologia, com a pretensão de eclodir uma respectiva "antropologia da cidade", não estreitando sua análise por uma antropologia "na cidade", fazendo

não somente uma abordagem dos fenômenos contidos nessa esfera urbana, mas levar a tematizar tais fatores a fim de torná-los sujeitos de uma reflexão. Utilizando-se

da cidade como "laboratório" principal da análise a cerca das mudanças sócioculturais com intuito de formular uma "concepção

"espacializada" do social e, reciprocamente,

socializada do espaço" (Cuin & Gresle, 1994, p. 191 e 193). Tal mencionamento acarretou numa crítica reflexiva a respeito dos ensinamentos transmitidos no palco

acadêmico buscando um direcionamento específico da Antropologia, visando uma compreensão melhorada desta disciplina, em torno de um tema permeado por pontos convergentes

entre essas duas vertentes disciplinares, a Sociologia e a Antropologia, ambas adentras no viés urbano.

Bibliografia

Tempo Social - A antropologia urbana e os desafios da metrópole

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702003000100005

Revista de Antropologia - O urbano em questão na antropologia: interfaces com a sociologia

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012005000100004

Cristina Patriota de Moura

Whyte, William Foote. 2005 [1943]. Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor. 390pp.

A ESCOLA DE CHICAGO, Howard Becker

MANA 2(2):177-188, 1996

Maximiniano J. M. da Silva - domingo, 13 de Dezembro de 2010